Foto: Divulgação/UFMA
Historicamente, o cultivo de uvas é tradicionalmente relacionado a regiões de clima temperado ou semiárido, como o Vale do São Francisco no nordeste do Brasil. No entanto, na Amazônia Legal, esse tipo de cultivo tem ganhado força, com avanços que sinalizam um potencial na fruticultura regional.
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Em uma iniciativa destacada no Maranhão, o Instituto Federal do Maranhão (IFMA) Campus Caxias, na cidade de Caxias (Distante 367 quilômetros de São Luiz), onde está uma região de transição entre os biomas do Cerrado e da Floresta Amazônica, está liderando um relevante avanço no cultivo da fruta.
É o que aponta o estudo ‘Cultivo de uvas no Maranhão: IFMA Caxias desenvolve protocolo de produção de mudas’, projeto que busca “viabilizar a introdução da viticultura comercial e fomentar a fruticultura regional”.
O trabalho abrange produção de mudas em laboratório, casa de vegetação e campo experimental, com cultivares de copa em combinação com três porta-enxertos diferentes, além do manejo fitossanitário adequado para controle de pragas como a Xanthomonas campestris pv. vitícola, causadora do cancro bacteriano da videira.
De acordo com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) na Amazônia Legal, esse tipo de iniciativa representa pioneirismo, considerando as restrições ambientais, o clima predominantemente equatorial e a ausência de tradição vitícola na região.
O órgão destaca ainda que cultivo de uvas nessa área requer adaptações específicas, incluindo seleção de variedades resistentes e protocolos de manejo adequados às condições locais.
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Desafios agronômicos e adaptações regionais
De acordo com o estudo do IFMA, diversos fatores limitam a adoção do cultivo de uvas na Amazônia Legal. A diversidade climática da região implica alta umidade, chuvas intensas e solos frequentemente pobres em fósforo e matéria orgânica. Estudos diversos que embasaram a pesquisa destacam que sobre a produção de uvas orgânicas no Brasil há um grande desafio em se cultivar uvas sem agrotóxicos, uma demanda que exige amplo conhecimento técnico, tempo, infraestrutura e apoio institucional — elementos escassos em regiões não tradicionais de viticultura.
Adicionalmente os autores destacam, as normas federais para a Agronomia têm avançado. A Instrução Normativa nº 21, em vigor desde julho de 2024, estabelece requisitos técnicos para a produção integrada de uvas em processamento, com foco na redução de insumos e maior rastreabilidade. Esse tipo de regulamentação oferece suporte para práticas mais sustentáveis, ainda que sua adoção na Amazônia Legal esteja apenas em fase inicial.

Outro ponto de atenção refere-se ao elevado custo das mudas e à dificuldade de aquisição em grandes volumes, como destacou o coordenador do projeto no Maranhão. “A obtenção de mudas para a implantação de parreirais em níveis comerciais no Maranhão é um grande desafio, não só pela dificuldade de contratar grandes volumes, mas também pelo elevado custo, que impacta diretamente os agricultores”, explicou. Para superar esse obstáculo, o IFMA trabalha no desenvolvimento de um catálogo com os principais agentes patogênicos e orientações sobre manejo adaptado às condições locais.
Alternativas regionais: a uva-da-Amazônia
Paralelamente à introdução de espécies como Vitis vinifera, pesquisadores da região têm valorizado espécies nativas com características semelhantes às uvas. O mapati, conhecido popularmente como “uva-da-Amazônia”, tem despertado interesse científico e comercial. O fruto apresenta polpa suculenta, sabor adocicado e é rico em minerais como cálcio, fósforo e potássio.
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Estudos feitos por órgãos como a Embrapa e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) indicam que o mapati pode ser cultivado em áreas com solo bem drenado e adubação orgânica, características que se adaptam melhor ao clima tropical úmido da região da Amazônia. Além do consumo in natura, pesquisas exploram seu uso na produção de vinhos, geleias, chás e até cosméticos, ampliando o potencial de aproveitamento dessa espécie nativa.
Em 2022, pesquisadores do Amazonas e de São Paulo desenvolveram um vinho tinto a partir do mapati. O produto experimental demonstrou viabilidade tecnológica e destacou-se pela cor intensa e aroma característico. A pesquisa que teve o fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam) mostrou que a biodiversidade amazônica pode fornecer alternativas sustentáveis para diversificação da fruticultura regional, valorizando espécies locais com potencial econômico.
Sob a coordenação do doutor em Fitotecnia-Horticultura, Valdely Ferreira Kinupp, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (Ifam); e da doutora em Ciências de Alimentos Gláucia Maria Pastore, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os mapatis usados no estudo foram coletados em Manaus e nos municípios de São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga.
Segundo Kinupp, pesquisas sobre as plantas alimentícias não convencionais (PANC) frutíferas da Amazônia podem permitir elevados impactos e variados desdobramentos ambientais e econômicos, que vão desde a contribuição para conservação da natureza até estimular a produção de diferentes alimentos não conhecidos e consumidos pela maioria da população.
“Selecionamos essas plantas com potencial para o preparo de bebidas alcoólicas e não alcoólicas, fermentadas, vinhos, cervejas, chás, hidroméis, eventualmente geleias ou outros produtos. E, assim, fazer a caracterização química de espécies das PANC da Amazônia”, explicou.
Panorama da viticultura adaptada à Amazônia
Comparativamente, o Brasil hoje concentra sua produção vitícola em regiões como o Rio Grande do Sul e o Vale do São Francisco, que juntos respondem por quase toda a produção de uvas para consumo do país e também para exportação. Essas áreas contam com condições climáticas mais favoráveis, infraestrutura consolidada e forte presença de tecnologias de irrigação
Na Amazônia Legal, as condições são distintas, exigindo inovações no manejo cultural e adaptação das variedades cultivadas. No Maranhão, os experimentos do IFMA Caxias utilizam cultivares como BRS Vitória e BRS Núbia, combinadas a porta-enxertos desenvolvidos no Instituto Agronômico de Campinas. Os resultados iniciais são avaliados em blocos experimentais, com monitoramento de estresses hídricos e nutricionais para compreender a resposta da videira em solos de baixa fertilidade.
O projeto também prevê a elaboração de um calendário de podas baseado no Zoneamento Agrícola de Risco Climático, a fim de orientar agricultores sobre os períodos mais adequados para cada etapa do cultivo. Esse conhecimento técnico é fundamental para reduzir riscos e aumentar as chances de êxito no cultivo de uvas na região.

