Por Julio Sampaio de Andrade – juliosampaio@consultoriaresultado.com.br
Cleverson é um companheiro de jornada e de ideais. Parece nervoso e inquieto. Ele se contorce na cadeira, sinalizando que quer manifestar alguma discordância ou reclamar de algo, mas sem ser agressivo. Escolhe as palavras e por final exclama: “não dá para falar em felicidade com tudo que está acontecendo”.
Em seguida, Cleverson cita vários fatos que incluem: a questão política do nosso país, o comportamento da mídia, a situação econômica, a questão climática, as ameaças de Trump e as guerras da Ucrânia e da Palestina. “Como a gente pode falar em felicidade e ficar indiferente com tudo que está acontecendo? Chega a ser egoísmo. Tenho dormido com dificuldade e não consigo deixar de pensar em quantas pessoas estão sofrendo”.
Sem entrar no mérito nas questões levantadas, eu me solidarizo com os sentimentos do Cleverson, que revelam uma elevada consideração com a felicidade de outras pessoas e não apenas a dele mesmo ou a de sua família. Talvez outros se sintam assim, o que não deixa de ser bom. Aproveito a positiva indignação do Cleverson para refletir sobre o assunto.
Incialmente, me vem à mente a missão do MCI e o propósito de trabalhar para a construção consciente de felicidade. Este propósito seria incompatível com uma visão realista dos acontecimentos?
Penso que ao contrário. O próprio conceito de consciência se opõe à ideia de alienação. A construção consciente de felicidade abrange a percepção da realidade como primeiro passo e, em segundo, por uma decisão deliberada de lidar com esta realidade da melhor maneira, em termos de pensamentos e ações práticas. No conjunto, é fazer a nossa parte, no que estiver ao nosso alcance.
Utilizo com frequência a metáfora do ovo na frigideira que aprendi com a coach e professora Eliana Dutra. Nela existe a gema do ovo, representando o que está sob a nossa gestão; a clara do ovo, simbolizando o que não está sob o nosso controle, mas que podemos influenciar diretamente e, finalmente, a parte da frigideira, onde se situam as coisas em que a nossa influência é distante, quase que nenhuma, ou indireta. Prefiro pensar que sempre poderá ser indireta.
É o caso de vários acontecimentos que fogem à nossa gestão ou à nossa influência direta, como a violência. Ela não está só nas guerras, mas em todos os níveis e lugares, nas famílias, nas empresas e no nosso cotidiano. Nossa maneira de pensar e de agir podem contribuir para alimentar ainda mais a violência ou, ao contrário, disseminar a paz e a harmonia. É uma influência indireta, na esfera da frigideira, seguindo a metáfora.
É também o que ocorre com a felicidade. Ela possui um poder irradiador, conforme provado em inúmeros trabalhos da psicologia, sendo explicado também pela neurociência. Uma única pessoa feliz faz diferença no mundo. Contribuir para que mais pessoas e empresas evoluam quanto à sua felicidade é a missão e é o propósito do MCI, uma associação sem fins lucrativos que reúne pessoas com este ideal.
Isto não quer dizer que não nos indignemos com diversas situações existentes, seja por princípios, por solidariedade, ou porque nós também somos atingidos por elas. Cada um do seu jeito as combate, às vezes, com outros “chapéus”, como cidadãos ou por meio de outras instituições. Quando nos reunimos no MCI, nosso trabalho maior é difundir a prática de princípios e exercícios que, se praticados, tornarão o mundo melhor.
A metáfora do ovo na frigideira pode ser útil em pequenas e em grandes questões, seja na família, no trabalho, na sociedade ou nos diversos papéis que cumprimos. A situação está no nosso âmbito de gestão? Podemos exercer alguma influência direta? Ou nossa contribuição será apenas indireta, pela maneira de melhorar a nós mesmos e os nossos atos?
A resposta pode ajudar a nossa vida a ser mais leve, liberando energia para fazer a nossa parte, sem perder de vista o que está fora de nosso alcance. Desejo que o Cleverson preserve seus sentimentos e indignação, mas que não sofra. O mundo precisa dele. Na construção consciente de felicidade, há muito o que fazer.
Sobre o autor
Julio Sampaio (PCC,ICF) é idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute, diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching e autor do livro Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital). Texto publicado no Portal Amazônia e no https://mcinstitute.com.br/blog/.
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