Fortaleza do Abunã, um pequeno povoado a 275 quilômetros de Porto Velho, a partir dos anos 70 tornou-se uma atração turística do verão amazônico.
A família Benchimol que, embora tivesse casa em Porto Velho, estava localizada na Fortaleza do Abunã e naturalmente sofrendo as agruras de um período difícil, como relata o autor Jacques Marcovitch na sua obra A Saga do Desenvolvimento do Brasil:
Na Amazônia da década de 1920, durante uma temporada de malária brava no rio Abunã, um dos formadores do Madeira Mamoré, todos os dias da semana um seringueiro chegava ao hospital da Candelária, pertencente à Estrada de Ferro Madeira Mamoré, carregava nos braços um menino judeu, enfraquecido demais para caminhar sozinho.
No hospital, o menino recebia as injeções de quinino que acabariam por salvá-lo. Chamava-se Samuel Benchimol e anos mais tarde dedicaria a sua primeira tese universitária aos seringueiros da Amazônia, em sua maioria nordestinos, recolhendo centenas de depoimentos sobre as razões que os levaram a migrar para a Amazônia. ¹5
15 MARCOVITCH, Jacques. A saga do desenvolvimento no Brasil. Volume 3. São Paulo. Editora da Universidade de São Paulo, Saraiva, 2007. Pág.: 233.
A história nos revela que as primeiras famílias judias aportaram na Amazônia em meados de 1820. Depois de testemunharem tanto sofrimento no Marrocos, optaram pelo Brasil tão somente pela facilidade da língua. De fato, como já foi dito, falavam hakitia, um dialeto ibero-judaico-marroquino e, naturalmente pela sua permanência na Espanha e Portugal, conheciam os dois idiomas. Falavam também o hebraico e francês, pois frequentaram a Escola Aliança Israelita Universal, que existiam nas principais cidades marroquinas.
Esse núcleo populacional tinha sido criado desde o final do século 17. De fato, não surgiu por conta da construção da Madeira Mamoré ou também pelas Estações Telegráficas da Comissão Rondon. Mas serviu principalmente como ponto de apoio para ambos os projetos. Vale ressaltar que sua transformação em município teve parte principal a construção da ferrovia e a estação da linha telegráfica. Segundo o autor Francisco Matias na sua obra Pioneiros – Ocupação Humana e Trajetória Política de Rondônia, sua transformação em município teve como fator principal as duas referidas obras em razão de sua importância como um dos dois pontos extremos da linha telegráfica. Ainda segundo o mesmo autor, era uma povoação antiga pertencente ao Mato Grosso, que foi transformada em município pelo Governador mato-grossense Generoso Paes Leme de Souza Ponce, pela Lei n.º 494, de 3 de junho de 1908. O povoado sede do município foi elevado à categoria de Vila, em 27 de setembro de 1911, pelo Decreto-Lei n.º 576, promulgado pelo governador da época, Joaquim Augusto da Costa Marques, de Mato Grosso.¹
¹ MATIAS, Francisco. Porto Velho. Pinheiro Editora Maia Ltda, 1997. Pág.: 67
Fortaleza do Abunã
O Jamari e o Machado, cujos afluentes e serras se interligam, foram na época ótimos produtores de látex. Levas de nordestinos, desiludidos das secas do sertão nordestinos, venceram as cachoeiras do Madeira e foram erguer suas taperas nos grandes seringais do alto Madeira, nos quais entravam no começo das safras, de inverno a inverno.
Curtindo febres e procurando dominar o isolamento, desbravaram seringais em terras inóspitas. Nesse processo, desenrolaram-se dramas em rincões exuberantes, onde não faltavam a fome e as enfermidades. Na época, não havia um plano sistemático e de estímulo para a agricultura, os gêneros alimentícios eram transportados de outras localidades, oscilando na base dos produtos extrativos ou das dificuldades de importação.
Nessa ocupação da terra em Fortaleza do Abunã, convém notar que no extraordinário os limites do território não são dados pela terra em agricultura, mas, sim pela sua extensão. O que mais importa no extrativismo é que a terra possa conter quantidades mais ricas e abundantes de bens naturais, ou seja, a seringueira. Esse princípio pode ser observado tanto com relação as drogas do sertão no período colonial, como relação à borracha em épocas mais recentes.
Fortaleza do Abunã em 1930. Fonte: BENCHIMOL, Alice. Memória fotográfica da família Benchimol.
