A avenida principal da cidade tomada pela fumaça. Foto: Júlio Olivar
Por Júlio Olivar – julioolivar@hotmail.com
O calor sufocante de 37 graus na terça-feira, 3 de setembro, marca um dos piores momentos ambientais que Vilhena, no sul de Rondônia, já enfrentou. Sem uma gota de chuva há quase quatro meses, a cidade vive uma crise ambiental sem precedentes desde o fim do Ciclo da Madeira (1970-1990), uma época de descontrole ambiental e com desmatamento incentivado pelo governo.
A seca prolongada, combinada com queimadas criminosas, transforma o ar em algo quase irrespirável, trazendo danos incalculáveis não só para a saúde das pessoas e a economia local, mas também para a fauna, a flora e os rios. Vilhena, com seus cerca de 100 mil habitantes, conhecida como a “Cidade Clima” por suas temperaturas amenas, agora observa atônita um cenário alarmante de poluição, poeira, fuligem e calor.
Situada em um platô crucial para a humanidade, por fazer parte da Bacia Hidrográfica do Rio Amazonas, Vilhena abriga cerca de 200 nascentes vitais para a manutenção da biodiversidade. Rios como o Apediá, Machado, Barão de Melgaço e Roosevelt, que nascem próximos ao perímetro urbano, estão ameaçados pela destruição das matas e encostas, queimadas e a expansão imobiliária.
Essa região, uma transição entre os biomas Cerrado e Amazônico, deveria atrair investimentos globais para preservar sua biodiversidade e garantir créditos de carbono e outras compensações ambientais. No entanto, não há projetos em andamento que possam captar recursos do Fundo Amazônia, gerido pelo BNDES.
Vilhena, capital do agronegócio e referência na produção de soja, algodão e carne bovina, é um município rico, com o segundo maior IDH do estado. Com vinte cursos superiores, cidade-polo na área de saúde, indústria e comércio robustos, e uma arquitetura urbana ousada, Vilhena poderia ser um exemplo de políticas públicas ambientais. Mas que futuro tem uma cidade rica que não pensa em sua própria proteção ambiental? A água é um recurso finito e o ar que respiramos, essencial. No entanto, poucos discutem o assunto.
As queimadas atuais são apenas um agravante de uma questão ambiental que há tempos caminha sem estar no radar das preocupações oficiais; não está na ordem do dia e na agenda política. As ações para preservar as nascentes, tratar adequadamente os esgotos, fazer a coleta seletiva do lixo e despoluir o Rio Pires de Sá, que corta a zona urbana, são insignificantes. E as queimadas são apenas um item a mais.
Com cerca de 11 mil km², 32% do município de Vilhena compõem o Parque Aripuanã, onde vivem indígenas cinta-larga e nambiquara. A região enfrenta pressão constante de madeireiros, grileiros e garimpeiros, financiados até por capital estrangeiro. Esta área poderia ser uma moeda de troca para atrair recursos e manter a floresta e o cerrado em pé, elevando o nível de vida dos povos tradicionais e, de quebra, injetando milhões na economia local e nos projetos sociais.
A Região Amazônica, que deveria ser a mais poderosa do mundo pela sua essencialidade, é negligenciada. E ninguém da classe política se pronuncia adequadamente sobre as queimadas. Em Brasília, nem uma nota foi divulgada pelos representantes do estado acerca do quadro que afeta a todos. Quando o fazem nas redes sociais, baseiam-se em pressupostos ideológicos, culpam uns aos outros, sem eficácia no combate ao problema e sem previsão de punição dos envolvidos.
O direito à terra é fundamentado pelo interesse social. Conforme a Constituição de 1988, o Artigo 186 estabelece que a função social da propriedade rural é cumprida quando esta atende, simultaneamente, aos seguintes requisitos, de acordo com critérios e graus de exigência definidos por lei: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.
História sob ameaça
Nesta semana, a Casa de Rondon – um museu localizado a cinco quilômetros do centro e considerado o marco-zero da cidade – quase foi atingido pelo fogo. A intervenção rápida e eficiente dos bombeiros foi o que salvou este importante patrimônio histórico.
As imediações do museu ficam nos arrabaldes de diversos bairros populares e possuem lavouras de soja e algodão. Na mesma área estão o aeroporto, o Instituto Federal e a Base Aérea.
Sobre o autor
Júlio Olivar é jornalista e escritor, mora em Rondônia, tem livros publicados nos campos da biografia, história e poesia. É membro da Academia Rondoniense de Letras. Apaixonado pela Amazônia e pela memória nacional.
*O conteúdo é de responsabilidade do colunista