Decididamente, a felicidade não é uma responsabilidade do Departamento de RH ou da Diretoria de Felicidade, como a criada recentemente pelo Grupo Heineken, ainda que a iniciativa seja louvável. Não é possível isentar cada um de sua responsabilidade.
Sigo com o tema. No artigo anterior, levantei a questão se uma empresa feliz seria uma utopia. Alguns ilustres leitores, todos profissionais muito bem-sucedidos, contribuíram com comentários. São pessoas conscientes, que nada têm de inocentes e que, como eu, conhecem o lado duro do mundo das empresas. Destaco os seguintes comentários:
“Estou discutindo o conceito de felicidade no ambiente corporativo com colegas executivos de algumas empresas… não raro percebo aquele olhar cético do meu interlocutor, me dizendo mentalmente: ou você é ingênuo ou sonhador!!!”
“Na maioria das vezes em que eu coloco o tema felicidade em minhas mentorias, acontece a mesma coisa. Nos meus casos, muito por conta da associação imediata e rasa do “abraçar árvore”.
“Costumo usar muito o termo ‘estado de flow’, que não é exatamente a mesma coisa, mas carrega no seu conceito a questão de felicidade. Isso parece quebrar certos preconceitos imediatos”.
Duas evidências parecem claras para mim. A primeira é que um número crescente de pessoas acredita que uma empresa feliz não é uma utopia e que, apesar de conhecerem o enorme desafio, pensam que é possível criar uma empresa feliz, ainda que possa variar a compreensão exata do que é uma empresa feliz.
A segunda evidência é de que o tema vem cercado de fortes preconceitos relacionados à inocência, à ingenuidade ou à superficialidade. Como se ao falarmos de felicidade, estivéssemos falando de infantilidade, de um mundo cor-de-rosa, que todos sabemos que não existe.
Tenho trazido com frequência, neste espaço, conceitos atuais sobre a felicidade, respaldados em estudos da neurociência e da psicologia positiva, que apontam a existência de diversas dimensões da felicidade. Elas vão muito além da alegria e do prazer, incluindo dimensões como a maneira que lidamos com as dificuldades (resiliência) e a superação de metas e objetivos, dois temas muito afins ao mundo corporativo. Poderia falar ainda em propósito, engajamento e relacionamentos saudáveis, mas tenho dúvidas se isto tocaria os corações e mentes dos mais céticos. Resiliência e superação de metas são dimensões mais concretas.
Partindo da premissa de que, sim, é possível criarmos empresas felizes, restaria a pergunta. A quem caberia criar uma empresa feliz?
Aciono outros ilustres leitores:
“É preciso que todos que fazem parte do projeto queiram ser felizes e que haja uma união e comprometimento de fato com a missão e valores da empresa”.
“Criar uma empresa feliz não é uma utopia e, sim, pode ser uma realidade, um ideal. E a quem cabe criar uma empresa feliz? A cada um de nós com nossa capacidade de sonhar e de realizar”.
“É preciso que a empresa pense na felicidade do empregado e crie condições para isso. A responsabilidade maior é da empresa. Pensando bem, eu também sou empresa e também tenho a minha parte. Vou pensar melhor sobre isto”.
Mais uma conclusão positiva. Parece que a maioria reconhece que a reponsabilidade de criar felicidade não é do outro, mas de todos. É possível questionar e diferenciar o papel de cada um, empresários, líderes e colaboradores. Decididamente, a felicidade não é uma responsabilidade do Departamento de RH ou da Diretoria de Felicidade, como a criada recentemente pelo Grupo Heineken, ainda que a iniciativa seja louvável. Não é possível isentar cada um de sua responsabilidade. Aliás, esta também é uma dimensão da felicidade: autoconsciência e autorresponsabilidade. Felicidade é coisa séria e também é para adultos.
Sobre o autor
Julio Sampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.
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