Siderama foi o sonho do aço mais barato do Brasil

A Siderama, no segundo semestre de 1969, produziu 25.000 toneladas de lingotes e 20.000 toneladas de produtos acabados, números que constituem a capacidade inicial que foi projetada. 

Construída nos arredores de Manaus, a primeira usina siderúrgica da região setentrional do país foi a SIDERAMA. Esse empreendimento pioneiro à época produziu em julho de 1969, 25.000 toneladas de lingotes e 20.000 toneladas de produtos acabados, inicialmente, para o abastecimento da área Amazônia/Ceará.

A iniciativa é devida à Companhia Siderúrgica da Amazônia, cujas terras e jazidas contribuíram com 98% das matérias primas que a usina consumiu. Esta, localizada à margem esquerda do Rio Negro, precisamente no ponto de encontro com o Rio Amazonas, recebia por via fluvial o minério de ferro, o calcário, o manganês e o carvão vegetal necessários, fazendo-os rolar diretamente para os seus silos por meio de uma rampa e esteira rolante que não tinha mais de 300 metros de extensão.

Aí, então, iniciou-se o processo de produção do que era o aço mais barato do Brasil.

Sócrates Bomfim. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

A SIDERAMA não teria que ir muito distante para buscar as matérias primas que sua usina utilizava. Relativamente próximas estão as minas de sua propriedade, sendo de 500 hectares a área da concessão de lavra de mina de minério de ferro. Sua reserva medida desse minério é de 25.000.000 de toneladas, enquanto a reserva calculada era de 52.000.000 de toneladas. A área de concessão de lavra de calcário, em Monte Alegre, era de 400 hectares, sendo de 13.000.000 de toneladas a reserva calculada desse produto.

O manganês procedia das jazidas de Mineração Bomfim LTDA, outra empresa do grupo industrial da SIDERAMA, e o carvão vegetal era extraído de uma reserva florestal de 8.300 hectares, dentro de uma floresta distante da usina cerca de 30 km, apresentava um rendimento de 700 m³ de madeira por hectare e produzia um carvão vegetal de 300 kg por metro cúbico. Por fim, o óleo combustível de que era necessário a SIDERAMA era fornecido pela refinaria de petróleo de Manaus, sendo da Companhia de Manaus a energia a ser consumida pela usina.

Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Com os elementos acima enumerados, a SIDERAMA, no segundo semestre de 1969, produziu 25.000 toneladas de lingotes e 20.000 toneladas de produtos acabados, números que constituiam a capacidade inicial que foi projetada. Sua infraestrutura, todavia, lhe permitia ampliar a produção, em até 100.000 toneladas. A área do terreno em que a usina estava edificada (256 hectares) permitia, aliás, alcançar dimensão muito maior.

No programa de produção da empresa fizeram parte perfilados leves e arames, exatamente nas medidas mais reclamas pelo consumo da faixa compreendida entre os Estados do Amazonas e Ceará.

Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

O mercado que recebia os produtos da SIDERAMA, correspondia à área brasileira onde os artigos siderúrgicos eram mais caros e escassos. Somente em Manaus, por exemplo, custava o dobro dos preços vigentes na região centro-sul. Isso decorria de que a mais próxima usina siderúrgica distante de Manaus era 6.000 quilômetros.

Projetada para atender, de início, à área Amazonas/Ceará, cuja demanda, no que respeita aos tipos e bitolas que eram fabricadas em Manaus, era de 30.000 toneladas anuais, a usina da SIDERAMA oferecia a esse mercado produtos mais baratos, entregues em tempo mais curto e atendendo melhor às peculiaridades regionais.

Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Contando com o seu projeto devidamente aprovado pela SUDAM, desde dezembro de 1965 a SIDERAMA gozava dos favores fiscais, concedidos ao Norte e Nordeste, aliando-se a esses benefícios o fato de estar situada na Zona Franca de Manaus.

