Carolina tinha quatorze anos quando sofreu um grave acidente. Precisou levar mais de 300 pontos no rosto, quebrou os ossos da face em quatro lugares, fez quatro cirurgias em várias partes do corpo, em um tratamento que durou mais do que um ano, entre idas e vindas para médicos e hospitais. Carolina hoje tem cinquenta anos e as marcas ainda estão em seu corpo, despercebidas para quem olha, mas suficientemente fortes para não a deixar esquecer. Não seria preciso. Mais do que no corpo, elas estão lá na sua alma e compõem uma parte importante de como ela conta a sua história.
Na adolescência, todos os fatos ganham importância e este não foi um acontecimento qualquer. Talvez tenha mudado o caminho de Carolina e, por muitos anos, a sua personalidade.
Pós-acidente, Carolina sentia-se feia, preterida das atenções que recebia dos garotos desde cedo. Foi uma criança que chamava a atenção, estilo indiazinha, fofinha, graciosa. Era comunicativa e carismática. Também era uma criança levada e, como adolescente, prometia dar trabalho. Haveria uma quantidade de rapazes atrás de Carolina. O acidente mudou tudo isso e ela passou a se ver de outra maneira.
Recolheu-se, isolando-se das amigas e amigos da escola. Sua festa de quinze anos, seu primeiro grande sonho, foi cancelado. Não teve a sua noite de princesa, um direito que tinham todas as meninas da época, mesmo as que não eram tão graciosas. Carolina mudou o humor e tornou-se uma pessoa até briguenta, gostava de se ver como má.
Como já não era bonita e apreciada pelas suas virtudes naturais, sua única saída foi se destacar nos estudos. Tornou-se a melhor aluna, sempre fugindo de trabalhos em grupos. Nesta nova fase, Carolina queria fazer tudo só, se destacar sozinha e talvez provar que, se não era a mais bonita, era a mais inteligente. Este caminho levou Carolina a fazer duas faculdades ainda muito nova.
Num breve relacionamento, Carolina engravidou aos 20 anos. Pensou em abortar, mas uma noite sonhou com uma menina sorrindo dizendo que era Maia e que queria nascer. Teve a menina e deu-lhe (ou reconheceu) este nome. Carolina e o pai foram morar juntos, mas não se diziam casados. Talvez não estivessem apaixonados, talvez pelas circunstâncias, talvez por terem aspirado a coisas muitas diferentes. Carolina não se sentia amada e mantinha, inclusive com o companheiro, o estilo duro, adquirido após o acidente. A única exceção era com os seus pais e irmãos, com quem Carolina voltava a ser a menina alegre de antes.
Carolina se firmou profissionalmente, ganhando espaço sem muitos melindres. Era objetiva, competitiva e fazia acontecer. Em casa, era quem assumia as principais despesas e tomava as decisões. Decidiu ter o segundo filho, Ciro, alguns anos depois, assim como decidia o que precisava ser decidido. Carolina assumia papéis de durona, mas no fundo era frágil, sentia-se só e queria ser amada. Sua vingança, contra si mesma, era vestir-se do papel de má. Era a história que Carolina contava para si mesma.
Já mais madura, Carolina decidiu romper com este enredo e reescrever a sua própria história. Já passara dos quarenta e queria ser feliz. Separou-se, mudou de profissão e até de estado. Carolina tornou-se escritora e, em uma editora, ajuda autores a publicar as suas obras. Encontrou, ou foi encontrada, por um homem que ama e que a fez sentir-se amada. Carolina percebe-se como linda e como uma pessoa do bem. É querida e tem amigos verdadeiros. Carolina voltou a sorrir, um sorriso bonito, com covinhas, uma das marcas que restaram do acidente. E você, caro leitor, o que você teria a reescrever de sua história?
Julio Sampaio (PCC, ICF)
Idealizador do MCI – Mentoring Coaching Institute
Diretor da Resultado Consultoria, Mentoring e Coaching
Autor do Livro: Felicidade, Pessoas e Empresas (Editora Ponto Vital), dentre outros
Texto publicado no Portal Amazôna e no https://mcinstitute.com.br/blog/