Armadura de cisalhamento: tecnologia para indústria da construção civil desenvolvida no Pará obtém patente

Trata-se de uma tecnologia original, que se propõe a otimizar o processo construtivo de alguns sistemas estruturais com lajes planas, aumentando sua segurança e reduzindo custos. Equipe busca parceria para comercializar tecnologia.

A indústria da construção civil não para de evoluir. O segmento está sempre em busca de inovações tecnológicas capazes de otimizar processos, reduzir custos e dar mais segurança às obras. A Universidade Federal do Pará (UFPA), por exemplo, comemora uma conquista recente na área. Criada por um grupo de professores da Faculdade de Engenharia Civil da UFPA, uma armadura de cisalhamento para estruturas com lajes planas de concreto recebeu Carta Patente emitida pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI), do Ministério da Economia. 

Trata-se de uma tecnologia original, que se propõe a otimizar o processo construtivo de alguns sistemas estruturais com lajes planas, aumentando sua segurança e reduzindo custos.

Dá-se o nome de cisalhamento ao efeito de corte que pode ocorrer em elementos estruturais sob a ação de cargas paralelas à sua seção transversal. No caso de lajes de concreto, a resistência ao cisalhamento pode ser especialmente importante em diversos casos, como de fundações em radier, lajes sob cargas pontuais, como as geradas pelo tráfego de veículos em edifícios-garagem e pontes, ou ainda para edifícios com lajes planas, que são aquelas que se apoiam diretamente nos pilares, sem vigas. Nesses casos, usar armaduras de cisalhamento pode ser a melhor solução, mas as complicações construtivas associadas ao seu uso em lajes podem até mesmo alterar a solução estrutural escolhida para um determinado projeto.

Foto: Divulgação/Arquivo Laboratório de Estruturas UFPA

Quando é necessário usar armaduras de cisalhamento em lajes, o ideal é utilizar soluções com caráter industrial, a fim de garantir eficiência e reduzir os erros no canteiro de obras. No entanto as empresas brasileiras especializadas neste tipo de produto estão instaladas apenas na Região Sudeste. A solução desenvolvida e patenteada pelos pesquisadores da UFPA permite a produção industrial de armaduras de cisalhamento para lajes em qualquer região do Brasil.

Formadas por treliças planas feitas com vergalhão comum, mas com geometria e arranjo especialmente desenvolvidos para resistir ao cisalhamento e à punção em lajes, elas foram concebidas para gerar ganhos construtivos, como serem instaladas de forma independente, resolvendo os problemas associados às interferências com outras armaduras durante a montagem das lajes. Além disso, essas armaduras possuem ajustes que dão suporte às armaduras de flexão, podendo evitar erros e acidentes.

O engenheiro e professor Maurício de Pina Ferreira, diretor da Faculdade de Engenharia Civil da UFPA, foi o idealizador da armadura recentemente patenteada. Ele liderou uma equipe formada pelo professor Aarão Ferreira Lima Neto e pelos então estudantes da UFPA, hoje professores, Manoel José Mangabeira Pereira Filho e Rafael Barros. Maurício destaca que, além de poderem ser fabricadas facilmente em qualquer região do Brasil, as armaduras podem ser transportadas, armazenadas e montadas no canteiro de obras, de forma mais barata e eficiente.

O professor, que desenvolveu pesquisa de mestrado e doutorado voltada para o estudo da resistência ao cisalhamento e à punção de lajes apoiadas diretamente sobre pilares sem o emprego de vigas, destaca que, como as lajes são muito finas, as armaduras de cisalhamento podem ter sua eficiência reduzida.

Armadura oferece mais segurança e menor custo 

Longe de ser uma tecnologia nova, as lajes planas surgiram quase com o concreto armado, no começo do século XX, mas, no Brasil, segundo descreve Maurício Pina, optou-se pelo sistema de lajes apoiadas em vigas. Apesar de mais trabalhoso, o uso de vigas ainda é interessante em função do baixo custo da mão de obra, algo que está mudando com o tempo. “Desde 2015, a mão de obra passou a representar, no custo de construção, uma parcela maior do que a parcela dos materiais. Nesse cenário, a otimização dos custos de produção de estruturas passa por uma análise ampla da redução da mão de obra associada à produção de formas e armaduras, o que favorece as soluções que empregam lajes apoiadas diretamente nos pilares, ajudando a popularizar seu uso no Brasil”, explica.