Tais circunstâncias lhe garantiram os seguintes benefícios:

  • Isenção de direitos aduaneiros para equipamento e material de consumo que importe do exterior;
  • Isenção do pagamento do imposto de renda até o ano de 1962;
  • Isenção do pagamento do imposto sobre produtos industrializados (IPI);
  • Isenção do pagamento do imposto sobre circulação de mercadorias no Estado do Amazonas;
  • Isenção do pagamento do IPI e do ICM em todos os equipamentos e materiais de consumo que compram dentro do Brasil.
Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Teve na sua presidência o industrial à época Sócrates Bomfim, que concebeu a ideia de levantar a usina e por sua concretização onde trabalhou por muito tempo. Como diretor financeiro tinha o industrial Guilherme Aluízio Silva. A Companhia Siderúrgica da Amazônia contava com 12.508 acionistas. O capital autorizado da empresa era de NCr$ 13. 955.000,00, dos quais NCr$ 5.515.900,00 constituiu-se o capital realizado.

A empresa procurou captar ativamente subscrições de capital proveniente de descontos do imposto de renda e esperou vender a totalidade de seu capital ainda no exercício de 1968.

O baixo custo de produção industrial decorrente do fato de dispor na própria região de 98% da matéria prima que consumiam, as isenções de imposto que gozaram e circunstância de abastecimento da área mais próximas da usina siderúrgica que ficava vários quilômetros de distância, tornou o empreendimento altamente rentável e competitivo.

O ministro Albuquerque Lima cumprimenta o Presidente da Siderama e assegura-lhe a simpatia e apoio do Ministério do Interior à consecução da obra. Também presente o Ministro das Comunicações – Dr. Carlos Simas – e o superintendente da Sudam – Cel. João Walter de Andrade. Manaus, 01/02/68. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Para a Amazônia e o Brasil, porém, a SIDERAMA representou algo mais importante que um simples empreendimento lucrativo. Ela foi um marco da ocupação brasileira na Amazônia: explorando e industrializando seus recursos naturais; formando mão de obra qualificada; trazendo à região técnicos e criando técnicas; contribuindo, enfim, para a grande tarefa dos brasileiros no século XX incorporando a Amazônia ao Brasil.

Razões que justificam sua fundação

[…] Entre os empreendimentos básicos a criar-se na Amazônia, como um modo de dar estabilidade à sua economia e maior impulso ao seu progresso, merece destaque especial uma Usina Siderúrgica.

É claro que essa usina não deve resultar do simples desejo de criar condições novas à economia regional, mas deve ser um empreendimento são, baseado em condições naturais que possibilitem um bom rendimento de operação, independentemente de favores oficiais ao seu funcionamento. De outra forma, a criação de uma indústria artificial apenas agravaria as condições de vida locais com a importação de matérias primas e com sobrecarga ao seu sistema de transporte.

Uma indústria siderúrgica na Amazônia, porém, antes de ser um bom negócio é uma condição do desenvolvimento regional, por força do isolamento em que a Amazônia está confinada, dadas as longas distâncias que a separam dos centros de industrialização do Brasil e do mundo. A população que aqui vive pratica o mesmo tipo de cultura e tem as mesmas necessidades das outras comunidades situadas em áreas industrialmente mais desenvolvidas. Baseia sua atividade cotidiana no uso do ferro e do aço, como em qualquer outra região. Com esses metais são atendidas praticamente todas as necessidades sociais, desde a estrutura das casas até os meios de transporte e a preparação dos instrumentos de que se utiliza. Pode-se mesmo dizer que uma sociedade só alcança autonomia econômica quando é capaz de produzir ferro e aço, pois só então poderá adequadamente preparar os seus próprios instrumentos de trabalho.

Macauari. Escola mantida pela Siderama para os filhos dos operários. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Com a indústria siderúrgica, estarão acessíveis aos homens de iniciativa da região os materiais próprios para numerosas indústrias complementares, que vão desde as embarcações às máquinas, às construções, às inumeráveis ferramentas necessárias ao trabalho profissional e ao uso caseiro e, o que é mais importante, estarão disponíveis com brevidade, sem o retardamento de despacho de pedidos por prioridade nas indústrias superlotadas de encomendas e o ônus das longas distâncias a que o material deve ser transportado, e sem o sacrifício financeiro das antecipações de pagamento que, nos produtos da indústria siderúrgica, frequentemente são feitas até nove meses antes do recebimento efetivo dos produtos encomendados.

