Uma das maiores distorções referentes ao aproveitamento do tempo é a ilusão da multitarefa.
Uma das maiores distorções referentes ao aproveitamento do tempo é a ilusão da multitarefa. Alguns programas de desenvolvimento de competências nas empresas incluem a capacidade do profissional desenvolver várias atividades simultaneamente, aumentando assim a sua produtividade.
Os estudos mostram que isto não existe, que o nosso cérebro não funciona desta forma. Sim, podemos dirigir ou lavar pratos enquanto escutamos notícias ou até um audiobook. Para lavar pratos não precisamos de concentração mental, e atividades mais automáticas ficam por conta de sistemas periféricos, como os gânglios basais, que atuam na criação dos hábitos, economizando energia cerebral. Não conseguiríamos, porém, realizar duas ou mais atividades simultâneas que exigem concentração ou raciocínio. Estas funções são comandadas no córtex cerebral e não é possível este acúmulo.
A ilusão de que conseguimos ocorre pelo processo de interrupção, semelhante ao malabarista que pega um objeto de cada vez, enquanto um outro é lançado para o alto. Se dois deles descem simultaneamente, um cairá no chão. O trabalhador multitarefa interrompe o que está fazendo para fazer outra coisa, e outra, talvez outra ainda, retorna à inicial e faz o mesmo movimento inúmeras vezes. A cada retomada há um delay, uma perda de tempo e de energia, que não são visíveis. Os resultados são a perda de produtividade, a baixa na qualidade e, especialmente, o estresse.
O contrário disso é a concentração, o foco na atividade que permite a integração plena e até mesmo o estado de fruição, onde fazemos uso máximo de nosso potencial. Nestas circunstâncias, ganhamos produtividade e qualidade, além de felicidade. Nos estudos realizados por Abraham Maslow, e depois confirmados por Mihaly Csikszentmihalyi, não é o tipo de atividade em si que gera ou não a sensação de realização, mas a criação deste estado. Maslow denominou de experiências culminantes e Csikszentmihalyi as chamou de flow, que é como as pessoas costumavam descrevê-las nas pesquisas, fluir.
Assim, caro leitor, ao contrário do que afirma o senso comum, está ao alcance de um operário, de um vendedor, de um artista, de um médico, de uma bailarina ou de um contador o atingimento de maior felicidade e plenitude em seu trabalho, desde que sua energia seja canalizada com foco, ao invés de dispersa na ilusão de que é possível driblar o tempo.
Poderíamos seguir a lógica de que tempo é dinheiro. Em uma empresa é possível quantificar o valor financeiro de uma hora pelo salário médio e número de trabalhadores, mas é um raciocínio pobre, que não abrange a complexidade do tempo. Yoshi Okada, líder espiritual japonesa, afirma que “não há, nesta vida, coisa mais valiosa que o tempo. Dizem que tempo é dinheiro, mas realmente é muito mais do que isso”.
Para que pessoas e empresas sejam felizes é preciso que o fator tempo seja usufruído de maneira plena. Numa organização é necessário que o ser como um todo (acionistas, líderes e colaboradores) crie uma cultura de valorização e de relação saudável com o tempo. Isto é incompatível com a ilusão da multitarefa, do excesso de medidores que nada dizem, de ferramentas aceleradoras de estresse e da dispersão, tão comuns no mundo corporativo.
No livro Momo, o senhor do tempo de Michael Ende, um de seus personagens afirma: “Todo tempo não percebido pelo coração é tão desperdiçado quanto seriam as cores do arco-íris para um cego ou um canto de um pássaro para um surdo”. Perceber o tempo. Estamos fazendo isso nas nossas empresas e nas nossas vidas?
Julio Sampaio (PCC, ICF)
Idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute
Diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching
Autor do Livro: Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital), dentre outros
Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/