Estar presente e estar no presente

A jornada é mais importante do que a chegada. É na caminhada que estão os melhores frutos. Tal qual os peregrinos.

No último artigo abordei o quanto a ilusão da multitarefa afeta a qualidade do trabalho, os relacionamentos em todos os setores e a geração de stress. A pandemia nos empurrou ainda mais para o mundo digital e ali as tentações são ainda maiores. Estamos a um click de qualquer lugar, pessoa, assunto ou qualquer coisa. Tudo isso na palma das mãos e no anonimato das câmeras desligadas. Soma-se a isso a agravante dificuldade de concentração, a sensação de que o tempo está cada vez mais acelerado e a percepção de que estamos sempre devendo. Pronto. Temos aqui todos os ingredientes para nos sufocar e nos afastar, vale lembrar, de nosso objetivo: sermos felizes.

Tal lembrança parece chover no molhado, mas até que ponto? Se nos lembrássemos disso mais vezes durante o dia, talvez fizéssemos escolhas bem diferentes e buscássemos maneiras de nos defender dos “cantos da sereia”, que nos empurram para o lado oposto. É como funciona qualquer tipo de tentação. Vem revestida de prazer, charme e muitas vezes sustentadas por um discurso aparentemente lógico, do tipo “vai ser bom, que mal faz?”. É como já vimos em desenhos animados, o diabinho e o anjinho, nos puxando cada um para um lado.

Foto: Reprodução/Freepick

A tentação da multitarefa aparenta modernidade e produtividade e, quando o tempo parece insuficiente para tudo que “temos” que fazer, torna-se extremamente sedutora. Mas ela traz junto uma irmã, tão justificável quanto maléfica para a nossa felicidade, a ausência no tempo presente. A expressão parece estranha, mas é o que acontece. Nos ausentamos do tempo presente e assim nos ausentamos de nós mesmos, outra ideia estranha, mas real.

Satish Kumar, em seu livro Simplicidade Elegante, compara a caminhada dos peregrinos com a jornada da vida. Segundo ele, não importa o destino, mas o seguir adiante. “Para os peregrinos cada momento é um momento de celebração e não há nada do que se queixar”. Este momento não está no futuro e nem no passado. É no presente que podemos desfrutar de seu pleno sabor. Mas não é fácil estar no presente. O apego nos prende ao passado e a ansiedade nos lança ao futuro. Como celebrar este momento, se nem estamos aqui, nem no local, nem no tempo?

Todo trabalho pode ser pleno e trazer grande sentido de realização, por mais simples que seja. Aliás, como Steve Jobs afirmou, é preciso se esforçar para simplificar. Também destacou que a jornada é mais importante do que a chegada. Logo Jobs, que tantas bandeiradas e troféus de chegada recebeu, é também quem reconhece que é na caminhada que estão os melhores frutos. Tal qual os peregrinos.

Exemplo oposto é o de Fabrício (nome fictício), um amigo de muitos anos, desde quando éramos ambos muito jovens. Ele sempre foi brilhante e determinado. Unia o talento natural com o esforço. Empreendeu. Ganhou dinheiro, muito dinheiro. Estava sempre para fazer um novo negócio, um novo projeto. Não chegava a comemorar, pois quando as coisas aconteciam, Fabrício não estava mais lá. Alguns achavam que ele estava sempre insatisfeito. Mas não era isso. Ele simplesmente não estava mais no tempo, quando os frutos chegavam. Fabrício partiu cedo e não teve tempo para aterrissar no aqui e agora.

Sabemos da importância de sonhar, ter metas e projetar o futuro, mas precisamos reaprender a viver o presente. Neste sentido, como os peregrinos. 

Julio Sampaio de Andrade Mentor e Fundador do MCI – Mentoring Coaching InstituteDiretor da ResultadoConsultoriaAutor do Livro: O Espírito do Dinheiro (Editora Ponto Vital), dentre outrosTexto publicado no Port, Vestial Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog

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