Ao menos duas mil pessoas foram às ruas na Venezuela, nesta segunda-feira (23), para exigir a antecipação das eleições como caminho para tirar o presidente Nicolás Maduro do poder e resolver a grave crise política e econômica do país.
Agentes da Polícia Civil e Militar impediram a multidão de avançar até a sede do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), em Caracas. Na capital, as manifestações transcorreram sem incidentes graves, enquanto pequenos distúrbios foram registrados em outros pontos do país.
“Viemos exigir o direito que os venezuelanos têm de votar. É a única maneira de mudar isso”, declarou o presidente do Parlamento, Julio Borges, ao entregar uma carta com esse pedido a Luis Emilio Rondón, único dos cinco reitores do CNE alinhado com a oposição.
Rondón compareceu à marcha na avenida Libertador, ponto onde a multidão foi contida pela polícia. Ele prometeu encaminhar a solicitação, afirmando que a crise é “impossível de ser escondida” e “as instituições têm de responder”.Milhares de chavistas marcharam do centro de Caracas até o Panteão Nacional, em “defesa da revolução”. Com a faixa presidencial no peito, Maduro compareceu ao local para homenagear o dirigente político Fabricio Ojeda, assassinado em 1966 pela “oligarquia” e considerado um “mártir” pelo chavismo.
“O povo está na rua apoiando o presidente. Não vamos permitir que acabem com nossa revolução, que nos dá tantos benefícios sociais”, defendeu Pedro Camargo.
A tensão entre o governo e a Mesa da Unidade Democrática (MUD), frente de oposição, voltou a subir nas últimas semanas. Um grupo de opositores, entre eles um suplente de deputado, foi detido pelo recém-criado “comando antigolpe”, liderado pelo vice-presidente Tareck El Aissami, um chavista radical.
As manifestações contra e a favor de Maduro ocorrerm em data simbólica. É em 23 de janeiro que se comemora a queda da ditadura militar de Marcos Pérez Jiménez.
Essa é a primeira marcha organizada pela MUD, desde que o CNE suspendeu em outubro passado o processo sobre o referendo revogatório contra Maduro e a oposição iniciou um diálogo com o governo. Essa tentativa de diálogo desativou os protestos provisoriamente.
“Vim porque quero eleições. É a melhor forma de sair um governo que nos faz tão mal”, disse à AFP Dora Valero, uma enfermeira aposentada de 63 anos, que segurava um cartaz com a frase “Eleições já”, na concentração no leste de Caracas.
O CNE havia adiado para 2017 as eleições regionais, as quais deveriam ter sido realizadas em dezembro passado.”Neste momento, não há qualquer garantia de eleições no país. E não há democracia sem votos”, ressaltou o ex-candidato presidencial pela oposição Henrique Capriles, anunciando que os próximos protestos serão “surpresa”.
Segundo pesquisas de institutos privados, oito em cada dez venezuelanos reprovam o governo, cansados da severa escassez de alimentos e de remédios e de uma inflação que chegou a 475% no ano passado – segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) – e que deve pular para 1.660% em 2017.Na contramão dessas previsões, o governo prometeu que este será um ano de “recuperação”. Para isso, em parte, trocou o presidente do Banco Central no domingo.
“O governo teme que uma reação em cadeia das ruas, pela terrível situação econômica, possa criar uma tempestade perfeita que saia do controle”, disse o analista Diego Moya-Ocampos, do IHS Markit Country Risk, de Londres.
Dividida entre o diálogo e a estratégia para tirar Maduro do poder, a oposição congelou as negociações, em 6 de dezembro passado. A alegação é que o governo descumpriu acordos já feitos, entre eles a definição do cronograma eleitoral.
Os dois lados se acusam de descumprir a palavra empenhada ao papa Francisco. No fim de semana, nos esforços para descongelar o processo, delegados do Vaticano e da Unasul propuseram um mecanismo para verificar o cumprimento dos acordos.
A oposição respondeu que estudará a proposta, mas garante que não abrirá mão de eleições. “O povo vai continuar na rua até conseguir o voto”, garantiu Julio Borges, durante a manifestação.