O histórico acordo de paz, que pode colocar um fim a meio século de guerra entre o governo e o maior grupo guerrilheiro da Colômbia, será submetido hoje (2) a um plebiscito. Para que ele possa ser implementado, terá que ser aprovado por no mínimo 4,5 milhões de colombianos (13% dos quase 35 milhões de eleitores).
O acordo de 297 páginas é fruto de quatro anos de difíceis negociações, entre o presidente Juan Manuel Santos e o líder dos 7 mil guerrilheiros das Forcas Armadas Revolucionarias da Colômbia (Farc), Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como Timochenko. Em 52 anos de conflito armado, que envolveu também os cartéis de narcotráfico e os grupos paramilitares contratados por eles, 220 mil pessoas morreram – a maioria civis. Mais de cinco milhões abandonaram suas casas, para fugir da violência.
“Meus pais, que hoje tem mais de 80 anos, viveram o conflito desde o início”, disse à Agência Brasil, a enfermeira Laura Ocampo, que se mudou para a Argentina. “No começo, as pessoas apoiavam as Farc porque elas defendiam a reforma agrária. Mas depois a guerrilha começou a recrutar a forca os adolescentes que viviam em povoados rurais. E muitas famílias, como a minha, escaparam para as grandes cidades para proteger seus filhos”.
O conflito começou nos anos 1960, quando os partidos Liberal e Conservador pegaram em armas para resolver suas diferenças. Os camponeses, vítimas da violência formaram as Farc – a guerrilha mais antiga da América Latina, inspirada na revolução cubana, que lutava pela reforma agrária e uma economia socialista.
Apesar de não ter alcançado seu objetivo, as Farc cresceram, chegando a ter 20 mil homens armados. A guerrilha marxista sobreviveu ao fim da guerra fria e aos enfrentamentos – tanto com o exército, como com os paramilitares, pagos pelos narcotraficantes para proteger suas terras e seus negócios. Com a queda do comunismo e a dissolução da União Soviética, as Farc passaram a depender da fabricação e venda de cocaína para financiar suas atividades.
“O número cada vez maior de vítimas civis da violência fez com que a guerrilha perdesse a simpatia, mesmo daqueles que um dia acreditaram no seu projeto de um país menos desigual¨, disse Laura. Ainda assim, as recentes pesquisas de opinião apontam que a maioria dos colombianos defende o acordo de paz – mesmo sabendo que vai ser difícil implementá-lo. “Estamos todos cansados desta guerra, que nenhum dos dois lados ganhou: só houve perdedores, as milhares de vítimas civis da violência”.
Mas a fisioterapeuta colombiana Mari Laudano, que também se mudou para Buenos Aires, diz que a família dela votara contra o acordo. “A violência não vai acabar porque as Farc vão acabar entregando suas armas. Existem outros grupos guerrilheiros, e eles não têm o menor interesse em acabar com a produção de cocaína”, disse. “Quem vai dar emprego aos guerrilheiros que descerem das montanhas para as cidades e que não tem formação profissional? Vão virar criminosos comuns”, completou.
Esta é a posição do ex-presidente Álvaro Uribe, cujo pai foi morto pela guerrilha e que, no seu governo, declarou guerra às Farc e ao narcotráfico. O atual presidente, Santos, foi ministro da Defesa de Uribe. Mas hoje o ex-presidente lidera a campanha do “não” ao acordo negociado por seu sucessor. “A única coisa que faz é promover a impunidade do maior cartel de drogas, que se chama Farc”, afirmou Uribe.
Segundo o ex-presidente, a única opção para a paz seria derrotar a guerrilha militarmente. Mas seu governo foi duramente criticado, quando estourou o escândalo dos “falsos positivos”: as Forcas Armadas matou cerca de 3 mil civis, entre 2002 e 2008, dizendo que eram guerrilheiros, para mostrar sucesso no combate às Farc.
Acordo
Não é a primeira vez que um presidente colombiano tenta negociar com as Farc. Andrés Pastrana tentou, a partir de 1999, só para ver o acordo fracassar em 2002. Mas desta vez a guerrilha tem um terço dos homens que tinha no seu auge e a guerra declarada por Uribe ao narcotráfico afetou a sua principal fonte de financiamento.
O atual acordo prevê que os 7 mil guerrilheiros que restaram entreguem as armas num prazo de seis meses e que sejam incorporados à vida civil, com direito a formar seu próprio partido politico e disputar eleições. Haverá uma anistia, mas não para aqueles que cometeram crimes contra a humanidade – não importa de que lado estão. O documento também prevê uma reforma agrária e o compromisso de erradicar os cultivos de drogas ilegais, que tem sustentado as Farc.
As vítimas civis também foram ouvidas durante as negociações, que ocorreram em Cuba. Muitos acham que não foram devidamente compensados pelos anos de sofrimento e que os responsáveis pela violência deveriam pagar um preço mais alto pelo que fizeram. Santos admitiu que o acordo não promove a justiça que muitos esperavam receber, mas disse que prefere um “acordo de paz imperfeito” a “uma guerra perfeita”, como defende Uribe.
Apesar de não ser obrigatório, o plebiscito foi convocado por Santos para legitimar as negociações – que para Santos estão concluídas e não serão revistas. O resultado da votação e vinculante. Se a maioria aprovar o Congresso pode começar a implementar o acordo. Caso os eleitores forem contra, não haverá outra rodada – pelo menos não nesse governo.
ELN
As Farc não são a única guerrilha na Colômbia. O Exército de Liberação Nacional (ELN) – o segundo maior grupo guerrilheiro no país – declarou um cessar fogo unilateral, nas áreas que controla, para que o plebiscito possa ser realizado. Mais de 300 mil militares e policiais foram mobilizados para garantir a segurança da votação neste domingo, que será presenciada por observadores das Nações Unidas e da Organização de Estados Americanos (OEA).
O ELN já manteve contatos com o governo para negociar um acordo de paz. Santos disse que as negociações continuarão tão logo a guerrilha libere os sequestrados em seu poder.