Habeas Mentira

O ex governador Plinio Ramos Coelho, cunhava a expressão “ensancha oportunosa”, ou seja aqueles que se aproveitavam da oportunidade de alguma maneira. O mensalão foi uma dessas, por mais que isso desconcerte e machuque, é enganoso imaginar que essa erva daninha, batizada em tempos mais recentes com nome de ‘mensalão’, é coisa apenas dos desconcertantes tempos de agora. Não é. Ela, na verdade, é tão velha, como prática repulsiva, que carece ser extirpada da nobre atividade política, quanto a Serra da Canastra. Qualquer estudioso da política pode chegar bem longe nas conclusões, mesmo recuando algumas décadas, em pesquisa que promova a respeito desse desavergonhado procedimento adotado por alguns no trato dos recursos públicos. 

Se contentar com avaliação que abarque apenas duas dezenas de anos, se deparará, logo de cara, com aquele estrondoso esquema de corrupção que levou ao impedimento do próprio presidente da República. Não se dorme um dia no País sem que se acorde no seguinte com nova denúncia sub oculis. O denuncismo tomou conta da nossa paciência e, depois que os acusados descobriram que aqui também existe a denunciação premiada, todos têm que pedir a proteção legal para mentir mais um pouco. Só quero lembrar a cada um e a todos que denunciação é faca de dois gumes: se a denúncia for falsa ou não servir ao interesse da apuração, a cana é segura, pois a lei prevê pena. Até condenados a quarto de século de cadeia pretendem os favores da lei. 

Foto: Reprodução/Shutterstock
E a presunção da verdade onde fica em uma declaração do condenado ou acusado? Aliás, valha-me Santa Bárbara: que exibição ridícula tem sido vista de gente sem a menor capacidade intelectual. Se bem que a televisão tenha mostrado honrosas exceções (parlamentares de muito bom gabarito), outros, coitados, são patativas repetitivas, que nada criam, não raro pretendendo apenas projetar-se com discursos insossos e descabidos. A tevê está prestando relevante serviço ao sistema, aproximando os parlamentares dos eleitores e permitindo que se identifiquem valores. 

Nesse festival de cinismo em que se transformaram inúmeros depoimentos graças à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), concedendo habeas corpus, logo transformados em ‘habeas mentiras’, pouco se tem aproveitado para o êxito final das investigações, As CPIs, pelo que vejo, vão ter que se sustentar só em documentação, porque os depoimentos não ofereceram nada. E não vão oferecer, porque qualquer pernilongo que por lá apareça intimado já chega municiado de um “habeas mentira”, o que torna inviável conseguir qualquer coisa. Além disso, o habeas assegura aos depoentes não se auto-incriminarem, embora estejam obrigados a responder quando as perguntas se referirem a terceiros. 

O habeas não acoberta o direito à negativa universal, como se tem visto. O que me preocupa é que, com isso, o Legislativo parou. Mas, o Executivo também parou. O tal gabinete da crise se reúne apenas para tomar conhecimento da denúncia do dia. Pouco tem-se alcançado, porque, afinal, o presidente continua fazendo discursos que nada esclarecem e nada somam para aliviar a crise. Chega de sonhar com lideranças efêmeras. O bicho está roncando é aqui mesmo.
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