A Manaus que Maria das Graças Mininéa Silveiro deixou para trás

Deixou a cidade em busca de um sonho: estudar educação física e tornar-se professora.

Não surpreende que a jovem Maria das Graças Meninéa Silveiro deixou em busca de um sonho, estudar educação física. Era a década de cinquenta, porém, levou com ela e essência da cidade de Manaus e da família que ficou para trás, lembranças espalhadas nos sonhos que fizeram parte da sua história. Em todos esses fragmentos ninguém poderá conhecer sua cidade se ao partir não levar consigo suas lembranças.

Levou sim lembranças das rodas de conversas ao cair da tarde com vizinhos em frente suas casas, um cenário e um ritual de bons tempos que ficou para trás.

O Rio de Janeiro nas décadas de quarenta e cinquenta era o destino de muitos amazonenses, a cada partida e foram muitas, havia um sonho para um longo renascer. Por tudo isso, os contornos que a natureza premiou a cidade maravilhosa, também era inspiração. Os amazonenses por certo tinham uma estranha relação. Mas, é sobre os artífices dos paralelepípedos trazidos da Europa que revestiam as ruas de Manaus, os passeios de bonde, os domingos no Atlético Rio Negro Clube ou no Parque 10 de Novembro ela levou em sua memória.

Maria das Graças Mininéa Silveiro. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

De família tradicional, cujo, o pai era Arthur Meninéa e a mãe Aida Augusta Meninéa com uma prole de nove filhos, Maria Adelaide Yunes, Alípio Meninéa Neto, Maria de Lourdes Meninéa, Sebastião Augusto Meninéa, Thereza Meninéa, esta também imigrou para o Rio de Janeiro, Raymundo Meninéa, Luiz Phelipe Meninéa, Maria Emília Gouvêa e Maria das Graças Meninéa Silveiro.

Maria das Graças Meninéa Silveiro formou-se me Educação Física e deu continuidade no seu sonho tornando-se professora.

Se a arquitetura é o símbolo mais visível de uma sociedade, a fisionomia urbana de Manaus reflete bem o espírito da sociedade que aqui floresceu em fins de 1800 e inicio de 1900. Na verdade a arquitetura de Manaus exprime uma atitude emocional e estética do apogeu do período do látex e da burguesia enriquecida pelo processo produtivo.

A cidade que despertou a admiração de tantos estrangeiros imigrantes ou visitantes, nas primeiras décadas de 1900, surgiu como por encantamento. Cidade de suaves colinas, Manaus desdobrava-se em vistas múltiplas para que a cruze nas avenidas e ruas de um lúcido urbanismo.

Aida Augusta Mininéa (mãe) e Arthur Mininéa (pai). Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Plástica, Beleza e Técnica

A Ginástica Rítmica Desportiva surgiu a partir da ginástica natural no século XVIII e da Ginástica Dançada no século 20. Essas duas escolas e outras mais influenciaram no desenvolvimento da Ginástica Rítmica Desportiva em todo o mundo.

“… Em 1953, uma professora búlgara, mas austríaca por casamento, recém chegada da Áustria, chamada Ilona Peuker, introduziu o esporte no Brasil, veio para o Rio de Janeiro e começou a ensinar ginástica nas Faculdades de Educação Física. Formou o primeiro grupo de Ginástica Rítmica Desportiva com alunas da Universidade Federal do Rio de Janeiro na Urca e no Colégio Bennett, lembra Anita Peuker filha e ex-atleta.

Em 1957 o Brasil participou, pela primeira vez de uma competição no exterior, em Zagreb, Iugoslávia, representado pelo Grupo Unidos de Ginásticas, fundado pela professora Ilona Peuker. Na verdade, Gymnaestrada é uma demonstração de GRD. Mas, foi maravilhoso porque nosso país era totalmente desconhecido e, com sua beleza e seus movimentos leves e suaves, a mulher brasileira encantou a todos, conta Anita que também fazia parte do Grupo de Ginastas.

Sob o comando de Ilona Peuker, o Brasil participou de mais três Gymnaestrada: Viena em 61, Brasileia em 69 e Berlim em 75, sendo esta a ultima vez que Ilona dirigiu o Brasil.

A introdutora do GRD no país morreu em fevereiro de 1995, mas, deixou sua marca: primeiro com sua filha Anita e agora com as netas Tatiana e Vivian.
Recém chegada de Budapeste onde assistiu o Campeonato Mundial, Anita destaca as seleções da Bielorússia, Rússia, Ucrânia, Bulgária, Japão e China como as grandes forcas da GRD na atualidade e o Brasil.

