Primeiro banco ativo de germoplasma de peixes no Brasil é criado em Tocantins

O cientista afirma que a ideia é aproveitar a biodiversidade brasileira de peixes para que o País não dependa de espécies importadas.

O primeiro Banco Ativo de Germoplasma (BAG) de peixes nativos do Brasil, direcionado especificamente para dar suporte à aquicultura, foi criado pela Embrapa Pesca e Aquicultura, em Palmas (TO) e já está em funcionamento. O plantel é formado por centenas de peixes vivos, além de um banco genético conservado em nitrogênio líquido e ultrafreezers a 80 graus negativos.

“O BAG” inicia suas atividades conservando principalmente três espécies estratégicas para o setor aquícola: o tambaqui (Colossoma macropomum), o pirarucu (Arapaima gigas) e a caranha (Piaractus brachypomus), as quais serão mantidas in situ (vivas) e ex situ (por meio de material genético – sêmen criopreservado),” destaca o pesquisador da Embrapa Luiz Eduardo Lima de Freitas, coordenador do projeto.

Ele conta que o objetivo do BAG é apoiar a realização de pesquisas e desenvolvimento de tecnologias e inovações para a aquicultura nacional, além de iniciar a implantação de um banco de germoplasma para conservação das espécies nativas da região amazônica.

 As novas instalações ocupam uma área aproximada de três hectares com 32 tanques escavados: 27 destinados à manutenção dos peixes, um para abastecimento dos viveiros, dois para recepção quarentenária dos animais e duas unidades de tratamento de efluentes.

O chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Pesca e Aquicultura, o pesquisador Eric Arthur Bastos Routledge, explica que o BAG possui diversas funções no apoio à pesquisa. “Ele vai funcionar como um ‘backup’ para o qual poderemos recorrer em caso de problema ou, eventualmente, no futuro, trocar material genético com outras instituições para trabalhos de pesquisa. O banco de germoplasma ainda poderá servir para o estabelecimento de parcerias com produtores, a fim de que eles possam melhorar a diversidade genética de seus plantéis”, planeja, acrescentando que essa é uma perspectiva de longo prazo para o uso da coleção.

Os pesquisadores planejam utilizar o material do BAG em programas de melhoramento genético e desenvolver diferentes trabalhos na área de genética e reprodução, como o estabelecimento e melhorias nos protocolos de criopreservação, com os quais serão testadas, por exemplo, diferentes substâncias para melhor conservação do sêmen.

Estratégico e valioso

Em boa parte do mundo, o banco de germoplasma é tratado como uma questão de segurança nacional. A conservação da biodiversidade é considerada estratégica em muitos países para garantir a segurança alimentar da população e para manter a diversidade das espécies.

O material genético de peixes soma-se aos bancos de germoplasma já mantidos pela Embrapa que preservam materiais capazes de originar seres vivos. “É uma decisão estratégica porque o peixe é uma das principais fontes de proteína animal no mundo, é a base alimentar para a maioria da população da Região Norte, que consome dez vezes mais do que nas outras regiões do País”, comenta o pesquisador da Embrapa Eduardo Sousa Varela, um dos responsáveis pelo BAG.

O cientista afirma que a ideia é aproveitar a biodiversidade brasileira de peixes para que o País não dependa de espécies importadas. “A Embrapa possui o maior banco genético da América do Sul e há muito tempo já havia a necessidade de incorporar o peixe no portfólio de conservação da Empresa”, afirma ele, acrescentando que até então só havia iniciativas pontuais de conservação de peixes nas unidades da Embrapa Tabuleiros Costeiros (SE), Embrapa Pantanal (MS) e Embrapa Amazônia Ocidental (AM).

Qualificação de germoplasma pode beneficiar mercado

Diferentemente do mercado de sêmen bovino, que movimenta milhões de reais por ano, o Brasil ainda não comercializa material genético de peixes nativos – a produção de peixes baseia-se basicamente na coleta de alevinos produzidos naturalmente. Segundo Routledge, isso causa transtornos para a piscicultura nacional. “Por se tratar de animais muito pequenos, não é possível saber, com certeza, a espécie do peixe. O piscicultor encomenda alevinos de tambaqui puro, por exemplo, mas não dá para saber se é mesmo puro ou misturado com pirapitinga. Só com o tempo, ele conseguirá distinguir pela aparência do peixe. O mercado ainda está se profissionalizando nessa área, porque ninguém faz essa qualificação de germoplasma”, comenta.

Um dos resultados da qualificação do material genético é a garantida de identificação da espécie. É como se fosse um atestado de origem com base na análise genética. “Para o leigo é tudo sardinha e tilápia, mas do ponto de vista técnico e zootécnico é diferente: há várias espécies de sardinha e de tilápia, por exemplo. Na hora em que se está introduzindo um peixe achando que é puro, utilizando um tambaqui macho e um tambaqui fêmea, é produzido um alevino que não se tem certeza de que os pais são de tambaquis puros”, explica Routledge.

Na prática, detalha o cientista, o produtor de alevinos pode vender gato por lebre sem nem saber. Assim, o ideal seria o produtor ter a certeza de que o peixe é filho de pais certificados daquela espécie, qualificados e reconhecidos como tal. É o famoso pedigree do animal.

Enquanto isso, o empirismo prevalece na piscicultura, sobretudo com os peixes redondos. “O mercado ainda não exige um certificado de pureza, tal como acontece quando alguém vai comprar um cachorro de raça. O setor ainda precisa avançar nesse sentido”, declara. As tecnologias desenvolvidas pela pesquisa, coordenadas pelo Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF), estão ajudando a mudar esse quadro.

Cenário diferente acontece na produção de salmão, que é das espécies mais comercializadas do mundo e com mercado mais amadurecido. Com aquela espécie é possível encontrar alevinos não apenas com pedigree, mas melhorados geneticamente, com resistência a doenças e engorda rápida. No entanto, no Brasil a realidade ainda está longe disso. “Costumo dizer que nossos produtores fazem milagre, porque eles não têm material qualificado e estão produzindo, engordando e vendendo um peixe praticamente selvagem. Imagine quando eles tiverem um material qualificado e melhorado? Imagine um tambaqui, por exemplo, resistente ao acantocéfalo que a gente não tem aqui, mas pode vir a ter”, prevê o cientista.

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