Para preservar é preciso mudar

É preciso coragem para mudar. E para não mudar? É possível não mudar? O que teria acontecido com Ricardo se a decisão consciente ou inconsciente fosse a de manter-se no controle, apegado, desgastando energias desnecessariamente? Para onde a vida teria o levado?

Ricardo já era uma pessoa bem-sucedida. Com quarenta e poucos anos, era sócio de uma empresa que vinha muito bem. Antes disso, Ricardo fizera carreira como executivo, tendo começado por baixo e galgado boas posições, por duas ou três empresas por onde passou. Ocupava uma gerência quando recebeu convite para ingressar como sócio no negócio, onde era agora um dos diretores. Vivia bem com a mulher e com o filho, embora não conseguisse dedicar muito tempo à família. Ela entendia isso e o garoto ainda era pequeno para reclamações mais contundentes da ausência do pai. 

Ricardo trabalhava muitas horas por dia, inclusive, nos finais de semana e pensava que este era o preço a pagar. No trabalho, nas corridas ou no montanhismo, o que o levara até ali fora a persistência, a dedicação intensa e a busca permanente pela perfeição. Esta era uma marca do Ricardo, conhecida pelas pessoas que o cercavam e, especialmente, pelos seus subordinados. Eles a sentiam na pele e chegavam a ter medo de Ricardo, que insistia que as coisas precisariam ser feitas de seu jeito.

Um dia Ricardo foi questionado em um processo de autoconhecimento: “Você quer que o fulano atravesse a rua de um jeito, mas ele vai atravessar de outro e vai chegar do outro lado de qualquer maneira. Vale a pena você controlar o jeito com que ele vai atravessar a rua?”. Ricardo sorriu, não chegou a responder, mas a questão não saiu de sua cabeça durante algum tempo. Estaria ele sendo excessivamente controlador? Isto poderia estar dificultando a montagem de uma bom time, com pessoas a quem poderia confiar e delegar? Vinha reclamando sempre da equipe e lamentava estar só, tendo que decidir e acompanhar tudo. Seria ele mesmo o grande responsável?

Foto: Reprodução/LinkedIn

Passaram-se quatro anos e Ricardo hoje é alguém visivelmente mais leve, que desfruta das horas de trabalho, dentro e fora da empresa. Às vezes, marca reuniões em um bom café da cidade. Às vezes, degusta o café sozinho, em reuniões consigo mesmo, criando espaços criativos para projetos e inovações. Consegue assim sair do urgente e enxergar o importante à frente, prevendo necessidades que virão para a sua área ou para a empresa, pelo crescimento acelerado que vem acontecendo. Neste período desenvolveu três ou quatro líderes que, cada um a seu jeito, tocam a área e participam das principais decisões. Ao invés de temor, é perceptível que o sentimento que eles e a equipe nutrem pelo Ricardo é de admiração, num exemplo de liderança autêntica. Ricardo hoje trabalha menos horas, segue com as corridas e com o montanhismo, programa viagens e dedica mais tempo para a família.

Não, Ricardo não passou por uma tragédia, uma grande perda ou um diagnóstico de uma doença grave para mudar. Outras pessoas podem ter passado por traumas que as impulsionaram para a mudança, mas não Ricardo. Uma reflexão sobre si mesmo o levou a desejar ser melhor do que já era. A persistência, a dedicação e a busca permanente da perfeição que levaram Ricardo para onde estava, foram depois canalizadas para a difícil decisão de mudar quando se está ganhando o jogo.

É preciso coragem para mudar. E para não mudar? É possível não mudar? O que teria acontecido com Ricardo se a decisão consciente ou inconsciente fosse a de manter-se no controle, apegado, desgastando energias desnecessariamente? Para onde a vida teria o levado? O que a vida exigiria de Ricardo, talvez, diante de uma crise pessoal, familiar ou profissional, por não promover as mudanças exigidas? Para preservar o que já conquistamos é preciso seguirmos abertos a transformações e não sermos impulsionados apenas pelas crises. Elas muitas vezes surgem porque não nos antecipamos a elas.

Para preservar é preciso mudar. Esta talvez não seja uma frase fácil de entender e, principalmente, de aplicar. Mas, como aconteceu com o Ricardo, pode nos provocar boas reflexões. E você, caro leitor, o que precisa mudar para preservar?

Sobre o autor

Julio Sampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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