Catalina, o pássaro de aço nos céus da Amazônia

A Amazônia recebia a presença da Panair do Brasil como elo de brasilidade perdida na vastidão do território amazônico.

Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

O pouso fora feito com segurança e os agentes que representavam a Panair do Brasil em qualquer lugar da Amazônia que se encontravam chegavam a bordo em uma pequena e frágil canoa, era o primeiro contato com aquele enorme avião que trazia passageiros e mercadorias da civilização. Tudo ocorria como previsto, a tripulação permaneceu em seus postos para eventuais emergências e naturalmente fatos inesperados. Havia piranhas em volta da embarcação e naturalmente o perigo era eminente, caso em um acidente a canoa virasse. O avião afastava-se lentamente levado pela correnteza, contudo, com auxílio dos motores era feito a correção, a fim de permitir sua atracação para junto da boia e o hidroavião parou novamente no ponto de translado para desembarque de passageiros e mercadorias.

Foram momentos importantes daquele período com o sentimento de desafio e naturalmente o começo de muitas descobertas. Outro fato interessante era a comunicação por rádio com navios estrangeiros que promoviam o dialogo crescente e de cordialidade, na verdade, uma troca de conhecimento, de emoções e de histórias que por muito tempo fariam parte do imaginário daqueles navegantes com os povos da floresta e de seus visitantes.

Normalmente suas chegadas no interior do estado do Amazonas era no amanhecer e que permitia aquela população ribeirinha assistir ao transitar frenético de passageiros e tripulantes em direção ao flutuante, em meio de pacotes, mercadorias, malas, baús e gaiolas que amontoavam à espera de acomodação no interior do hidroavião, sua tripulação de uniforme azul e branco impecavelmente vestidos, ao mesmo tempo que se ouvia uma passageira contar a lenda do Uirapuru, observava aquelas pessoas que quase isoladas do restante do país aguardavam a lembrança de um parente, uma encomenda, a esperança de um remédio, ou simplesmente a oportunidade de receber notícias de um mundo desconhecido.

Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Foram muitas as celebrações, que se renovava a cada passagem da Panair do Brasil desde sua chegada inaugural em 25 de outubro de 1933, até sua partida três décadas mais tarde. Na verdade, era a celebração da solidariedade, da amizade e principalmente muitas saudades do encontro de poções diferentes, de pessoas de um mesmo Brasil.

A Amazônia recebia a presença da Panair do Brasil como elo de brasilidade perdida na vastidão do território amazônico:

“[…] Quando o caboclo olhava o céu e nele via cruzar a certeza da boa nova, a resposta para sua espera ouvia apenas a marcação do meio dia, aproximação no meio da tarde e o anunciar do entardecer”.

Fonte: As asas da história. Lembranças da história da Panair do Brasil. 1996. Pág.: 13.

“O Amazonas, sob o impacto de nossa vontade e trabalho, deixará de ser um simples capítulo na história do mundo e, tornado equivalente a outros grandes rios transformar-se-á em capítulo na história da civilização. Tudo que foi feito até agora no Amazonas, seja na agricultura ou na indústria extrativista deverá ser transformado em exploração nacional, discursava o Presidente Getúlio Vargas em 1940, quando de sua visita a Manaus”.

Fonte: As asas da história. Lembranças da história da Panair do Brasil. 1996. Pág.: 15.

A bem da verdade, a Panair do Brasil antecipou-se a este projeto e com muita sabedoria contribuiu nos idos dos anos 40, quando os Estados Unidos da América entraram na guerra e foi firmado o acordo de Washington (1942), no qual o Brasil se comprometia em fornecer borracha, matéria prima estratégica. A campanha da borracha começava e utilizava a estação de rádio da Panair do Brasil em Canafa, Estado do Amazonas, e os planos de viagem da Bacia Amazônica, contratados pela Rubber Development Company.

Fonte: Iden página 15.

Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Ao sabor do balanço das águas os hidros aviões não se perturbavam diante dos novos desafios. Singravam pioneiros nos ares da Amazônia, acompanhando o serpenteado rios até por medida de segurança. E a cada decolagem, a certeza de um pouso mais distante como quem tem a missão de tocar fundo o coração da floresta. A tarde caia, e com ela o vento trazia o sabor da tarefa cumprida. Era comum, os passageiros alegres, experimentando a recepção afetuosa de parentes e amigos em seguida acomodada na canoa, sumia nas curvas do igarapé, levando consigo a lenda de outros pássaros da floresta.

A tripulação tinha sua bagagem arrumada em outra canoa e preparava-se para mais um pernoite, e o rapaz de uniforme impecável percorria com os olhos a paisagem, possivelmente encantado ou à espera de um canto especial, ao seu lado, um caboclo sorria apenas sorria, agarrado a um pacote que haviam depositado em suas mãos.

O sol tocava o horizonte em uma cena incomparável e mais uma vez testemunhava as expectativas e sonhos dos povos da floresta embarcados num pássaro de prata, cujo, destino estava escrito na sorte de chagar aos lugares esquecidos do Brasil.

O sentimento de desafio daqueles heróis era de grande valia para nossa Amazônia naquele período, sempre cercado por moradores da área, que por curiosidade, permitiam uma crescente cordialidade e naturalmente uma troca de conhecimento, de emoções e histórias que por muito tempo fizeram parte do imaginário dos povos da floresta em especial do jovem Samuel Isaac Benchimol que acabara de completar seus dezoito anos.

Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Samuel Isaac Benchimol guardava essas lembranças como uma celebração, que se renovava a cada chegada e saída da Panair do Brasil, que fez sua primeira chegada inaugural em 25 de outubro de 1933. A celebração da solidariedade, da amizade e de algumas saudades que ele não cansava de comentar, como se fora ao encontro de poções diferentes de um mesmo Brasil. A presença da Panair do Brasil na Amazônia, de Brasilidade perdida na vastidão do nosso território serpenteado pelas águas. Samuel Isaac Benchimol na sua juventude, sob o impacto do seu primeiro trabalho descreveu um capítulo da sua história da Panair do Brasil.

Foi um período rico da nossa história, ao sabor do balanço das águas, aquele pássaro de alumínio não se perturbava diante de novos desafios e singrava os céus da Amazônia e o serpentear dos rios e a cada decolagem a certeza de um novo pouso em um espaço mais distante da Amazônia. Foram muitas vezes que a tripulação da Panair do Brasil fazia seu pernoite em alguma cidade da Amazônia e, mais uma vez, testemunhava expectativas e sonhos dos povos das barrancas dos rios, fatos como esses marcaram profundamente o início da carreira profissional do jovem Samuel Isaac Benchimol.

O apego à vida laboriosa mostrava o que seria, mais tarde, aquele jovem. Ele acreditava no itinerário de vida, explorando ações empreendedoras procurando construir o próprio caminho. Rica e intensa foram suas experiências despachante de bagagem da Panair do Brasil.

[…] Relembro com saudade e emoção que neste tempo eu era humilde despachante de bagagem da Panair do Brasil, exercendo funções no flutuante ao lado Roadway da Manaós Harbour onde atendia os passageiros dos hidros aviões da Panair e da Pan Amarican, que transportavam borracha dos seringais para suplemento das Forças Aliadas na Guerra. Trabalhava no expediente da madrugada, das 3horas às 6horas da manhã. Às 7horas já estava na Faculdade de Direito assistindo aulas. Era meu companheiro de trabalho Francisco Xavier de Albuquerque, que fora Ministro do Supremo Tribunal Federal. À noite lecionava Economia Política na Escola de Comércio Solon de lucena.

Fonte: BENCHIMOL, Samuel. Amazônia: Um Pouco-Antes e Além-Depois. Manaus: Calderaro, 1977. Pág.: 31 e 32.

O porto situado as margens do Rio Negro, era naquele período a porta de entrada daquela cidade. Cercado de prédios construído no período do látex, emoldurado pelo verde da mata. É nesse espaço físico que brota o aprendizado nas vertentes da vida e que proporcionaria uma excelente oportunidade para o desenvolvimento da cidade de Manaus.

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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