A equipe representada pelo Londrina, do Paraná, teve uma boa participação e mostrou que desnível não é tão grande assim, o nosso maior problema continua sendo melhores condições de treinamento e infraestrutura . Temos boas técnicas e atletas, mas, alem de treinar, elas precisam estudar e às vezes trabalhar. É quase impossível uma dedicação ao esporte sem suporte finaliza Anita”.*

*Revista Esporte por Esporte. Ano 1, N. 4. Junho de 1996. Página 18.

Chiquinha Patrony, Sônia Nogueira e Maria das Graças. Zagreb,1957. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Um sobrevoo no percurso do curso da educação física no Amazonas

“Marinho (1943) e Ramos (1982) apontam que no Brasil república começou com o destaque ao projeto de lei elaborado pelo médico amazonense Dr. Jorge de Morais, em 1905, que preocupado com a demanda de pessoal para atender a Educação Física nas escolas, propôs a criação de duas escolas de educação física no país, sendo uma militar e outra civil.

A defesa de Jorge de Moraes sobre a formação de professores baseava-se no fato de que houvesse como pré-requisitos imprescindíveis os ensinos de “anatomia, fisiologia, princípios gerais de higiene e história e evolução da Educação Física como conhecimentos de primeiro plano” (FIGUEIREDO, 2016, p. 32). Novamente em 20 de junho de 1927, mesmo tendo se manifestado em favor da Educação Física em 1905 “volta a ocupar a Tribuna da Câmara dos Deputados ressaltando a importância e a necessidade de torná-la efetiva no Brasil” (MARINHO, 1934, p. 55).

Conforme Ramos (1982), na sequência desses registros foi instituído o Curso Provisório do Centro Militar de Educação Física que passou a vigorar no ano de 1929 no Rio de Janeiro, e logo foi substituído pela Escola de Educação Física do Exército, em 1933, regido pelo decreto nº 1212. O Curso passou a formar Técnicos em Educação Física e Desporto com duração de 2 anos.

Assinala-se nesse período o ingresso dos pioneiros da Educação Física do Amazonas nesse Curso, conforme Nery (1983), os professores Guilherme Nery, Waldir Oliveira e Graça Meninéa que tomaram a decisão de ir ao Rio de Janeiro à procura de formação na área e terminaram contribuindo sistematicamente com o marco histórico da Educação Física no Amazonas no século XX.

Em um sobrevoo no percurso histórico da construção do primeiro Curso de Educação Física implantado no Amazonas, constatou-se sua origem na Universidade do Amazonas-UA em 24 de fevereiro de 1969, instituído pela Resolução N° 04/69-A/ CONSUNI, intitulado “Curso de Educação Física e Técnica Desportiva” tendo como precursor o professor Guilherme Nery (NERY, 1984), cujo objetivo era a formação de professores para atender à Educação Física Escolar.

Inicialmente esteve vinculada à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, utilizando também espaços do Clube Atlético Rio Negro e Círculo Militar de Manaus para o desenvolvimento das aulas práticas. Na sequência, em 1970, o curso já apresentava a primeira turma com entrada via vestibular na UA, pautado pela resolução nº 04/69 e com apresentação de um currículo mínimo de matérias praticadas em seriados anuais (JEZINI, 1985; PUGA BARBOSA, 1985).

Ainda na década de 1970, houve a extinção da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e o curso passou a fazer parte do Instituto de Ciências Biológicas-ICB, instituído pela resolução 001/74/CONSUNI, agora com status de Departamento de Educação Física integrando o Instituto de Ciências Biológicas, devido a “inter-relação das disciplinas médicas do currículo do curso com disciplinas do ICB” (BRITO, 2011, p. 203). Pelas suas atividades práticas foi o primeiro curso a se instalar no Campus Universitário da então Universidade do Amazonas, uma vez que necessitava de instalações específicas como piscina, ginásio poliesportivo e pista de atletismo.

Atendendo a dispositivos legais do momento, o curso, realizou as reestruturações curriculares, orientada à época pela Resolução 015/74/CONSUNI, onde foi fixado o curriculum pleno e uma revisão curricular das disciplinas em 120 créditos, divididos em: currículo mínimo, complementares, obrigatórias e complementares optativas, e, para conclusão do curso, no mínimo 3 e no máximo 5 anos. Outra alteração curricular ocorreu em 6 de agosto pela Resolução nº 030/76/CONSUNI, constando a necessidade de adequações às novas mudanças curriculares da área, sendo prescrito que nesse sentido.

