Tecnologias sociais na Amazônia: união dos conhecimentos científico e popular

As tecnologias sociais, métodos e técnicas que unem o conhecimento acadêmico e o das comunidades tradicionais, têm servido como alternativa para efetivar o crescimento econômico ambientalmente sustentável.

A união dos conhecimentos científico e popular tem sido uma aliada ao desenvolvimento sustentável na Amazônia. Essa junção de forças é mais conhecida como tecnologia social e vem ganhando o apoio do Parlamento, do Executivo e das entidades da sociedade civil. 

A Amazônia já viveu o ciclo da borracha, no século 19, foi alvo de explorações minerais, sobretudo no século 20, e tenta resistir aos avanços do agronegócio, em pleno século 21. Dona da maior floresta tropical e da maior bacia hidrográfica do mundo, a região convive hoje com o desafio diário de conciliar a preservação ambiental, o espaço de cerca de 300 etnias indígenas e o desenvolvimento regional. 

Recentemente, as chamadas tecnologias sociais, métodos e técnicas que unem o conhecimento acadêmico e o das comunidades tradicionais, têm servido como alternativa para efetivar o crescimento econômico ambientalmente sustentável.

Funciona assim: o cientista se despe de qualquer soberba intelectual e permite que seu conhecimento interaja com o saber acumulado por gerações ancestrais de indígenas, quilombolas e gente do povo em geral. Essa união de saberes gera um método, uma técnica ou uma ação que pode ser reaplicada em outras comunidades, em prol do bem comum, sem preocupações com patente tecnológica ou propriedade intelectual.

Foto: Divulgação/FAS

Denise Gutierrez, coordenadora de tecnologias sociais do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), explica como costuma nascer essa troca de conhecimentos entre o cientista e o cidadão que vive o dia a dia de sua comunidade: “Você [cientista/pesquisador] vai coletar no campo e encontra as pessoas que moram lá, vai identificar as necessidades e ver o que é prioritário para elas. As primeiras experiências para o desenvolvimento da tecnologia social já são esse corpo a corpo. As pesquisas têm assumido, cada vez mais, o formato de adoção de metodologias participativas”.

Para garantir a eficácia da tecnologia social, Denise afirma que ao longo estudo acadêmico, fundamentado em teorias e em testes laboratoriais, deve manter respeito absoluto ao conhecimento popular.

“Uma coisa é você pegar a informação, colocá-la debaixo do braço e ir trabalhar no seu escritório. Outra coisa é você pegar essa informação: ‘opa, encontrei um dado interessante que é do interesse desse mesmo cara que me ajudou a coletá-la’. Então, eu volto lá, faço uma reunião comunitária, peço para os próprios comunitários trazerem outros parceiros lá do entorno e faço uma devolutiva de dados”, 

explica Denise.

Em todo o Brasil, essa interação de conhecimentos acadêmico e popular produziu tecnologias sociais com foco na geração de renda, no resgate da cidadania, na proteção ambiental, na educação, na saúde, enfim, em várias áreas. 

Só para se ter uma ideia, um exemplo clássico de tecnologia social é o do soro caseiro: ninguém sabe, ao certo, quem inventou a milagrosa combinação de água, açúcar e uma pitadinha de sal que salva a vida de milhares de crianças desnutridas Brasil afora. Pode ter sido um PhD, doutor em ciências complexas, ou uma simples vovó, zelosa nos cuidados de seus filhos e netos. Não importa a autoria, mas a eficácia.

Foto: Divulgação/Fundação Banco do Brasil

A região Amazônica é palco de experiências como a criação de peixes em igarapés, a produção agroflorestal de mel e cacau, o aproveitamento farmacêutico de plantas nativas, a inclusão digital de comunidades indígenas e a reciclagem de vidas e de resíduos sólidos por meio dos projetos de reinserção social dos catadores de lixo, entre outras atividades.

Na ‘Amazônia Legal’, que abrange nove Estados e onde vivem 26 milhões de pessoas, o pleno respeito à exuberância da natureza é a precondição básica para o desenvolvimento dessas ações, como conta o diretor da Associação para a Conservação da Vida Silvestre (WCS-Brasil), Carlos Durigan.

“É aquela ideia básica de que conservar não é só preservar, mas conservar utilizando a natureza. Tem que se buscar potencializar as oportunidades latentes no uso que as comunidades fazem da biodiversidade. Comunidades indígenas, não indígenas: existe um conhecimento tradicional acumulado que é pouco explorado em projetos de desenvolvimento. Só que este cenário está mudando. E que seja possível a gente desenvolver a Amazônia de uma forma diferenciada”.

Carlos Durigan

O Fundo Amazônia, administrado pelo BNDES e originado de uma lei (Lei 11.828/08) aprovada no Congresso em 2008, já direciona parte de seus recursos para essa interação de conhecimentos acadêmico e tradicional, como explica Gilberto Maia, da Fundação Banco do Brasil, principal órgão federal de certificação e difusão das tecnologias sociais no país.

“Geração de renda com prioridade para indígenas, quilombolas, extrativistas, ribeirinhos, pescadores, enfim, toda a gama de apoio que eles necessitarem, desde que estejam adequadamente contemplados o social, o econômico, o ambiental e o cultural”, destaca.

A Câmara, que já aprovou várias ações específicas dentro do orçamento previsto no Plano Plurianual em vigor até 2015, também analisa um projeto de lei (PL 3449/08) que cria a política e o programa nacional de tecnologia social. A intenção é garantir segurança jurídica, continuidade e ordenamento a essas ações.

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