Com forte presença de evangélicos entre indígenas, Bíblia nambiquara completa 30 anos

Há divergências entre ensinamentos cristãos e culturas ancestrais.

Há exatas três décadas foi lançada uma versão do Novo Testamento exclusiva para os indígenas nambiquaras [ou nambikwára, na grafia utilizada na publicação] que habitam o sul de Rondônia e norte do Mato Grosso. O trabalho foi desenvolvido por uma equipe contratada pela Liga Bíblica do Brasil, sediada em Niterói (RJ), e teve uma reedição em 2012.

A região do Cone Sul de Rondônia era tratada no início do século XX como “Nação Nambiquara”. O povo foi amplamente estudado por cientistas do relevo de Edgard Roquette-Pinto e Claude Lévi-Strauss, parte da história da ocupação da Amazônia Ocidental pelos desbravadores.

A princípio, os nambiquaras eram hostis e chegaram a flechar o coronel Cândido Rondon; foi quando ele cunhou sua frase mais célebre: “Morrer se for preciso; matar, nunca”. Em tempo: Rondon fazia oposição a evangelização de indígenas. Ele era adepto do Positivismo, corrente filosófica que defende a ciência em detrimento da gnose.

Além da Bíblia em formato clássico — com capa dura e preta — a Liga também lançou uma série de sete livretos voltados aos nambiquaras com o título “Sū3na2 Wãn3ta2 Ī3yau1ū3nēn3jau3su2” [Histórias Bíblicas do Antigo Testamento].

A publicações étnicas atraem os povos da floresta. Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

Atualmente, o povo nambiquara soma 3300 pessoas. Porém, outros grupos e subgrupos da mesma linhagem entendem a língua da família. A língua Sabanê — presente no município de Vilhena —, por exemplo, pertence ao tronco Nambiquara que contém mais de 15 línguas divididas em três grupos principais sendo eles Nambiquara do Norte, Nambiquara do Sul e o próprio Sabanê.

Entre os Sabanê, destaca-se no sul de Rondônia o líder evangélico Ataíde Sabanê. Durante as manifestações contrárias ao resultado das eleições deste ano, Ataíde esteve na BR-364, em Vilhena, e reuniu dezenas de pessoas — indígenas ou não — entorno de suas orações muito veementes clamando a Deus por uma intervenção militar no país. Posição que foi contestada, oficialmente, pelas lideranças da região, inclusive pelos próprios Sabanê.

A Bíblia étnica é a prova do enorme interesse das igrejas evangélicas de cooptar adeptos nas comunidades indígenas. Várias delas têm templos, principalmente na vertente neopentecostal, nos territórios dos povos ancestrais. Embora não haja estatísticas oficiais, os próprios indígenas ouvidos pela reportagem afirmam que a maioria deles segue a doutrina cristã.

Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

Antropólogos, indigenistas, ativistas, acadêmicos e algumas lideranças indígenas não aprovam as intervenções dos evangélicos que tendem a anular crenças e culturas. “Mas nem ligamos muito para isso [a presença das igrejas], continuamos com nossas tradições”, afirma um suruí de 25 anos de idade. “Tentaram [nos] impedir de fazer pinturas tribais, de fazer danças tradicionais e não deixarem as mulheres a usar shorts”, apontou o rapaz; houve resistências em relação a tais orientações.

Entretanto, há convertidos mais ortodoxos, que seguem à risca as diretrizes dos pastores e missionários não-índios. Existem, até, indígenas sacerdotes e que se distanciaram completamente dos costumes milenares de seus povos. O maior agrupamento de indígenas de Rondônia está na Terra Sete de Setembro, na região central do Estado. Lá vivem os suruís. Uma das comunidades deste território é a Aldeia Gamir Linha 14, onde vivem 211 moradores e há três igrejas evangélicas. 

Ainda não há a Bíblia exclusiva na língua original deles, o tupi-mondé. Mas alguns dias atrás ocorreu uma reunião na comunidade para resolverem isso; estão à procura de um tradutor para o Novo Testamento. As traduções são conduzidas por gramáticos especialistas [geralmente estrangeiros], com o suporte de teólogos e indígenas como revisores.

No Brasil são faladas pelo menos 181 línguas indígenas, das quais 41 já possuem o Novo Testamento ou a Bíblia completa.

Foto: Júlio Olivar/Acervo pessoal

Católicos

Hoje menos presente nas comunidades indígenas, a Igreja Católica já teve papel preponderante na catequese. No sul de Rondônia, terra dos Nambiquara, desde a década de 1930 havia padres missionários buscando contatos com os povos do cerrado e da floresta.

Muito antes disso, ainda no século XVII, jesuítas percorreram outras regiões do território onde é hoje o estado de Rondônia. Chegaram a fundar o povoado de Santo Antônio do Rio Madeira, extinto em 1945, próximo à atual capital, Porto Velho, sob a liderança do padre João Sampaio.

Na década de 1960, o ítalo-brasileiro Padre Ângelo Spadari — primeiro pároco de Vilhena e que conhecia o tupi — percorreu longas distâncias para contatar indígenas. Muitos foram batizados, crismados e receberam nomes comuns na cultura dominante cristã pela atuação de Spadari.

A Bíblia é traduzida também para diversas etnias, desde 1982, pela Associação Linguística Evangélica Missionária (ALEM), ligada à Igreja Católica.  

Sobre o autor

Às ordens em minhas redes sociais e no e-mail: julioolivar@hotmail.com . Todas às segundas-feiras no ar na Rádio CBN Amazônia às 13h20.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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