Militar húngaro encontra suas raízes no sul de Rondônia

A viagem de Kristóf József: Um mergulho na história familiar.

Vig Kristóf József, em Vilhena. Foto: Júlio Olivar

Por Júlio Olivar – julioolivar@hotmail.com

O jovem Vig Kristóf József, ou simplesmente Kristóf, embarcou em uma aventura de tirar o fôlego. Sem nunca ter viajado para fora da Europa, ele partiu da Hungria, na Europa Central, e chegou a Vilhena na semana passada, após três dias de jornada desde sua pequena cidade natal, Bókaháza, situada a 202 km da capital, Budapeste.

Sua chegada ao Brasil foi marcada por uma aterrissagem em São Paulo e, posteriormente, um voo até Cuiabá. A última etapa da viagem foi uma longa jornada de ônibus até Vilhena, que durou mais de doze horas. Ao todo, Kristóf percorreu quase 11 mil km. No entanto, o maior desafio foi lidar com o fuso-horário (aqui, quatro horas antes atrás) e o clima. Enquanto na Hungria as temperaturas nesta época do ano giram em torno de dois graus negativos – mas no inverno, despencam para até 15 graus abaixo de zero – , em Vilhena, o calor tropical era uma novidade.

“Gringo” participou de movimentos de guerrilha antes de fugir para Vilhena. Foto: Júlio Olivar

Aos 23 anos, Kristóf chegou a Vilhena com o objetivo de se conectar com o passado de sua família. Ele, apaixonado por história, veio em busca de informações sobre seu tio-avô, József, que chegou a Vilhena em 1968. Conhecido como “Gringo”, József fez história na cidade como mecânico, trabalhou no 5º BEC (Batalhão de Engenharia e Construção) e proporcionou as primeiras sessões de cinema na vila, então com 300 habitantes. Nas horas vagas, ele atuava como goleiro e técnico de futebol, além de ser um fervoroso torcedor do Flamengo. József viveu no Brasil desde 1957 e faleceu em Ji-Paraná, em 1999, aos 67 anos, vítima de diabetes.

Em 2017, Kristóf teve contato com Andressa, neta de József e sua prima de terceiro grau, que hoje é médica. Ela havia visitado a Hungria e, desde então, Kristóf decidiu retribuir a visita. “Comecei a planejar a viagem após minha prima nos visitar na Hungria. Ela e sua mãe me convidaram. Eu precisava terminar a escola e obter minha profissão. Porém, devido ao confinamento da Covid-19, a viagem teve que ser adiada.”

Kristóf: “Vim pesquisar sobre meu tio-avô”. Foto: Arquivo de família

Após 57 anos da chegada de József a Rondônia, Kristóf foi recebido calorosamente pela viúva de seu tio-avô, Angelita, de 95 anos, e sua filha, Denise, de 58, junto com suas duas filhas. Em Vilhena, Kristóf teve acesso a cartas, fotos e memórias que lançaram luz sobre a história de sua família. “Tudo isso ocorreu bem antes de eu nascer. Tive interesse em trazer informações que ouvi em minha família e levar outras daqui”, relatou Kristóf. “Vi fotos de József que nunca tinha visto antes e ouvi a história de como ele viveu e o que fez aqui. É muito interessante e surpreendente a saga dele.”

József, cujo nome ele grafava sem acento, percorria a região exibindo filmes de forma itinerante com um projetor manual. Além de Vilhena, ele morou em Cabixi e Cacoal. Sua decisão de se refugiar na Amazônia decorreu de envolvimentos em confrontos armados no pós-Segunda Guerra Mundial. Em 1957, József fugiu para o Brasil em uma embarcação, sendo dado como morto por muitos. Deixou para trás uma esposa e um filho. “Ele tinha que deixar o país, caso contrário, seria preso. Não sabemos os motivos exatos, pois ele não falava muito sobre isso. Seu apelido era Partisan”, esclareceu Kristóf. Na Hungria, “partizán” refere-se a membros de movimentos de guerrilha que faziam resistência e lutavam contra regimes opressivos durante e após a Segunda Guerra Mundial.

Durante sua curta estadia, Kristóf pretende explorar Vilhena e retornar à Hungria no dia 25 de fevereiro. “Levarei comigo memórias que nunca esquecerei. Na próxima vez, gostaria de passar mais tempo em Vilhena do que duas semanas”, revelou.

Até chegar ao Brasil, Kristóf sabia pouco sobre a Amazônia. Porém, ele observou que a cultura brasileira permeia a Hungria, seja através das novelas de televisão, da música ou dos bares temáticos. O futebol também é uma paixão compartilhada entre os dois países.
Além de estreitar laços familiares, Kristóf buscou conhecer a história e a cultura local. Ele visitou o museu Casa de Rondon e desfrutou de uma tarde agradável aprendendo sobre as origens de Vilhena. “Cultura e memória estão na alma europeia”, refletiu Kristóf, destacando a impressionante arquitetura da Hungria, com seus castelos medievais, igrejas góticas e edifícios Art Nouveau.

Kristóf ao lado de Angelita, viúva de seu tio-avô, e sua prima Denise, em Vilhena. Foto: Júlio Olivar

Apaixonado por carros antigos, Kristóf contou que na Hungria existe uma frota turística de veículos dos tempos comunistas. Ele participa anualmente de um encontro de carros antigos da Alemanha Oriental. “Fiquei sabendo de um carro feito totalmente em inox aqui em Vilhena, uma verdadeira obra-prima”, mencionou, referindo-se ao modelo Ford 29 criado pelo alemão Hermes Balcon, radicado em Rondônia. Sim, Rondônia, é uma verdadeira Torre de Babel. E nem todos sabem as origens de quem ajudou a construir esta civilização na Amazônia. Kristóf quis saber.

QUEM É: Kristóf trabalhou como garçom antes de ingressar nas Forças de Defesa da Hungria, onde atua como especialista em suprimentos (alimentação). É um jovem idealista e estudioso.

Sobre o autor

Júlio Olivar é jornalista e escritor, mora em Rondônia, tem livros publicados nos campos da biografia, história e poesia. É membro da Academia Rondoniense de Letras. Apaixonado pela Amazônia e pela memória nacional.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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