Alguns deles poderão nos substituir em muitas coisas, mas não em tudo. Pelo menos, enquanto pudermos surpreender.
Quem relata o ocorrido é Renato Ricci, mentor e coach, um dos pioneiros da área no país. Em um dos eventos que organizou anos atrás, trouxe ao Brasil, Timothy Gallwey, autor do livro ‘O Jogo Interior do Tênis’ e considerado por muitos, pai do coaching, como hoje é praticado no mundo. Renato relembra o fato que foi testemunhado, na época, por uma das participantes do grupo ouvinte.
Era um público, talvez, de duzentas pessoas e havia uma grande expectativa na demonstração prática de Gallwey de uma breve sessão de coaching. O coachee (cliente) seria escolhido na hora, não se sabendo quem era e que questão traria. Estas indefinições aumentam as expectativas do público e certamente os riscos de que as coisas não ocorram conforme o esperado. Além de tudo, era o grande Timothy Gallwey, um ícone para a maior parte dos presentes.
O homem voluntário iniciou a sua explanação e relatou as dificuldades em concretizar seus planos, por procrastinação, insegurança, ou algo assim. Ele se estendeu na exposição, contou detalhes de sua biografia e exemplos de situações vividas. Gallwey apenas olhava para ele concentradamente, sem dizer uma única palavra, sem fazer nenhum questionamento poderoso, como era a expectativa da plateia e dos organizadores.
Em um determinado momento, surpreendendo e assustando a todos, Timothy Gallwey bate forte na mesa e grita: “Seu pai morreu…seu pai morreu”. O cliente desaba a chorar copiosamente, se recupera após alguns minutos, agradece e sai. A sessão estava encerrada. Parece que depois deste ocorrido, o cliente se libertou de amarras e conseguiu realizar o que pretendia.
De minha parte, ao ouvir este relato, pensei: onde está a técnica e o uso das competências de coaching? Se estivéssemos em um processo de prova para credenciamento profissional, o próprio Gallwey seria reprovado. Logo ele, criador da teoria e das técnicas que visam libertar as pessoas de interferências limitantes no uso de seu maior potencial. Seria isto uma contradição?
Entendo que sim e que não. Sim, se pensarmos na técnica como um direcionador absoluto. Que deve ser aplicada em qualquer situação, tornando-se assim, uma aprisionadora. Não, se entendermos que ela é um mensurador importante, que diferencia um profissional preparado de alguém que não o é. Que sendo algo que representa o acúmulo de conhecimento é, ao mesmo tempo, um sistema aberto, não apenas para evolução, mas também para a flexibilidade de aplicação. Algo que não dispensa o talento do ser humano, pelo menos, não quando pensamos em excelência em qualquer área.
O que diferencia um médico excepcional de um médico comum? Ou um professor, pianista, secretário, profissional de tecnologia, engenheiro, arquiteto, psicólogo, coach ou mentor? Em todas estas profissões existem técnicas que precisam ser estudadas, aprendidas e levadas a sério. Mas o diferencial acontecerá na esfera do talento, naquilo que faz de cada um de nós um ser único.
É o próprio Timothy que ensina: nosso desempenho é igual ao nosso potencial menos as interferências. Há as interferências externas, sob as quais não temos tanto domínio, e as internas, que costumam ser as mais cruéis. Medo, insegurança, autocobrança excessiva estão entre algumas delas. O tecnicismo em excesso também pode ser uma grande interferência, um bloqueador de talentos.
Não somos algoritmos. Alguns deles poderão nos substituir em muitas coisas, mas não em tudo. Pelo menos, enquanto pudermos surpreender, como Timothy Gallwey, e ousar ser reprovados em nossa própria área de domínio.
Sobre o autor
Julio Sampaio (PCC, ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livroFelicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.
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