Sua autocobrança o trouxe até aqui e ela precisa ser valorizada. Ninguém chega muito longe sem ela. Mas Roberto quer e pode ir muito além.
Roberto é uma ótima pessoa. É correto, possui valores consistentes, procura ser coerente entre o que fala e o que faz. Roberto é uma pessoa confiável. É uma boa companhia. Para os outros, ele é uma boa companhia. Mas Roberto parece não ser uma boa companhia para si mesmo.
Quando ele está com ele mesmo, quem fala normalmente é o que Thimothy Gallwey chamou de Self 1. Gallwey é autor do livro ‘O Jogo Interior do Tênis’. Neste clássico, ele relata que, como treinador de tênis, observava que frequentemente seus alunos davam broncas em si mesmos, cobrando, xingando ou dizendo algo como “você não pode errar esta bola”. Na maioria das vezes, estes diálogos eram seguidos de más jogadas, abaixo do desempenho médio deles.
Para Gallwey, o jogo mais difícil para os seus alunos se dava em seu interior. O tal Self 1 era o agente crítico, cobrador, exigente. Ele se contrapunha ao que o treinador chamou de Self 2. Observou que quando o Self 2 estava livre das cobranças e vigilância do Self 1, a performance dos alunos melhorava muito. Desenvolveu então técnicas para manter o Self 1 distraído (uma delas era o jogador observar a costura da bola, por exemplo), enquanto o Self 2 estava livre para fazer o seu melhor.
Como treinador, Gallwey, contrariando o que a técnica recomendava, diminuiu o volume de instruções e apostou na demonstração visual. Alguns de seus alunos tornaram-se campeões, e o próprio Gallwey, antes um modesto jogador, chegou a disputar finais de campeonatos. A técnica foi empregada com sucesso no golfe, no ski, nos basquete, em vários esportes, até chegar ao mundo das empresas e da vida em geral. Ele é considerado como o pai do coaching moderno.
Com a evolução da neurociência, sabe-se hoje que possuímos um conjunto de milhões de neurônios, o sistema límbico, responsável pela sobrevivência de nossa espécie até aqui. É o que comanda o “ataque ou corra” e que é extremamente eficaz quando estamos em perigo. Adrenalina e outras substâncias são produzidas para nos colocar em posição de enfrentar um inimigo mortal ou fugir de um dinossauro gigante. É o mesmo sistema que hoje atua quando trememos em uma palestra em público, mesmo quando dominamos o assunto ou quando temos um branco em uma entrevista de emprego. Como o Self 1, ele é extremamente crítico. Sua missão é nos fazer sobreviver e não explorar o nosso potencial. Não é sua missão nos fazer feliz.
Quando não estamos no modo “sobrevivência”, podemos usar melhor nossos talentos e competências. Quem assume o comando é o córtex frontal. São produzidas substâncias como a dopamina e a ocitocina, dentre outras. Elas nos ajudam a enxergar oportunidades nas adversidades, a vivenciar a experiência, a confiar no universo e na nossa própria capacidade. Neste estado, somos capazes de receber inspirações, fazer conexões que produzirão insights e a sermos mais generosos conosco. É o Self 2 atuando. Podemos dizer que, quanto mais vezes estivermos neste estado, mais nos aproximaremos da felicidade.
Sobrevier é essencial. Ser feliz é o objetivo maior do ser humano.
Mas voltemos ao Roberto. Sua autocobrança o trouxe até aqui e ela precisa ser valorizada. Ninguém chega muito longe sem ela. Mas Roberto quer e pode ir muito além. Para isso, ele reconhece que precisará dar espaço ao seu potencial maior, confiar, ser feliz. Valorizar suas forças, talentos e conquistas pode ser o primeiro passo. Roberto quer transformar o tênis do Self 1 e Self 2 em um jogo de frescobol, baseado em cooperação. Roberto pode se tornar uma ótima companhia para si mesmo.
E você? Você se considera uma boa companhia para você mesmo?
Sobre o autor
Julio Sampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.
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