O mercado escasso desses produtos no Brasil atual, o pagamento antecipado das compras, o longo retardamento das entregas, as despesas de transporte a 3.000 milhas de distância implicam necessariamente em uma diferença considerável de preço entre os produtos siderúrgicos vendidos no Sul e no Norte do Brasil. Frequentemente os preços desses artigos nas praças de Manaus e Belém alcançam até o dobro dos preços vigentes nas praças do Rio de Janeiro e São Paulo.

Outro aspecto importante da criação de uma indústria siderúrgica no Norte do Brasil é o que se refere ao balanço de contas regional.

Na Amazônia, como em toda a área do Norte, o caráter predominantemente extrativista da economia local e a falta de uma agricultura e de uma indústria organizada criam a necessidade de praticar um ciclo econômico puramente mercantilista, exportando para fora da região toda sua produção, sob a forma de matérias primas, e importando de fora da região os bens a serem consumidos como alimentos ou produtos industrializados.

Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Como consequência disso, e pelos conhecidos termos desfavoráveis de intercâmbio entre matérias primas e produtos industrializados, ocorre que a renda obtida com a exportação daquelas é sempre insuficiente para cobrir o dispêndio com a importação de manufaturas e alimentos. O balanço do comércio da região é por isso deficitário e pagamos por nossas importações muito mais do que recebemos por nossas exportações.

Os números a seguir, colhidos do Anuário Estatístico do Brasil para 1959, caracterizam essa situação. Neles estão reunidos os valores de importação e exportação dos Estados do Amazonas e Pará, referentes à cabotagem e ao comércio exterior, e por eles verifica-se que somente por essas vias e nos anos de 1956 a 1958 esses dois Estados importaram mercadorias num valor médio anual de dois e meio bilhões de cruzeiros, maior do que as exportações realizadas:

Vista aérea da Usina (em construção) da Companhia Siderúrgica da Amazônia (Siderama), aparecendo parte do Rio Negro com as obras do cais e a estrada que liga Manaus à Usina.Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Esse deficit é coberto, na região, pelos gastos de origem federal referentes aos serviços públicos federais e às obras de desenvolvimento, e é o responsável pela permanente crise de meios de pagamento que aflige a Amazônia e mui especialmente Manaus.

Desenvolver a região, produzindo, nela própria, uma parte dos bens que consome e atualmente importa, quer do sul do Brasil, quer do exterior, constitui um dos modos de alcançar o equilíbrio do balanço de pagamentos e vir eventualmente a obter saldos positivos que se acumulem na região e constituam capital a ser utilizado no desenvolvimento local.

Entre as iniciativas que podem realizar esse objetivo, criando indústrias que abasteçam o consumo regional, produzindo sobras para a exportação e atendendo, ao mesmo tempo, a necessidades básicas de expansão da economia regional, está inquestionavelmente a indústria siderúrgica.

Condições para a implantação da indústria siderúrgicaRazões que justificam sua fundação

Torna-se possível a implantação de uma indústria siderúrgica quando existam no local todas ou a maior parte das matérias primas que se utilizam em seu processo industrial; quando existe mercado para consumir toda ou a maior parte da produção; quando estão disponíveis ou podem ser obtidos os capitais necessariamente elevados com que essa indústria se funda; e quando há, na região, ou pode ser trazida à mesma, a especialização técnica necessária às suas variadas e complexas operações.

O propósito desta memória é demonstrar que na área em torno de Manaus reúnem-se, em condições excepcionalmente favoráveis, os recursos naturais necessários à fundação de uma indústria siderúrgica; que o mercado do norte do Brasil comporta uma produção siderúrgica de nível econômico; que o investimento necessário pode ser coberto com recursos locais e com operações de crédito adequadas, e que a especialização técnica necessária à construção e operação dessa fábrica terá de ser importada, à semelhança do que é feito em qualquer indústria nova, nos países subdesenvolvidos.

BOMFIM, Sócrates. Companhia Siderúrgica da Amazônia: Exposição e Justificação do Projeto. Manaus – Am. 

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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