As pedras que viram obras de arte em Porto Velho

Aos 77 anos, Terezinha pinta desde os 14 e, recentemente, passou a utilizar pedras como suporte para suas pinturas feitas com tinta plástica e verniz. São muitas as paisagens típicas da Amazônia que a inspiram.

Terezinha de Jesus: simplicidade e poesia. Foto: Júlio Olivar

Por Júlio Olivar – julioolivar@hotmail.com

“No meio do caminho havia uma pedra” – versos imortalizados por Carlos Drummond de Andrade. As pedras que dona Terezinha de Jesus encontra pelo caminho, ela transforma em obras de arte no estilo naïf, uma expressão surgida na França no século XIX que significa “ingênuo”. Essa forma de arte é popular e não acadêmica.

Aos 77 anos, Terezinha pinta desde os 14 e, recentemente, passou a utilizar pedras como suporte para suas pinturas feitas com tinta plástica e verniz. São muitas as paisagens típicas da Amazônia que a inspiram.

Nascida às margens do Rio Solimões, no estado do Amazonas, Terezinha se considera porto-velhense de coração, pois vive na região desde a infância. Atualmente, ela expõe seus trabalhos na Casa de Cultura Ivan Marrocos.

“Foi no quintal desta casa que encontrei as pedras que foram as primeiras que pintei. Não tinha a intenção de comercializá-las como obras de arte; era apenas para decorar o jardim aqui mesmo. Mas os funcionários do espaço me incentivaram”, conta dona Terezinha.

Durante toda a vida, Terezinha foi cabeleireira e criou quatro filhos, enfrentando as adversidades. Filha de seringueiro, teve que trabalhar desde cedo. A pintura era seu hobby. “Muitas vezes tive que parar com tudo, pois já cheguei a sustentar muitas pessoas que dependiam de mim. Mas o pincel sempre ficava ali, no cantinho, pronto para ser usado. Agora, dedico-me exclusivamente à pintura”, revela.

Sobrinha de Afonso, o pioneiro

Terezinha é sobrinha de Afonso Ligório, um artista que faleceu há cerca de 45 anos. Embora seu nome não seja tão lembrado atualmente, ele é considerado um expoente das artes plásticas. A galeria da Casa de Cultura, onde Terezinha trabalha, leva seu nome.

Afonso foi um pintor muito requisitado, responsável por imagens sacras presentes até hoje na Catedral do Sagrado Coração de Jesus, em Porto Velho. Suas obras também estão nas paredes do tradicional Bar J. Lima. Além disso, ele era conceituado como santeiro. Uma de suas esculturas mais conhecidas é a de São Dom João Bosco, localizada em Ji-Paraná.

Dona Terezinha guarda com carinho as lembranças de seu tio. “Ele era um homem singular, desapegado de fama e dinheiro. Pintava por amor. Sempre usava seu chapéu e tocava qualquer instrumento musical de ouvido, tendo estudado apenas quatro anos. Além disso, tinha muitas outras habilidades artísticas. Por exemplo, adorava imitar pessoas, e fazia isso com mais perfeição do que os humoristas da TV”, orgulha-se.

Afonso faleceu aos 47 anos em 1980, vivendo com dificuldades financeiras. Muitas vezes, nem mesmo dispunha de um pincel adequado, utilizando capim e tinta de parede para suas pinturas. Sua obra-prima, intitulada “Ostentório”, faz parte da pinacoteca do Estado e está sob a responsabilidade da Casa de Cultura Ivan Marrocos.

Terezinha está a poucos passos dessa pintura deixada pelo tio. De segunda a sexta lá está ela, com suas pedras, telas e garrafas de vidro repletas de vida amazônica. “Ele era muito talentoso no que fazia, mas enfrentou muitas dificuldades. Foi vítima de câncer. Meu tio deixou seu legado nas artes, inclusive o meu prazer de pintar que ele me ensinou”, conclui.

Sobre o autor

Júlio Olivar é jornalista e escritor, mora em Rondônia, tem livros publicados nos campos da biografia, história e poesia. É membro da Academia Rondoniense de Letras. Apaixonado pela Amazônia e pela memória nacional.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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