Foto: Reprodução/Acervo NGI Cautário-Guaporé
Por Júlio Olivar – julioolivar@hotmail.com
A recente Ação Civil Pública (ACP) proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), que busca a erradicação total dos búfalos selvagens da Reserva Biológica do Guaporé, em Rondônia, fronteira com a Bolívia, tem gerado intensos questionamentos sobre sua base científica e as implicações éticas da medida proposta. A ACP sustenta-se quase exclusivamente no estudo realizado por Lidiane França da Silva, em 2021, na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), levantando dúvidas sobre a abrangência e a solidez da análise apresentada.
Os búfalos chegaram à região na década de 1950, introduzidos na antiga Fazenda Pau D’Óleo, e hoje somam cerca de 5 mil indivíduos, chamados “Gigantes Gentis” devido à docilidade e à forma harmoniosa com que convivem com a natureza. A ACP propõe medidas drásticas, fala 28 vezes em “erradicação” – que é uma expressão leve para na verdade a matança – especula-se há anos que seria por vários meios, inclusive abate aéreo a tiros, alegando danos ambientais significativos, como compactação do solo, erosão e ameaça às espécies nativas.
Contudo, outros estudos, como os realizados por Eduardo Lage Bisaggio e técnicos do ICMBio, trazem abordagens mais moderadas. Esses trabalhos reconhecem que, após décadas, os búfalos se adaptaram ao ecossistema amazônico, recomendando estratégias de manejo sustentável e controle populacional, em vez da erradicação total sugerida pela ACP.
Outro ponto questionável na ACP é a estimativa, considerada exagerada por especialistas, de que a população de búfalos poderia alcançar rapidamente 50 mil indivíduos, (pulando de 5 mil em seis anos) caso medidas extremas não sejam tomadas imediatamente. Tal previsão não encontra respaldo sólido nos dados e em metodologias pertinentes, ampliando ainda mais as dúvidas sobre a urgência e necessidade das medidas extremas pedidas pelo MPF.
Em recente despacho judicial, o juiz responsável pela ACP destacou que o caso é “complexo” e determinou que o Instituto Chico Mendes (ICMBio) e o Estado de Rondônia se manifestem oficialmente antes de qualquer decisão judicial. Essa determinação abre um importante espaço para que diferentes perspectivas sejam apresentadas, enriquecendo o debate técnico-científico e ético sobre o tema.
Essas manifestações, tanto do ICMBio quanto do Estado de Rondônia, podem trazer novas informações, especialmente sobre alternativas sustentáveis já aplicadas em outras regiões amazônicas, que optaram pelo manejo populacional ao invés do extermínio total. Assim, torna-se evidente que uma visão ampliada do problema, baseada em múltiplas vozes científicas e éticas, será fundamental para evitar uma decisão apressada e potencialmente prejudicial.
Exemplo disso é o recente acordo firmado no Amapá, onde um pecuarista comprometeu-se a retirar 2 mil búfalos do leito assoreado do rio Araguari, sem que houvesse a necessidade de erradicação dos animais. Essa solução negociada demonstra que é possível conciliar a preservação ambiental com o manejo responsável dos búfalos, evitando medidas extremas e garantindo a sustentabilidade do ecossistema.
Nesse contexto, fica evidente a complexidade apontada pelo juiz responsável pela ação, que corretamente decidiu ouvir as partes diretamente envolvidas antes de avançar em qualquer decisão. A ampliação desse diálogo será crucial para uma solução ética, científica e equilibrada, que respeite tanto a vida dos “Gigantes Gentis” quanto a integridade ambiental da Amazônia.
Sobre o autor
Júlio Olivar é jornalista e escritor, mora em Rondônia, tem livros publicados nos campos da biografia, história e poesia. É membro da Academia Rondoniense de Letras. Apaixonado pela Amazônia e pela memória nacional.
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