Justiça determina e “índio do buraco” é sepultado em sua terra de origem

Ele foi o último sobrevivente de etnia desconhecida em Rondônia

Por determinação da Justiça Federal foi enterrado na tarde desta sexta-feira (3), o “índio do buraco”. A cerimônia foi conduzida pelo indígena Purá Kanoê, morador da região, com a presença de funcionários da Funai (Fundação Nacional do Índio). O corpo foi coberto por folhas de bananeira e passou pela ritualística ancestral antes de ser sepultado.

Desde que foram encontrados, em 23 de agosto, os restos mortais aguardavam por um destino. Nesta semana a Justiça Federal (JF) em Vilhena [sul de Rondônia] definiu que a Funai procedesse a cerimônia no local em que o homem morreu, numa palhoça na reserva Tanaru, município de Corumbiara (RO). A decisão foi tomada com base em pedido do Ministério Público Federal (MPF). A íntegra da ação número 1002480-07.2022.4.01.4103 pode ser vista no site da JF.

Os ossos ficaram na sede da PF em Vilhena desde setembro, quando vieram de Brasília, onde permaneceram durante quase um mês. Na capital federal, o cadáver foi submetido a exames periciais da PF e do Instituto Médico Legal. O indígena morreu de causas naturais, deitado em uma rede, dentro de sua oca. Os laudos sobre a etnia do desaparecido ainda não foram concluídos.

O sepultamento conduzido na floresta – Foto: Júlio Olivar

Mesmo alegando em juízo “não ter a obrigação de fazer o sepultamento”, a Funai chegou a cogitar fazê-lo longe da terra em que o indígena viveu e morreu. Houve especulação de que o enterro seria feito no espaço da Casa de Rondon, museu que fica a seis quilômetros do centro de Vilhena. Proposta que foi rechaçada pelo judiciário.

O MPF pontuou que o sepultamento tardio desrespeitou não apenas a dignidade e a memória do indivíduo, mas de todo os povos indígenas de Rondônia e do Brasil. O “índio do buraco” ficou conhecido ao redor do mundo a partir da década de 1990 por causa de sua resistência em aceitar contatos com a civilização dominante que teria dizimado seu povo. 

Suspeita 

O indigenista aposentado Marcelo Santos foi quem tentou contato com o “índio do buraco” pela primeira vez. Na época, ele trabalhava na Funai na Frente de Contatos com Índios Isolados. Hoje morando no estado de Goiás, Marcelo faz um questionamento acerca da atitude oficial da Funai. “Será que o presidente do órgão [quis] transferir o sepultamento para outro local e assim liberar a terra [demarcada como indígena] para os fazendeiros?”.

Situada entre grandes fazendas de gado, a terra indígena sofre muita pressão de pecuaristas e de políticos influentes, que tentam ocupá-la. Com a morte do indígena, fazendeiros já acionaram o governo federal alegando que não há mais sentido para a preservação e monitoramento da terra pela Funai. 

Enterro contou com funcionários da Funai – Foto: Reprodução/internet

FUNAI concorda com fazendeiros 

O presidente da Funai, Marcelo Xavier, manifestou-se sobre o pedido dos fazendeiros que alegam que a terra deve “voltar”. Pecuaristas argumentam que teriam recebido a área através de leilão público promovido pela União na década de 1970, antes da descoberta do homem solidário e a consequente portaria de restrição de uso da área, válida até 2025.

Em nota, a Funai declara que “a afetação da área ocorreu unicamente pela presença do índio isolado. Logo, a sua morte faz desaparecer o usufruto e a afetação da área, devendo a posse retornar para os particulares titulares da posse ou domínio”.

O MPF discorda do posicionamento da Funai. O procurador da República em Rondônia, Daniel Luís Dalberto, recomenda que o órgão trate de preservar a área em respeito à memória do “índio do buraco” e do povo Tanaru. A presença do indígena, diz o procurador, contribuiu para a manutenção da floresta amazônica. “A terra que é indígena não deixa de ser por conta da morte do ‘índio do buraco’. Ela permanece como terra da União e terra indígena”, esclarece Dalberto. 

Repercussão 

A morte do único habitante da Terra Indígena Tanaru causou repercussão em alguns dos principais jornais do mundo. O “New York Post”, dos Estados Unidos, por exemplo, noticiou com destaque: “Man of the hole: last known member of uncontacted amazon trib dies” (Homem do buraco: último membro conhecido da tribo isolada da Amazon morre).

Na BBC de Londres, foi dito que os ancestrais do indígena devem ter morrido no começo dos anos 1970 em assassinatos cometidos por donos de terras da região. Em 1995, diz o texto, seis dos últimos membros foram assassinados e foi assim que “o homem do buraco” se tornou o último da tribo. 

Sobre o autor

Às ordens em minhas redes sociais e no e-mail: julioolivar@hotmail.com . Todas às segundas-feiras no ar na Rádio CBN Amazônia às 13h20.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

Publicidade
Publicidade

Relacionadas:

Mais acessadas:

Eco-festival do Peixe-boi de Novo Airão: três décadas lutando pela preservação do peixe-boi

O Ecofestival do Peixe-Boi de Novo Airão foi declarado Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial do Estado do Amazonas. 

Leia também

Publicidade