O reconhecimento do Curso de Educação Física da Universidade do Amazonas foi concedido pelo Presidente da República em 1 de agosto de 1977 com o decreto nº 80.055/77. Somente em 1981, através da resolução nº 013/81, o CONSEP trouxe novas alterações na Resolução 030/76/CONSUNI, que em seu art. 2º, referia-se às disciplinas obrigatórias, e pelo novo parecer, estas foram significativamente ampliadas.

Logo no início da década de 1990, conforme a normatização da resolução 010//91/CONSEP, foi fixado para o Currículo em Licenciatura Plena do Curso, 3.285 horas/aulas, definido por 170 créditos a serem concluídos com no mínimo 8 e no máximo 14 períodos. As informações em Puga Barbosa et al (2005) destacam que o início de uma nova era para o curso aconteceu em 3 de julho de1993, através da Resolução 004/93/CONSUNI, quando criou a Faculdade de Educação Física-FEF.

O último registro até aqui merecedor de destaque do Curso veio com a Resolução 006/2007/CONDEP, tornando a FEF em Faculdade de Educação Física e Fisioterapia-FEFF, ofertando atualmente quatro cursos de graduação: Licenciatura em Educação Física, Bacharelado em Educação Física nas linhas de Treinamento Esportivo e Promoção da Saúde e Lazer e Bacharelado em Fisioterapia.

A unidade acadêmica da FEFF se organizou no que diz respeito ao ensino e à extensão. Criaram-se os programas voltados para a Terceira Idade-PIFPS-(U3IA) e o de Pessoas com Necessidades Especiais-PROAMDE, sendo estes pioneiros no Estado e referência de excelência (NINA, 2018). Além de outros como desporto e atividades comunitárias, ginástica e dança. Os espaços físicos existentes foram redimensionados e novos espaços precisaram ser construídos devido à demanda na oferta de vagas e o atrelamento do Curso de Fisioterapia e dos Programas de extensão entre outras demandas da FEFF-UFAM”.*

*Texto retirado da tese de doutorado “A produção do conhecimento em educação física gerado pelas dissertações e teses de docentes da FEFF-UFAM: 1981 a 2014”. Sheila Moura do Amaral. Manaus – AM, 2019. (pág. 49, 77, 78,79).

Equipe no aeroporto de Dakar. Zagreb, julho de 1957. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Amazonas Ganha 36 Professores de Educação Física

Foi com esta chamada de capa do jornal A Notícia publicado no sábado 27 de janeiro de 1973. Os formandos da época foram:

“… Tereza Torres, Maria Auxiliadora T. Luiz, Maria Auxiliadora Espinoza, Fátima Conceição Mota, Maria Eloy Neves Araújo, Rossicler Marques, Léia da Silva Correa, Guiomar Castro Pinto, Marília R. de Omena, Artemis Soares, Neide do Vale Miranda, Naila T. de Oliveira, Rosehelene Fontoura, Maria Madalena Neta, Kay V. de Queiroz, Izabel de Oliveira, Tereza Gaston, Maria Auxiliadora Câmara, Orfila Fortes, Namir Dantas Pio, Maria Luiza Meninéa, Marivalda Maquiné, Maria Ocimar T. de Sena, João F. de Oliveira, José Alberto Alves Barbosa, João de Oliveira, Valverde Barbosa de Araújo, José da Costa Cordeiro, Raimundo Nonato Santana, Antonio Petrucio Filho, Dimas Henrique de Souza, Reinaldo Tompson, Luis Geraldo P. Teixeira, Luiz Carlos Mestrinho e Roberto Lima Mesquita.

O jornal A Noticia da época ainda destacou as homenagens, de honra ao mérito, Emílio Garrastazu Médici Presidente da Republica, engenheiro João Valter de Andrade Governador do Estado, General Argus Lima Comandante Militar da Amazônia, Doutor Frank Abrahim Lima Prefeito Municipal, professor doutor José Maria Cabral Secretário de Educação e Cultura, Dom João de Souza Lima, Arcebisbo Metropolitano, Coronel Jorge Teixeira de Oliveira Comandante do Colégio Militar”.

