A história de um artista viajante morto há 195 anos no Rio Guaporé

O jovem francês fez parte de uma das mais importantes expedições ao Brasil Profundo

No século 19 foram muitas as expedições às profundezas do Brasil desconhecido que contaram com estrangeiros. Alguns se tornaram célebres e imprescindíveis na historiografia nacional, a exemplo dos franceses Jean Baptista-Debret (1768/1848), Augustin de Saint-Hilaire (1779/1853), Aimé-Adrien Taunay (1803/1828), Hércules Florence (1804/1879); dos alemães Johann Moritz Rugendas (1802/1858), Johann Baptist von Spix (1781/1826), Carl Friedrich Philipp von Martius (1794/1868) e Franz Keller-Leuzinger (1835/1890); do austríaco Thomar Ender (1793/1875); do inglês Charles Landseer (1799/1879)…

A Expedição Langsdoff ocorreu de 1824 a 1829, inicialmente com 39 homens que cruzaram nove estados. Ao Mato Grosso os homens chegaram em 1827, sob a chefia do etnógrafo, médico e barão alemão (naturalizado russo) Georg Heinrich von Langsdorff (1774/1852), que já havia passado pelo Brasil em 1803 e retornado em 1813, quando foi nomeado cônsul da Rússia na Corte de Dom João VI. A expedição foi subsidiada à custa do empenho pessoal do czar Alexandre I, cujo governo desembolsou 330 mil rubros alegando interesses da comunidade científica nos estudos sobre a fauna, a flora e os indígenas feitos sob a encomenda da Academia Real de Ciências de São Petesburgo.

Aimé-Adrien em pintura feita pelo seu pai, Nicolas-Antoine Taunay – Foto: Reprodução/internet

Em Cuiabá (MT) a expedição dividiu-se. Langsdorff seguiu pelo Rio Arinos, enquanto que o grupo em que estava Aimé-Adrien Taunay foi parar em Manaus e, a partir de lá, navegou os rios Amazonas, Madeira e Guaporé – atravessando o território onde fica hoje Rondônia. Foi durante essa viagem, já novamente no Mato Grosso, que Aimé-Adrien morreu afogado no Guaporé, aos 25 anos de idade, quando tentava atravessar a nado o rio na fronteira do Brasil com a Bolívia. Não se sabe ao certo onde ele pereceu. Foi em Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), o que é vago, já que o município atingia mais de 1000 km de extensão. Seu corpo foi achado na madrugada seguinte, 8 de janeiro de 1828.

“Eu tinha muitos e muitos motivos justos para estar descontente com o comportamento do falecido. Taunay tinha muitos talentos natos: era um verdadeiro artista, um gênios em todos os sentidos; tinha imaginação aguçada, talento para a música, mecânica, pintura, mas, ao mesmo tempo, era de uma imprudência e audácia sem limites”, anotou o barão Langsdorff em seu diário em 2 de fevereiro de 1828, quando soube da morte do rapaz.

Adrien, como era conhecido, entrou no grupo em 1825, depois que Rugendas e o chefe da expedição por pouco não se agrediram fisicamente, no ano anterior. A obra de Taunay ficou incólume e perdida, só restando algumas aquarelas na coleção Castro Maya, no Rio de Janeiro. Em 1930, mais de 100 anos passados se sua morte, foi encontrado um rico acerco em São Petersburgo da Expedição Langsdorff constando de dezenas de trabalhos do jovem. Com isso, ele passou a ser estudado e visto “como autor das melhores observações imediatas sobre os indígenas brasileiros no início do século XIX”, conforme o colecionador de artes Pedro Corrêa do Lado, autor do livro “Taunay e o Brasil” (2009), que reúne a obra completa da família.

Vários membros da família Taunay atuaram em solo brasileiro. O tio de Aimé-Adrien foi o escultor August-Marie e o pai, o barão Nicolas-Antoine (1755/1830), um pintor renomado, ambos membros da Missão Artística Francesa que chegou ao Brasil em 1816 trazendo Adrien, então com 13 anos – era o caçula de cinco irmãos. O patriarca Nicolas apresentou a arte neoclássica (rompendo com o barroco então vigente) e o sistema de ensino que muito influenciaram a identidade brasileira. Nicolas foi, ainda, o responsável por pinturas extraordinárias de paisagens cariocas que são parte da iconografia; além das artes plásticas, seus filhos se envolveram com a literatura e a diplomacia no Brasil.

As gravuras foram uma ferramenta fundamental no tempo em que a fotografia estava sendo aprimorada – o invento ocorreu em 1826, dois anos antes da morte da Adrien, mas ainda demorou muito para ser disseminado. De modo que os ilustradores tiveram um papel utilitário para além de qualquer questão conceitual no campo estético.

Os trabalhos neoclássicos apresentavam alguma dose de alegoria. Entretanto, mesmo que não se falasse ainda em realismo, as aquarelas de Adrien se aproximaram dessa vertente da arte, diferentemente das obras do seu pai. O filho historiou a cultura (folclore, danças, folguedos, religiosidade, música…), vida cotidiana (aldeamentos indígenas, uso da mão de obra escravizada, vestimentas, agricultura…), paisagens, fauna, flora, monumentos, casario, tipos humanos… temas que mereceram descrições assertivas e reveladoras de como era o Brasil no início do século 19. Na época, a colônia mudou consideravelmente com a vinda da Família Real Portuguesa que se instalou na sede do reino no Rio de Janeiro, a partir de 1808, e a independência do Brasil de Portugal em 1822.

Boa parte dos trabalhos está disponível nas pinacotecas físicas e virtuais. Como nunca na história, hoje em dia é possível “consumir” arte. Mãos à obra e olhos atentos! Conheça cada um dos artistas aqui citados, e outros mais; o poder das artes plásticas, no caso, é fortificado à medida em que elas ganharam contornos históricos e iconográficos; os autores são tão emblemáticos quanto suas próprias criações, ou seja, é importante conhecer suas biografias permeadas pelo pioneirismo e a coragem que tiveram de se embrenharem nos confins do mundo. Tornaram-se lendas. 

Sobre o autor

Às ordens em minhas redes sociais e no e-mail: julioolivar@hotmail.com . Todas às segundas-feiras no ar na Rádio CBN Amazônia às 13h20.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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