Entre 2002 e 2023, mais de 9 mil maranhenses foram resgatados em situação de trabalho escravo, posicionando o Maranhão entre os Estados de maior origem desses trabalhadores.
Com o objetivo de reunir informações sobre o combate ao trabalho escravo contemporâneo no Maranhão e para facilitar a comunicação da Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo do Maranhão (Coetrae-MA), a jornalista Jeyciane Elizabeth Sá Santos desenvolveu, durante o mestrado profissional em Comunicação, uma plataforma digital capaz de agregar informações, serviços e processos da Comissão. A iniciativa garantiu à jornalista, além da aprovação no mestrado, uma menção honrosa no prêmio Compós de Teses e Dissertações 2023.
Na plataforma coetrae.ma.gov.br, é possível encontrar informações sobre o histórico da Comissão, eixos de atuação, mapa de localização, legislação maranhense contra o trabalho escravo, planos estaduais, contatos, relatórios, atas de reuniões, biblioTEC.MA, entre outros.
A Comissão, que foi criada em 2007, tem a finalidade de fortalecer políticas públicas e mecanismos de prevenção e enfrentamento ao trabalho escravo no Maranhão, mas, desde sua criação, não tinha um espaço como esse de comunicação.
Jeyciane conta que a ideia inicial era reunir informações e estudos das ciências humanas e sociais sobre a temática, um tipo de repositório que funcionasse como biblioteca virtual, mas, com o andamento da pesquisa e devido à demanda do Coetrae, a ideia foi ampliada, culminando no desenvolvimento da plataforma digital. “Dessa forma, o objetivo do produto foi melhorar e potencializar a comunicação do assunto dando visibilidade à temática, tornando as ações conjuntas mais efetivas”, explicou.
A ferramenta surge em um contexto atual de permanência das desigualdades, mais de 130 anos após a abolição da escravidão no Brasil, milhares de trabalhadores em todo o país ainda continuam em situação análoga ao trabalho escravo. Só em 2023, de acordo com a Coordenação-Geral de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravizado e Tráfico de Pessoas, 3.190 pessoas foram resgatadas dessa situação, número que representa o maior em 14 anos.
Já segundo os dados do Observatório Digital do Trabalho Escravo, entre 2002 e 2023, foram mais de 9 mil maranhenses resgatados dessa situação em diversas localidades, posicionando o Maranhão entre os estados de maior origem desses trabalhadores.
A professora da UFMA Flávia Moura, orientadora da pesquisa, explica que a vulnerabilidade socioeconômica facilita o aliciamento por exploradores.
“Isso se dá diante da perspectiva da pobreza, da falta de acesso a políticas públicas básicas e, principalmente, a terra, o propicia que esses trabalhadores rurais tenham que sair do Maranhão para sobreviver. A outra frente são os grandes projetos, como de siderúrgicas, de monocultura da soja, do eucalipto, que expulsam os trabalhadores das terras e deixam sem condições mínimas de sobrevivência. Essas atividades econômicas, em geral, também têm, na sua cadeia produtiva, a condição de super exploração do trabalho”,
comentou.
Nesse cenário, para a professora, a plataforma é um importante instrumento para ampliar a rede de combate ancorada pela Coetrae. “Para o enfrentamento se dar, é preciso que essas entidades se comuniquem melhor, e, para dar conta dessa comunicação tanto interna entre as entidades, como externa na publicização do problema, essa plataforma vai ajudar nesse intercâmbio, e isso tem também um impacto importante para o nosso programa de pós-graduação, por conseguir devolver à sociedade um produto que foi produzido dentro de uma universidade pública”, pontuou.
Produto que foi reconhecido com menção honrosa no Prêmio Compós de Teses e Dissertações, o que, para Jeyciane, demonstra a qualidade da pesquisa desenvolvida no mestrado profissional de Comunicação. “Ser autora da dissertação destacada pelo mérito científico e também por ser considerada uma abordagem inovadora no campo da comunicação, é muito significativo, comprova a relevância científica dessa pesquisa para o território maranhense e nacional, isso faz com que eu me sinta realizada”, finalizou.
Denuncie
Denúncias de trabalho análogo a escravidão podem ser feitas de forma remota e sigilosa no Sistema Ipê ou pelo Disque 100. O Sistema Ipê foi lançado em 2020 pela Secretaria de Inspeção do Trabalho em parceria com a Organização Internacional do Trabalho, é o único sistema exclusivo para recebimento de denúncias de trabalho análogo à escravidão e integrado ao Fluxo Nacional de Atendimento às Vítimas do Trabalho Escravo.
Já o Disque 100 é voltado para qualquer violação dos direitos humanos e é gerido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Saiba que o trabalhador em situação análoga à escravidão está nessa condição se for submetido a trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho, escravidão por dívida ou retenção no local de trabalho. O artigo 149 do Código Penal estabelece prisão de dois a oito anos e multa.
Outras denúncias de irregularidades trabalhistas, em geral, podem ser feitas por qualquer pessoa, mediante identificação, no canal de denúncias do Ministério do Trabalho e Emprego.