Para funcionar bem, esse tipo de laje precisa de armaduras específicas, cujas melhores opções são as industrializadas, mas as poucas empresas que as fornecem estão concentradas no eixo Sul-Sudeste, principalmente em São Paulo. A distância de Belém, no entanto, não favorece o barateamento dos custos, pois o responsável pela obra tem que arcar com elevados custos de frete. Em geral, o engenheiro da obra não está disposto a pagar esse preço, além de esperar pela chegada das armaduras. Então, ele lança mão de opções artesanais, improvisando, na própria obra, algum tipo de armadura que pode não funcionar corretamente, com possibilidade até de gerar acidentes.

Foi esse o cenário que levou Maurício Pina a pensar, em 2010, na possibilidade de desenvolver um tipo de armadura de cisalhamento possível de ser fabricado em Belém, que fosse fácil e barato, mas com caráter industrial de produção e montagem. “Estávamos preocupados em resolver alguns problemas construtivos que as armaduras tradicionais geram. Algumas ideias foram surgindo. Em 2011, entrei na UFPA como professor e, no final do ano seguinte, começamos a nos organizar para os primeiros testes utilizando protótipos, feitos aqui, no Laboratório de Engenharia Civil, em Belém”, conta.

Os primeiros testes foram realizados durante o trabalho de iniciação científica do então graduando Rafael Barros. “Com muito esforço e alguns recursos próprios, fizemos oito peças que constituíram os primeiros ensaios. Dois deles apresentaram resultados animadores, mas não sabíamos se iam funcionar porque as características dessa armadura são muito desfavoráveis para trabalhar. Ela resolvia muitos problemas construtivos, era fácil de fabricar, tinha várias vantagens, mas, do ponto de vista estrutural, havia bons indícios de que a ideia poderia não dar certo. Então estudamos soluções para melhorar esses aspectos”, recorda Maurício.

Em 2013, foram publicados os primeiros artigos, e a pesquisa foi apresentada em congressos e reuniões científicas. Os estudos prosseguiram até que as armaduras viraram uma linha de pesquisa do professor na UFPA, mesmo enfrentando as dificuldades de financiamento ocorridas entre 2010 e 2020. Foram produzidos trabalhos de iniciação científica, vários ensaios e a primeira dissertação de mestrado, de autoria do engenheiro civil Luamin Sales Tapajós. Depois disso, realizaram-se ensaios em escala real de ligações laje-pilar no laboratório montado pela equipe em Tucuruí, no pé da usina hidrelétrica, em que a UFPA possui um campus e o Núcleo de Desenvolvimento Amazônico em Engenharia, com três cursos de pós-graduação. Coube ao professor Manoel Mangabeira, então doutorando da UnB, fazer a parte prática da pesquisa sobre a armadura de cisalhamento em Tucuruí. Um segundo mestrado também foi realizado. Após outros ensaios, a eficácia da armadura foi devidamente comprovada.

Patente, industrialização e comércio

O pedido de patente foi apresentado em 2015. O resultado levou sete anos para sair, depois de cumprida todas as exigências legais. O INPI realizou uma pesquisa nacional e internacional, comparando a proposta com outros produtos de diferentes origens. Segundo Maurício, “a equipe apontou as diferenças em relação a cada um dos produtos. Havia diferenças, desde a concepção de funcionamento até a forma de distribuição nas ligações.” 

O instituto precisava se certificar sobre a originalidade e eficácia da inovação. Em agosto de 2022, finalmente o registro de patente foi obtido. Com apoio da Universitec ao longo de todo esse processo, a equipe busca, agora, estabelecer parceria com empresas a fim de licenciar a produção e comercialização das armaduras. A ideia é transferir para a sociedade esse produto, e os recursos gerados possam ajudar no financiamento das atividades científicas dos pesquisadores.

*O conteúdo foi originalmente publicado pelo Jornal Beira do Rio (UFPA), edição 168, escrito por Walter Pinto com edição de Edmê Gomes

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