O que será do amanhã?
Recentemente li uma matéria sobre a tal Geração C, ou geração Covid, e as marcas que esta geração trará para sua vida em um futuro bem próximo. Será uma geração traumatizada, medrosa, com pensamento polarizado e completamente envolvida por memórias ruins de um tempo desafiador.
Interessante pensar que cada geração é formada por tendências fortes que se tornam divisores de água, geralmente marcada por algo de significativo impacto. Podemos ver isso na geração que não conheceu o mundo sem internet. Daí vieram os Y’s, os Z’s, os millenials, os Alfa’s e por aí vai.
O ano de 2020 marca mais uma era e o que vem após é um tempo de grandes incertezas, mas que aos pouquinhos vai se encaminhando para uma “normalidade” não planejada. Já parou para pensar como as crianças e adolescentes estão passando por tudo isso?
Tenho colecionado histórias de pessoas que adoeceram física e emocionalmente durante esta pandemia. Geralmente os doentes emocionais, são os que cuidam ou que experimentam um doente físico (com covid) na família.
Recentemente perdi uma pessoa muito próxima e querida. Vivi o desespero e a esperança de encontrar esta pessoa viva depois de uma intubação, mas não foi possível. Na sequencia seu cônjuge também acabou perdendo a luta contra a doença. Disso tudo restaram, amigos enlutados, família desolada e duas crianças órfãs.
Quanta dor! Quanta frustração!
E então são historias como esta que levam os estudiosos a entenderem que a geração da qual estas duas crianças fazem parte será, de fato, a Geração Covid, que se viu de hora pra outra tendo que ficar presa dentro de casa, sem socializar com amigos da escola, condomínio, igreja e tendo que dedicar horas e horas de tela para atender demandas escolares, afinal a pandemia nos fez descer goela abaixo uma espécie de homeschooling, onde pais, irmãos, tios e avós acabaram tendo que cumprir boa parte do papel do professor.
Para quem vive na Amazônia e ainda tem que enfrentar a dureza de não ter acesso a internet, vimos uma geração de ribeirinhos que nunca fizeram parte desta geração conectada, mas que, inevitavelmente, entram na estatística da Geração C, pois todos fomos acometidos pelo terror de uma pandemia, onde vimos pessoas ricas e pobres morrerem por falta de oxigênio ou um leito de UTI.
Qual a diferença entre os ribeirinhos e as crianças da cidade? Simples. As crianças que vivem às margens dos rios encaram a dor e as perdas de forma menos alarmante e se transformam em pessoas que tem o sofrimento e o isolamento como componente de sua rotina diária, além da esperança de dias melhores que surgem a medida que um barco surge no horizonte, muitas vezes com promessas de vida melhor, mas que esbarra na falta de ética e comprometimento com a infância, o que faz aumentar abusivamente o numero de crianças vitimas de prostituição infantil. Mas isso será tema para um próximo artigo.
Vamos falar aqui da realidade de quem vive nas cidades em meio ao caótico cenário de uma pandemia mundial. Este cenário me parece igual em várias partes do país e entre famílias dos mais distintos formatos: Pais e mães atordoados tentando equilibrar as preocupações com seus entes queridos e a insegurança da economia. Outros que precisam sair para trabalhar senão não colocam comida dentro de casa. No final do dia, as crianças estão pagando alto preço porque são elas que acabam “defendendo” as gerações mais velhas.
As crianças estão apresentando alguns comportamentos que precisam de atenção especial. Algumas estão muito caladas, outras com comportamento violento, e há ainda aquelas que ficaram mais tagarelas. Precisamos identificar suas ansiedade e tentar ajuda-las. Como?
Incentiva-se muito a procura por auxilio psicológico, mas neste momento, este serviço não dará conta de tanta demanda que surge, pois além das crianças os pais também precisam de apoio.
Aqui sugiro alguns pontos para nossa reflexão e, quem sabe, tomada de ação:
Ajuda para quem ajuda:
Precisamos refletir sobre como nós, pessoas comuns, profissionais da educação, pais e mães podemos ser ajudados a ajudar as crianças. Precisamos ser fortalecidos. Precisamos olhar com amor e enxergar que as crianças estão sofrendo mesmo quando você olha e só as vê brincando. Precisamos buscar auxilio para tentar ajuda-las a superar suas pequenas (grandes) dores.
O sofrimento tem que ter o tempo e duração certos
Quando identificamos que uma criança esta sofrendo pela dor da perda de um ente querido, não podemos perpetuar esta dor com o sentimento de “pena” da criança. Precisamos tomar ações práticas, seja para a criança que está em uma condição econômica mais favorável, seja para aquela que vive em situação de vulnerabilidade.
Projete sonhos, fantasias, futuros
O ser humano é bastante complexo e não conseguiríamos indicar o que vai fazer essa criança sair desta “roda de sofrimento“. Para nós adultos, parece que nos bastam alguns dias de choro, angustia, negação , até que chega o momento de dizermos: “não quero mais sofrer”. Parece bem mais racional. Mas com a criança, é importante usarmos elementos que configuram o universo infantil e que a fazem sair do abstrato. Por isso é importante a fantasia para a criança. Fantasiar é algo característico do universo infantil no processo de aprendizagem de emoções e princípios. Então, entendo que este elemento se torna realmente imprescindível para usarmos com elas no processo de ajuda contra seus temores. O roteiro pronto das escolas em ensinar números e letras faz parte, mas fora da obrigação do aprender, que tal fantasiar cenários na cabeça da criança? Ao invés de se prender ao hoje, projete o amanhã. Pergunte: “Para onde viajaremos quando tudo isso acabar?” ou “Quais amigos traremos para passar um dia inteirinho em casa quando isso passar?”.
Crie memórias afetivas saudáveis
Traga à memória da criança situações que possam fazê-la sobreviver a qualquer cenário crítico. Pode usar historias infantis, histórias bíblicas ou até contar experiências pessoais.
Lembre-se: nosso cérebro é social e plástico
Todos temos um cérebro que coleta informações e tem suas pequenas transformações plásticas a partir de suas experiências. Esse é o processo de maturação pelo qual todos passamos e é saudável. Porém neste momento se usarmos o mesmo principio para que possamos “blindar” nossas crianças das angustias deste momento tenebroso, melhor será para sua saúde mental daqui alguns anos. Quanto menos a criança for impregnada com as dores típicas de um adulto, mais elas vão entender que tudo pode se resolver em um balanço no parquinho da praça.
Por fim, entendo que existem sim muitos e expressivos impactos desses mais de 12 meses em nossa vida, mas essa reorganização forçada que a humanidade está sendo submetida não nos definirá como pessoas e nós somos responsáveis pela geração que deixaremos neste mundo no futuro.
Seja amigo de uma criança, se importe com ela. Ela precisa de boas e importantes influências próximas a ela. Não precisa ser pai ou mãe. Se você conhece uma criança, se aproxime dela e tente ser este auxilio e vá com ela brincar em seu balanço particular na rua do seu coração. Lá é onde a fantasia acontece e nós, adultos, racionais, descobriremos que lá é um lugar de onde nunca deveríamos ter saído. Assim como no alfabeto, o B vem antes do C, então que tal entrar nessa aventura de transformar a Geração C (Covid), na Geração B (Brincar)?
Pense nisso e até a próxima!
Marcya Lira
Pedagoga com experiência em coordenação e administração escolar. Atualmente Diretora Executiva da Fundação Rede Amazônica e Líder de voluntariado de ensino sobre valores bíblicos para famílias e líderes cristãos no Brasil através do Geração Futuro e Geração Elo.