De fato, deve ser notado que a existência de reservas ricas e bens naturais foram por assim dizer, um fator importante no alargamento desse território e naturalmente na formação de núcleos populacionais, em especial de estrangeiros e que o látex foi muito importante.
Vale salientar que o seringueiro sempre esteve em busca de estratégias e meios que tornassem viáveis a exploração econômica da floresta. Outro fato importante é que a riqueza existente no interior da densa floresta apresentava-se de forma natural, irregular e literalmente dispersa, o que determinava o acesso à floresta com enormes dificuldades.
Fortaleza do Abunã, um pequeno povoado a 275 quilômetros de Porto Velho, a partir dos anos 70 tornou-se uma atração turística do verão amazônico. Houve um tempo em que os únicos meios de transportes na Amazônia eram os aviões, que atendiam pouquíssimas cidades, a Estrada de Ferro Madeira Mamoré, que ligava Porto Velho a Guajará-Mirim, em Rondônia e os barcos que serpenteavam pelos caminhos tortuosos de nossos rios. Tempo dos seringais e dos castanhais. Imensas áreas de terras que foram, na época, dominadas pelos seringalistas.
Naquela época, as dificuldades eram grandes, as mercadorias eram levadas de Porto Velho para a Vila de Abunã pela Estrada de Ferro Madeira Mamoré. De Abunã, as mercadorias eram transportadas em batelões pelo rio Abunã até a cidade de Plácido de Castro e, dali para Rio Branco ou para os seringais bolivianos e brasileiros mais acima.
Entre as curvas do Rio Abunã, entrelaçada entre pedras a natureza formou uma barreira natural, uma fortaleza que impedia a navegação naquele trecho do rio. Ali parada obrigatória de todos os navegantes, surgiu então, um povoado que se transformou numa importante vila comercial. Assim, fora a época Fortaleza do Abunã, berço de tradicionais famílias de seringalistas e importantes personalidades da região.
Após o final do ciclo do látex e com o desaparecimento dos seringalistas e a chegada da rodovia que passa muito próxima da sede, Fortaleza do Abunã perdeu sua importância, tendo sua população reduzida, entretanto naturalmente a região não perdeu seu encanto. A vocação turística de Fortaleza do Abunã e sua história está impregnada na admiração dos rondonienses e outros visitantes que se encantam pela sua variada topografia. O autor José de Anchieta Santos Correia da Universidade de Rondônia assim destaca Fortaleza do Abunã.
Fortaleza do Abunã é um vilarejo localizado no Distrito de mesmo nome, no município de Porto Velho, Estado de Rondônia. Como cenário encontra-se um vilarejo de 12 km², que tem uma paisagem campestre no seu entorno, seguida de áreas destinadas à agropecuária, intercaladas por trechos remanescentes da floresta Amazônica. Insere-se nesse ambiente uma comunidade com aproximadamente 380 habitantes, integrada por migrantes do próprio estado e outras regiões do país. A população, na sua maioria convive com suporte econômico insipiente e traços culturais heterogêneos. Esse quadro é enriquecido pela presença do Rio Abunã, onde se forma uma praia de areia branca no período da estiagem, tanto do lado brasileiro, tanto do lado boliviano.
O problema ocorre quando a população recebe um vetor social-econômico e ele estranho, nesse caso, o turismo. Os problemas e as soluções propostas foram apreciados numa oficina de sensibilização comunitária realizada no próprio vilarejo, visto que a opção metodológica foi o da pesquisa. No final, são apresentadas sugestões para adoção de um modelo de convívio capaz de privilegiar a comunidade e os recursos naturais, se o turismo for explorado de forma sustentável.²
² CORREIA, José de Anchieta Santos. Fortaleza do Abunã, a comunidade e o turismo: perspectivas de um vilarejo diante da atividade turística com desenvolvimento sustentável, 2006. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente) – Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente, UNIR, Porto Velho, 2006. Orientador: Carlos Santos.
Sobre o autor
Abrahim Baze é jornalista, graduado em História, especialista em ensino à distância pelo Centro Universitário UniSEB Interativo COC em Ribeirão Preto (SP). Cursou Atualização em Introdução à Museologia e Museugrafia pela Escola Brasileira de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas e recebeu o título de Notório Saber em História, conferido pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É âncora dos programas Literatura em Foco e Documentos da Amazônia, no canal Amazon Sat, e colunista na CBN Amazônia. É membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), com 40 livros publicados, sendo três na Europa.
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