Jovem retirante supera a seca e se destaca como comerciante em Vilhena

Por Júlio Olivar – julioolivar@hotmail.com

Em 1971, Pedro Juca de Oliveira, um cearense de 20 anos repleto de sonhos, chegou a Vilhena (sul de Rondônia). Ele narra que, até então, desconhecia a existência do lugar, que ainda era um distrito que só se tornaria cidade seis anos depois. “Após perder minha plantação para a seca implacável, parti do meu lar em busca de novas oportunidades”, e foi assim que apeou não vila de 300 habitantes trazendo uma mala e nenhum dinheiro.

“São Paulo foi minha primeira parada, mas as portas se fecharam para mim. Após apenas quatro horas em busca de emprego na capital paulista, decidi seguir adiante, crendo que em outra cidade poderia prosperar. Por um golpe do destino, acabei rumando para Campo Grande (MS), e lá, o nome de Vilhena numa placa da rodoviária chamou minha atenção. Com recursos apenas suficientes para essa viagem, iniciei minha nova vida.”

Pedrinho da Soraya há meio século: resiliência. Foto: Reprodução/Acervo pessoal

De constituição física franzina, Pedrinho, o mais velho de seis irmãos, encontrou em Vilhena seu primeiro trabalho, descascando milho numa fazenda. Posteriormente, atuou no Bar do Dito, que também funcionava como terminal rodoviário, onde suas responsabilidades incluíam desde limpar banheiros e servir clientes.

Economizando cada centavo por dois anos, Pedrinho começou a vender roupas de porta em porta. Sua persistência o levou, sete meses depois, a alugar um espaço comercial de 16m² que ele batizou como Loja Soraya. Sem equipe, era necessário fechar a loja para reabastecer o estoque. Um ano mais tarde, ele fez uma aposta corajosa e adquiriu um espaço próprio, pagando em 12 prestações. Sua tenacidade foi recompensada: a loja ganhou fama por comercializar objetos cobiçados como os rádios Motoradio, vitrolas Sonata, máquinas de costura, antenas, calçados e os jeans USTop.

Finalmente, Pedro encontrou o caminho se especializando em eletroeletrônicos, inaugurando seu prédio próprio que foi crescendo, até que em 1980 possuia 500 metros – o primeiro estabelecimento do segmento em Vilhena, com TVs, videocassetes e outros produtos considerados luxuosos.

“Vendi meu primeiro televisor em 1978, pouco depois do lançamento da TV Vilhena, que exibia uma programação combinada dos canais Globo e da Bandeirantes. O Jornal Nacional chegava com dois dias de atraso, e as novelas, com 15”, recorda o comerciante, cheio de nostalgia.

Loja Soraya vendeu o primeiro aparelho de TV em 1978. Foto: Reprodução/Acervo pessoal

Desde 1976, Pedro trouxe sua família do Ceará para Vilhena, onde todos encontraram formas de contribuir com a cidade. Seu irmão Raimundo foi um dos pioneiros em informática no município e também foi proprietário de uma das primeiras videolocadoras.

Aficionado por tecnologia e comunicação, Pedro também foi um dos pioneiros do radioamadorismo, sua loja foi a primeira a possuir um computador – “era um SP16 que adquiri para cadastrar os clientes, quando passamos a abrir crediários em 1981. Fomos a primeira loja a vender fiado, apostando numa população que era sazonal, todo mundo era migrante”, explica. Pedrinho também foi o primeiro a ter acesso à internet privada em Vilhena, em 1992.

Depois de tantos anos de atividade, Pedro ganhou ‘feeling’ suficiente para perceber que seu segmento estava ficando saturado. Muitas filiais de grandes varejistas de eletrodomésticos se instalaram na cidade. Era hora de mudar. Em 2001, ele inaugurou a loja Centro Musical Soraya, instalada em outro ponto, na avendia principal; hoje, está na avenida Capitão Castro. “Além do comércio de instrumentos musicais, fizemos parcerias com músicos, igrejas e até investimos numa escola de música para gerar demandas e fluxo. O negócio prosperou bastante nestes 23 anos que estamos no mercado, ainda somos a única loja que atua exclusivamente neste ramo em Vilhena e na região”, relata.

Para mudar de área, na época o empreendedor recorreu ao Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e fez um curso chamado Sebrae Ideal. “Foi o que me ajudou a achar uma saída quando fui pego de surpresa com a chegada das grandes redes”, revela.

Indagado sobre as chances de alguém ter sucesso no comércio atual sem ter um capital inicial, Pedro pondera com um “talvez”. Ele admite que os tempos são outros. “Atualmente, oscilações nas bolsas asiáticas repercutem até em Vilhena, o que não era o caso antes”, observa, ressaltando que seu maior crescimento veio durante a crise econômica nacional de 1981, na mesma fase em que Vilhena vivia o ápice do Ciclo da Madeira, com mais de 120 serrarias instaladas na cidade e uma das maiores ondas migratórias da história. Foi também o ano em que Pedro ajudou a fundar a ACIV (Associação Comercial e Industrial de Vilhena), da qual foi presidente em 1998.

Em 1999, o comerciante aderiu a um movimento ousado junto com 34 empresários liderados por Ilário Bodanese: foi um dos fundadores do Sicoob Credisul, uma das cooperativas de crédito mais influentes do Norte do Brasil, hoje com diversas filiais e dona de um um complexo universitário e de um hospital, em Vilhena, além de atuar em projetos socioeconômicos como o Festival Gastronômico Sicoob Sabores, que inclui dezenas de restaurantes, cafés, lanchonetes, contando com atrações culturais genuínas, como são as manifestações artísticas dos povos indígenas.

Pedrinho, hoje, em sua loja de equipamentos musicais: referência. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

Atualmente, Pedro também ajuda a formatar as políticas para os comerciários do país e do estado, pois faz parte da direção da CNC (Confederação Nacional do Comércio) e da Federação do Comércio de Rondônia (Fecomércio).

Pedrinho da Soraya, como todos os conhecem na cidade, é um autodidata que dominou a contabilidade e aprimorou seu inglês durante uma estadia nos Estados Unidos e avalia sua trajetória com gratidão e orgulho.

Hoje, ele olha para trás contemplando uma história de sucesso e uma família com três filhos formados: Sybeli é dentista; Núbia, fisioterapeuta; e Adonai, administrador. Aos 72 anos, Pedrinho é um entusiasta do ciclismo nas horas vagas, goza de ótima saúde, gosta de ouvir música clássica e dispõe de vários investimentos – que ele não faz questão de mencionar. “E pensar que fui um retirante…”, suspira em voz alta.

Valeu a pena apostar em Vilhena? Ele responde com firmeza: “Sinto-me como um atleta que, após um árduo percurso, finalmente recebe sua medalha. Se tivesse ficado em São Paulo, minha vida poderia ter sido muito diferente, talvez em alguma periferia da metrópole”.

Sobre o autor

Às ordens em minhas redes sociais e no e-mail: julioolivar@hotmail.com . Todas às segundas-feiras no ar na Rádio CBN Amazônia às 13h20.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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