“O poeta é um diplomata entre o céu e o inferno”.
Jornalista de formação, o poeta e cronista gaúcho Fabrício Carpinejar completou 50 anos de idade no último dia 23. Meio século de superação e de muitas conquistas. Foi longa a caminhada desde o menino que, aos sete anos, sofreu bullying porque tinha problemas de dicção e usava botas ortopédicas; era tratado na escola como “retardado mental”. Tornou-se comunicador e cortejado autor que figura na plêiade dos mais lidos e premiados no país.
Apesar de ter poucos amigos na infância, Fabrício nasceu em lar poético que lhe valia o mundo. A admiração pelos pais o fez escritor. Seu sobrenome artístico, aliás, é a mistura dos deles. Ele é filho dos escritores Maria Carpi (Prêmio Jabuti de 1991), hoje com 83 anos, e de Carlos Nejar (membro da Academia Brasileira de Letras), 83, conhecido como “o poeta do pampa brasileiro”.
Aos 26, Fabrício publicou o primeiro livro. Ele contabiliza 50 obras publicadas, além de assinar colunas diárias em jornais, participar de programas de TV e manter vivas suas redes sociais — no Instagram tem 1,6 milhão e no Facebook, 1,5 mi de seguidores.
Casado e pai de dois filhos, morando em Belo Horizonte (MG), o poeta com tatuagens até na nuca, jeans e camiseta, é um pop. Costuma escrever à caneta em pequenos papéis soltos e reproduzir as imagens na internet, principalmente no Twitter, onde 845 mil adeptos o leem, ávidos.
Entrevistei-o em Vilhena (sul de Rondônia) — veja abaixo. Conversamos na sala de reuniões em um hotel, na tarde sossegada de terça-feira (25/10) — dois dias depois de seu aniversário. Com respostas na ponta da língua e gargalhadas altas e desconcertantes, Fabrício mostrou-se humilde, bem humorado e nada pedante a despeito da fama nacional: “Eu não consigo ver o meu tamanho”, definiu-se.
Depois da entrevista encerrada às 17h, saiu para caminhar sozinho, sem rumo e falando ao celular na avenida principal da cidade de 110 mil habitantes. Voltou da rua para o hotel, depois de 20 minutos, trazendo um copo com café. À noite, abriu o Fórum Municipal de Educação de Vilhena para um público de 1400 educadores e convidados, arrancando muitos aplausos e sorrisos com sua fala agradável e inspirada.
Júlio Olivar: Primeira vez em Rondônia?
– Fabrício Carpinejar: Segunda vez que venho ao estado.
Júlio Olivar: O que significa um poeta ser convidado para abrir um fórum educacional?
– Fabrício Carpinejar: Significa o quanto a poesia é formar para a sensibilidade.
Júlio Olivar: Qual o papel do poeta no século XXI?
– Fabrício Carpinejar: Mediar conflitos (risos).
Júlio Olivar: E há muitos conflitos a serem mediados?
– Fabrício Carpinejar: Desde os internos até os externos. O poeta é um diplomata entre o céu e o inferno.
Júlio Olivar: 50 anos de idade e 50 livros. Mais labor ou mais transpiração?
– Fabrício Carpinejar: Eu fiquei atrasado na infância, depois tive que correr atrás (gargalhada).
Júlio Olivar: Você foi vítima de bullying na infância. Isso tem a ver com o seu trabalho voltado à educação hoje em dia?
– Fabrício Carpinejar: É um reflexo. Eu acredito que todo professor sofreu bullying.
Júlio Olivar: Todo professor?
– Fabrício Carpinejar: Todo professor sofreu bullying na infância. E retorna para a sala de aula para resgatar crianças parecidas com ele.
Júlio Olivar: Interessante essa tese. É uma reflexão que vem de longe?
– Fabrício Carpinejar: Pode testar por aí. E verá que o professor é um salva-vidas. Ele tem a humildade da pedagogia e a empatia de tudo que sofreu na infância.
Júlio Olivar: E a poesia lhe salvou?
– Fabrício Carpinejar: A poesia vem me dando bençãos e carinhos. Porque a poesia me permite comunicar o que eu sofro, o que eu sinto, com licença poética.
Júlio Olivar: Seu estado natal, o Rio Grande do Sul, é pródigo em poetas. Desde os nativistas, os populares, [Mário] Quintana, Lupicínio [Rodrigues], [Humberto] Gessinguer, seus pais. E você se vê como um poeta gaúcho ou um poeta planetário?
– Fabrício Carpinejar: (Risos). Duvido que as raízes da minha aldeia não estejam fincadas em mim. Todo poeta tem um sotaque carregado.
Júlio Olivar: Você pretende que lugar na história? Ao lado do gaúcho Mário Quintana, do mineiro (Fabrício mora na capital de Minas) Carlos Drummond de Andrade…?
– Fabrício Carpinejar: Ao lado dos meus pais. Carlos Nejar e Maria Carpi. Já será um grande feito poder andar de mãos dadas com eles na história.
Júlio Olivar: Duas ocorrências marcantes em 2022 no universo literário brasileiro: os 100 anos da morte de Lima Barreto e os 100 anos da Semana de Arte Moderna. Tais episódios não têm merecido o devido destaque. O país não tem pensando muito sobre a sua própria cultura?
– Fabrício Carpinejar: Lima Barreto foi homenageado pela Flip [Feira Literária Internacional de Paraty] que é a alma de grande produções literárias contemporâneas. Ele tem sido cada vez mais homenageado, debatido. Lima Barreto vai, pouco a pouco, conquistando leitores contemporâneos. Mas, sim, temos uma dificuldade cultural. Não consagramos nossos escritores em vida. Precisamos de datas comemorativas ‘post mortem’ para revisar tudo o que eles fizeram. Eu gostaria que o país fosse menos coveiro e mais pontual.
Júlio Olivar: Aliás, toda a reverência que se presta a Lima Berreto é póstuma. Ele tentou três vezes, sem sucesso, ser membro da Academia Brasileira de Letras. E você se vê pleno? Recebeu o Prêmio Jabuti [o mais tradicional prêmio literário brasileiro], o APCA, da Academia Brasileira de Letras, Prêmio Açorianos de Literatura e muitos outros, além de ser patrono de incontáveis de feiras de livros. Portanto, você está devidamente homenageado em vida?
– Fabrício Carpinejar: Eu não consigo ver o meu tamanho. Eu sou só o trabalho. Eu acordo cedo e durmo tarde. Meu propósito é levar minha palavra para o mais longe possível. Eu gostaria de ter sido “abraçadeiro”, só que não existe essa profissão. Não existe essa universidade. O que eu faço bem é dar abraço.
Júlio Olivar: Você escreve todo dia?
– Fabrício Carpinejar: Todo dia. Hoje eu escrevi. Mas isso para mim não é sacrifício. Sacrifício será o dia em que eu não escrever nada. Abstinência é um sacrifício.
Júlio Olivar: Daqui a cinco dias será a eleição no País. O momento político lhe apetece, lhe provoca que sentimento?
– Fabrício Carpinejar: Não tem como ficar feliz na selvageria (gargalhada). Eu lamento tudo que vem acontecendo. Não será uma eleição que vai salvar o país. O que teremos a partir de domingo será um país dividido.
Júlio Olivar: Isso é péssimo. Inclusive, pouco inspirador, não é?
– Fabrício Carpinejar: O país continua divido. Passa eleição, vem eleição, e é meio a meio: a metade odiando a outra metade.
Sobre o autor
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