Equipe brasileira e sua técnica, professora Ilma Penker. Zagreb, julho de 1957. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

Homenagem Especial

Professor Doutor – Aderson Pereira Dutra Magnífico Reitor, Professor Doutor – Raymundo Abdon Said Diretor da Faculdade de Filosofia, Professor – João de Oliveira Coordenador do Curso de Educação Física.

Honra ao Mérito

Professor – Guilherme Pinto Nery, Professor – Iráclito Chaves Garcia, Professor Doutor – Jauary Guimarães de Souza Marinho, Professor – José Maria de Castro Araújo, Professor – Valdir de Oliveira.

Homenagem aos Mestres

Ana Luiza dos Anjos Silva, Arlindo Ruben Smith Frota, Elizabeth Maria Santana Honda, Francisco Marcelino Malheiros, Freida de Souza Bitencourt, Guilherme Pinto Nery, Hélio Bettero, Iracema Chaves Garcia, João de Oliveira, José Bernardes Sobrinho, José Carlos Vaques Rodrigues, José Maria de Castro Araújo, João Chrysóstomo de Oliveira, José Maria Teixeira, Juarez Gonçalves de Góes, Juarez Klinger do Areal Souto, Kleide Campostrini, Maria Ida Barreto, Marlene Lopes Furtado, Nilton Silveira Corrêa, Octávio Hamilton Botelho Mourão, Paulo Emílio Frossard Jorge, Saint Clair Abel Fontoura, Simei Ribeiro Billio, Raul Iguaguara de Miranda e Waldir Oliveira.

Homenagem aos Administrativos

Dra. Aury Goés da Silva Matheus, Almir Gomes, Adelton Damasceno Passos, Arnaldo Santana Rosa Filho, Célia Pinheiro Costa, Edilson Erasmo Frota, João da Silva Elias, Lizete Alves Pimentel, Maria da Graças Fernandes da Rocha, Maria de Lurdes Nascimento, Sidney Mafra Tavares, Walmik Rodrigues da Costa, Walter Oliveira, Marlene Bandeira Gomes.

Homenagem In Memorian

Augusto Francisco Monteiro.

*Publicação do Jornal A Notícia. Manaus, 27 de janeiro de 1973. Acervo de Maria Luiza Maués Meninéa.

Confraternização de brasileiras e filandeses. Zagreb, julho de 1957. Foto: Abrahim Baze/Acervo pessoal

As brasileiras brilharam em Zagreb

Afirmaram Bismark certa vez, que o importante não é escrever a história, é indispensavelmente fazê-la. Os homens e mulheres que buscaram caminhos na busca de seus sonhos e concluíram por ter êxito em suas histórias tiveram como principais atributos a coragem e o espírito para suas possíveis aventuras. Maria das Graças Meninéa, que bem mais tarde casou-se com o General Mário Vergueiro Silveiro, acreditou nos seus sonhos e projetos do curso de Educação Física, que na época, ainda não era uma realidade em Manaus. No entanto, e, sobretudo, ela acreditou no seu sonho e no seu projeto de vida, principalmente movida pelos seus ideais.

A maior herança desses espíritos esclarecidos é o exemplo que ela deixou para toda sua família, muito especialmente para seus parentes mais jovens, até porque casou-se, mas não trouxe filhos ao mundo.
Seu amor pelo esporte e pela Educação Física foi sem dúvida a ilustrativa capacidade de superação e realização como desportiva, esposa e professora. Ela venceu a cidade grande desconhecida, a cidade maravilhosa superou seus próprios limites e construiu uma história edificante e vitoriosa. Deixou Manaus sua terra natal movida pelo desejo de conquista e de esperanças e ali fincou o seu nome na história do esporte nacional.
Fez de sua liderança e carisma a sala de aula, fato que a credenciou junto a seus pares da época o respeito e admiração de todos. Como narra o jornal da época Correio da Manhã publicado no Rio de Janeiro, sexta-feira, 16 de agosto de 1957.
Fato histórico ocorrido na Iugoslávia e na Áustria, inclusive em jornais desses países.

Revista Esporte por Esporte. Ano 1. N. 4. Junho de 1996. Pagina 18.


Texto retirado da tese de doutorado “A Produção do Conhecimento em Educação Física Gerado Pelas Dissertações e Teses de Docentes da FEFF-UFAM: 1981 a 2014”. Sheila Moura do Amaral. Manaus-AM, 2019 (pagina 49, 77, 78, 79).

Publicação do Jornal A Noticia. Manaus, 27 de janeiro de 1973. Acervo de Maria Luiza Maués Meninea.

Sobre o autor

Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista


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