As histórias de vida são sempre únicas, complexas e emocionantes. Quando são reais, seriam mesmo reais? O que nossa mente consegue registrar é apenas uma parcela do que ocorre ao nosso redor, e nossos filtros deturpam, em algum nível, a realidade. Dois irmãos, da mesma idade, podem relatar situações completamente diferentes, de uma mesma situação que vivenciaram juntos quando crianças. Ambas são reais, pois estão nas suas memórias. Tudo isto torna ainda mais interessantes as histórias reais das pessoas. Iniciamos hoje uma série delas, que podem seguramente ser ficção, mas que podem não ser. Estas histórias seriam ficção ou antificção? Se você, caro leitor, for um dos 14 que costumam acompanhar estes artigos, talvez possa chegar à sua própria conclusão.
Vou iniciar falando de José Carlos (os nomes serão sempre verossímeis), uma das figuras de maior preparo intelectual e diversificado que conheci. Seus estudos passavam por uma sólida formação acadêmica; prática na vida empresarial, como executivo que, desde cedo, ocupou altas posições em grandes empresas; prática de esportes de ação com bom desempenho; e vasta cultura internacional, tendo vivido no exterior. Ah, tinha também habilidades artísticas. Enfim, uma pessoa muito bem preparada para se destacar em nossa sociedade atual, em diferentes setores. Seu currículo era invejável e a sua figura presencial causava boa impressão.Tendo passado um pouco dos 50 anos, parecia alguns anos mais jovem. José Carlos era um personagem escrito para ser um vencedor.
Infelizmente, porém, exatamente neste período de vida, José Carlos passava por grandes dificuldades, que já duravam vários anos. Neste tempo, acabou por perder quase tudo que acumulara na vida, restando apenas o apartamento que ocupava sozinho, uma vez que separara havia tempos de sua mulher e filhos. Mesmo sem pagar aluguel, honrar com o condomínio, IPTU e despesas mínimas de um apartamento, tornara-se um desafio mensal, pois havia anos, José Carlos estava sem renda.Pequenas entradas daqui e dali, com pequenos serviços inimagináveis para ele, o mantinham de pé. Na sua própria história, José Carlos se via como um prisioneiro em uma cela (seu apartamento), que recebia um prato de comida, para o dia, mas mantendo-se preso e isolado. A esta altura, todo a sua network dos bons tempos fora acionada e, segundo as suas palavras, queimada.
Mas a o quê José Carlos atribuía este isolamento e a dificuldade de se recolocar, de prestar serviços de consultoria ou mesmo de empreender? Para José Carlos, era porque ele tinha cara de tubarão.
“O tubarão, mesmo morto, tem cara de mau e é assustador. O golfinho, mesmo morto, tem cara de bonzinho e todos acham uma gracinha”. Era assim que ele explicava a sua dificuldade da época (as causas do passado não estavam em questão). Ele tinha cara de tubarão.
Relatava casos em que alguma pessoa, por exemplo, depois de uma breve conversa dizia: “puxa, pensei que você fosse assim ou assado, mas agora vejo que você é um cara legal”. “Via você passando todo esbelto e achava você arrogante, agora vejo que você é uma pessoa simples”. José Carlos se perguntava: “por que eles acharam isso de mim se eu nunca os tratei mal?”. Uma de suas ideias foi fazer uma camisa escrita “Sou um cara legal. Não sou tubarão”, mas acho que não chegou a fazê-lo.
Algum tempo se passou e José Carlos deu a volta por cima. Assumiu que somos, nós mesmos, responsáveis pelo que transmitimos. Não só as palavras ou o corpo comunicam. Transmitimos energia por elos invisíveis, que não são racionalizados, mas percebidos inconscientemente pelas outras pessoas e pelo universo. José Carlos desenvolveu uma forte empatia e treinou eliminar o espírito crítico com julgamento. Isto transformou José Carlos por dentro e, como consequência, a sua realidade. Não é percebido mais como um tubarão. Podemos chamá-lo de José Carlos, o golfinho.
Julio Sampaio (PCC, ICF)
Idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute
Diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching
Autor do Livro: Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital), dentre outros
Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/