Com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão, Maria Nazaré gravou mais de 400 histórias de vida para o Museu de Gente.
A professora Maria de Nazaré Figueiredo da Silva é uma paraense nascida em 1949 na cidade de Chaves, na Ilha de Marajó (PA). Mas sua história está intimamente ligada à de Rondônia, como educadora, ativista da cultura e memorialista que desenvolveu papéis fundamentais na construção da identidade local.
Depois de uma temporada vivendo em Belém, para onde foi estudar e formou-se no magistério no Instituto Estadual de Educação do Pará, também se casou, em 1968, com Miguel, a educadora mudou-se para Porto Velho em 1972, passou a lecionar língua portuguesa na Escola Murilo Braga – de onde também foi diretora; exerceu também essa função na Escola Araújo Lima.
Por volta de 1974, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul desenvolveu um projeto de formação em Rondônia. Nazaré aproveitou e cursou Letras; depois, fez faculdade de Pedagogia pela Universidade do Pará, que também manteve a extensão em Porto Velho.
Além da sua atuação exemplar na educação, Nazaré ajudou na fundação do Arraial Flor do Maracujá – maior evento folclórico do estado. “Desde antes do Flor do Maracujá, que começou em 1982, fazíamos os arraiais e festas do folclore, os bois-bumbás, as quadrilhas, nas escolas Barão de Solimões, Carmela Dutra e Rio Branco. Sempre apreciei o folclore e depois começou o Arraial Flor do Maracujá incorporado oficialmente à cultura rondoniense há 41 anos”, conta.
Dona Maria Nazaré articulou e coordenou diversos projetos voltados a bibliotecas e à museologia, ministrando cursos e oficinas patrocinadas pelo Ibram (Instituto Brasileiro de Museus) e pela Biblioteca Nacional. Garantiu a doação de milhares de exemplares de livros, além de móveis e kits multimídias para bibliotecas do Estado, que ela pleiteava das instâncias de governo para ampliar a rede bibliotecária estadual.
Com um detalhe: apesar do cabedal, disciplina, assertividade, empreendedorismo e honestidade que sempre a caracterizaram, a dama da memória, da educação e da cultura nem sempre ocupou posições de destaque na gestão pública, trabalhando com muito esforço e movida a idealismo e boa vontade. O reconhecimento veio de seus alunos, de colegas de trabalho e de parte da sociedade que admiram a professora e consideram-na uma personalidade notável e incontestável; dama a serviço das áreas mais importantes (ou deveriam ser) da administração pública: educação e cultura.
Museu da gente
Foi um trabalho grandioso e hercúleo da professora que, sozinha, fez mais do que muitas instituições que servem de cabide de emprego, sem a efetividade que a sociedade espera e merece.
As entrevistas foram feitas pela própria professora destacando as biografias e as vivências de cada pessoa abordada. O objetivo era que as narrativas fossem feitas pelo prisma das personagens, na primeira pessoa, sem influências de terceiros na recomposição histórica. O material coletado foi disponibilizado em mídias físicas (DVDs) e no canal criado por ela no YouTube. Parte do conteúdo foi entregue aos acervos do Memorial Rondon e do Museu da Memória de Rondônia. A princípio, a ideia era de que as gravações ficassem à disposição da Setur (Superintendência Estadual de Turismo) que, no entanto, dispensou os trabalhos de Maria Nazaré, em 2019, por considerar que a questão da memória não seria importante e nada teria a ver com a ratificação da identidade rondoniense, que é o bem imaterial mais importante para se falar em cultura e turismo. O Museu de Gente era um espaço virtual que não custava quase nada ao poder público, mas valia muito.
Extremamente ética e correta, Nazaré custeou parte da ação quando da desistência do Estado em subsidiá-la. “Eu tinha o compromisso com as pessoas que entrevistei. Então, produzi muitos DVDs por minha conta, até conseguir encerrar todo o trabalho proposto”, informa.
A história oficial, como se sabe, é o resumo das histórias dos “vitoriosos” em detrimento das vivências das pessoas comuns. Dona Nazaré fez o caminho inverso, mas não excluiu ninguém. Entrevistou, sim, de ex-governadores – aliás, ela é a única que detém imagens e falas de personagens ilustres da velha guarda da política – mas não se esqueceu dos operários, agricultores, professores, artistas, comerciantes, populações indígenas, ribeirinhas, quilombolas, enfim, os anônimos.
As imagens captadas são amadoras, é verdade. Sem uma estrutura adequada para suas entrevistas, Maria Nazaré preferiu priorizar os registros imediatos – muitas pessoas eram idosas e não podia esperar, algumas faleceram logo após deporem. Não havia tempo para aguardar por condições mais adequadas para sair a campo. O Estado, de uma forma geral, costuma ser vagaroso pela burocracia e a incompetência que sempre o permeiam. Ao contrário da exemplar servidora que, aos 74 anos, continua ativa e iluminada.
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