Prestando contas ao Mestre

Ele ouviu silenciosamente, pareceu refletir um pouco e disse me olhando seriamente: “Acho muito bom. Por favor, o senhor mesmo realize isto. Peço que aceite isso como uma missão”.

Por Julio Sampaio de Andrade – juliosampaio@consultoriaresultado.com.br

Ele chegou ao Brasil muito jovem e não falava uma única palavra em português. Trazia escrito apenas um nome e endereço para procurar no Rio de Janeiro. Chegou à noite e iria fazer isto no dia seguinte. Cansado de uma viagem de vários dias, recostou-se em uma praça em Copacabana, aguardando amanhecer. Acordou já com o sol forte e constatou que haviam levado a sua única mala, com todos os seus pertences. No bolso, ainda restava o papel amassado, com o endereço. Por sorte, estava há algumas quadras e não foi difícil chegar no local, com a ajuda das pessoas pelo caminho. Ainda era o início dos anos sessenta e a única maneira de buscar um endereço era pelos guias impressos ou perguntando às pessoas que encontrasse. Para ele, só havia a segunda alternativa, fazendo uso de mímica e do papel amassado.

Era um bar com mesas de jogos e frequentadores estranhos. Ainda assim foi recebido bem e deram-lhe um quarto para dormir e um prato de comida. Todo o resto deveria ser por sua conta, fosse lá o que ele viera fazer no Brasil.

Seu trabalho era bater de porta em porta pelas redondezas e oferecer uma oração estranha a quem estivesse sofrendo. Algumas semanas se passaram sem que ninguém a aceitasse. As pessoas ficavam desconfiadas e, amedrontadas, batiam a porta, antes que ele conseguisse comunicar alguma coisa.

Uma primeira oportunidade foi oferecida e, com ela, o que foi considerado um milagre, a recuperação de uma criança desenganada pela medicina. Outros casos vieram e, com isso, tornou-se conhecido, até que, com doações dos beneficiados, conseguiu se estabelecer na Zona Norte do Rio. A partir daí, formavam-se filas diárias para receber a tal oração, uma transmissão de energia, que purificava o espírito e curava doenças e outros tipos de sofrimentos.

Aos poucos, foi formando discípulos e servidores. Embora a comunicação fosse difícil, era possível aprender com o jovem a quem chamavam de Professor. Outros queriam apenas servi-lo, como um ato de agradecimento. Até a limpeza do banheiro do local era disputada, como um privilégio. Lembro de ainda pequeno ouvir a família de minha mãe criticar o meu avô: “Não é que ele sai cedo, quase de madrugada e ainda briga para limpar o banheiro do japonês?” Ninguém da família sabia quem era o tal japonês e continuaram sem saber, pois em uma destas disputas pela limpeza, meu avô, explosivo que era, disse que não voltaria mais lá.

Passaram-se anos, o tal jovem era agora um sacerdote, reconhecido como líder de centenas de milhares de pessoas no Brasil e em outras partes do mundo. Meu avô, no hospital, nos seus últimos dias de vida, sem enxergar e tentando reagir à doença, exclamou em um momento de lucidez, quando recebia uma oração: “era essa a reza do japonês! Estou sentindo. Era essa a energia”. Meu avô partiu logo depois.

Outros anos passaram-se, e eu, sem ligar os pontos, tive oportunidade de participar de um encontro com este homem, junto com um seleto grupo de convidados. Ele falava sobre o seu ideal de promover felicidade para um maior número de pessoas, sem restrição de nacionalidade, raça, credo religioso ou de qualquer tipo. Falava do quanto a ciência estava se aproximando da espiritualidade e de estudos científicos que estavam ocorrendo nos Estados Unidos e na Europa. Seus olhos brilhavam e envolviam a todos nós naquela visão, que agora era nossa também.

Humildemente, levantei a mão e fiz uma pergunta. Se não seria válido seguir por tal caminho e tentar promover tais ações, visando estimular práticas que expandissem a construção da felicidade. Ele ouviu silenciosamente, pareceu refletir um pouco e disse me olhando seriamente: “Acho muito bom. Por favor, o senhor mesmo realize isto. Peço que aceite isso como uma missão”.

Este encontro ocorreu há vinte e três anos. Quando busquei encontrar a minha missão maior, reconheci que ela abrangia a missão me atribuída por ele, o que me faz tentar cumpri-la continuamente.

Ele já não está por aqui, mas, com gratidão, sinto que preciso prestar contas ao mestre, dizendo que, entre trancos e barrancos, e com vários companheiros de jornada, estamos avançando na construção consciente da felicidade. Sabemos que o mundo precisa.

Sobre o autor

Julio Sampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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