Segredos do comportamento de botos na Amazônia são revelados por inteligência artificial

Eles usaram hidrofones para gravar sons em vários habitats e empregaram redes neurais convolucionais para classificar os sons – como cliques de ecolocalização, ruídos de motores ou chuva – com alta precisão.

Quando as chuvas caem sobre a Amazônia e os rios inundam a floresta ao redor, também os botos seguem o curso das águas, explorando o labirinto de vegetação submersa. Pesquisadores que estudam esses animais normalmente usam barcos para segui-los, o que se mostra quase impossível em florestas de várzea, invadidas pelas enchentes sazonais. Como resultado, os hábitos de duas espécies de cetáceos amazônicos de água doce ameaçados de extinção — o boto-vermelho (Inia geoffrensis) e o tucuxi (Sotalia fluviatilis) — estiveram envoltos em mistério até recentemente.

Especialistas da Universidade Politécnica da Catalunha, na Espanha, e do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, em Tefé, no Amazonas, conseguiram combinar com sucesso técnicas avançadas de monitoramento acústico e inteligência artificial para elucidar os movimentos e comportamentos destes botos em seus habitats inundados sazonalmente. Os resultados foram publicados na revista científica Scientific Reports.

Boto exibe comportamento aéreo na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Foto: Marina Gaona/IDSM

Os pesquisadores submergiram hidrofones, poderosos aparelhos de gravação, a profundidades de 3 a 5 metros em vários pontos ao longo de uma área que cobre aproximadamente 800 quilômetros quadrados na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no estado do Amazonas. Os hidrofones gravaram sons de vários habitats, incluindo canais de rios, baías de confluência, lagos de várzea e florestas inundadas, durante as estações chuvosa e seca, entre junho de 2019 e setembro de 2020.

Para analisar as gravações, os pesquisadores usaram redes neurais convolucionais (CNN, na sigla em inglês), um tipo de algoritmo de aprendizagem de inteligência artificial, para classificar automaticamente os sons detectados dentro de categorias distintas: cliques de ecolocalização de botos, ruídos de motores de barcos e chuva. O sistema alcançou a impressionante precisão de 95%, 92% e 98% para cada respectivo tipo de som. Com essa tecnologia, os pesquisadores descobriram padrões intrigantes nos movimentos e no comportamento dos botos.

Conforme o nível da água aumentou entre novembro e janeiro, os botos passaram de 10% do dia em canais de rios e baías para 70%. A partir disso, os pesquisadores concluíram que os animais usaram esses cursos d’água para acessar as várzeas. Além disso, o estudo revelou que botos adolescentes e fêmeas com filhotes passam mais tempo em várzeas do que os machos, possivelmente buscando presas abundantes ou abrigo de comportamentos agressivos dos machos.

Mapa do local do estudo, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas, e pontos das gravações dentro da reserva. Imagem: Erbs et al. (2023)

A população de tucuxis sofre uma queda de 50% a cada nove anos, enquanto a população de botos-vermelhos está diminuindo 50% a cada 10 anos, com previsões de uma redução de 95% dentro de meio século. Os autores afirmam que esta pesquisa tem implicações significativas para estratégias de conservação.

Entender as preferências e necessidades de habitat dos botos pode ajudar conservacionistas a desenvolver abordagens direcionadas para proteger essas espécies ameaçadas. Da mesma forma, monitorar como os botos respondem à perda e degradação de habitats, como desmatamento para pastos e plantações, pode ajudar na manutenção de todo o ecossistema.

“Como espécies sentinelas dos sistemas aquáticos que habitam, botos de água doce podem constituir um sistema de detecção precoce do desequilíbrio do ecossistema”,

escreveram os autores.

O boto-vermelho e o tucuxi enfrentam várias ameaças, incluindo emaranhamento nas redes de pescadores e captura como isca para a pesca comercial do peixe piracatinga (Calophysus macropterus).

Outro estudo recente, que monitorou os movimentos de botos no Peru, descobriu que 89% de sua área de vida está sujeita à atividade pesqueira. Este estudo dependeu de equipar os botos com etiquetas (tags) monitoradas por satélites para poder acompanhá-los. Distúrbios na qualidade da água e nos habitats causados pela construção de barragens, mineração, agricultura e pecuária também ameaçam os botos.

No ano passado, outro grupo de pesquisadores marcou alguns botos amazônicos com radiotransmissores na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, também no estado do Amazonas. Eles conseguiram mapear as zonas preferidas dos animais e identificar regiões prioritárias para proteção de espécies. Usinas hidrelétricas, pesca e contaminação por mineração são as maiores ameaças para os cetáceos em toda esta faixa.

Monitoramento acústico e ferramentas de inteligência artificial usados no estudo recente são menos estressantes para os botos do que capturá-los e marcá-los com etiquetas. As técnicas podem ser uma maneira mais eficaz no longo prazo para estudar essas populações.

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Mongabay, escrito por Liz Kimbrough e traduzido por Caio Saad

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