MP 979/2020: um retrocesso na instituição universitária

Institucionalizou-se o retrocesso, a desconfiança, os limites nos saberes. Entrevistei a mestre, pós-doutora Marilene Corrêa da Silva Freitas, para saber a sua opinião sobre esse atual momento da Educação no Brasil

Quando surgiu a Medida Provisória 979/2020, que permitia a nomeação de reitores de universidades públicas e institutos federais sem consulta prévia ou lista tríplice, caiu como um meteoro, de mau gosto, no mundo acadêmico. Assinada e defendida por Abraham Weintraub, ministro da Educação, mas foi devolvida pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre que, segundo o senador, a medida provisória “feria a autonomia administrativa das universidades federais, prevista na Constituição.”. Mas o estrago universitário, em todos os níveis, estava feito. Institucionalizou-se o retrocesso, a desconfiança, os limites nos saberes. Entrevistei a mestre, pós-doutora Marilene Corrêa da Silva Freitas, para saber a sua opinião sobre esse atual momento da Educação no Brasil e, aproveitei para entender melhor porque Weintraub não quer mais formar sociólogos, antropólogos e filósofos.

(Foto: Divulgação/Equipe Ascom Ufam)

A MP 979/2020 foi devolvida. Mas qual foi a sensação que a senhora sentiu ao saber que os reitores seriam escolhidos pelo Ministro de Educação?
MARILENE CORRÊA – Uma sensação de J’ai déjà vu. Eu já vi “isso” antes. Retorno de políticas e currículos autoritários, parciais, eliminação de saberes, controle da opinião e do debate, restrição à circulação de ideias, limites cognitivos, enfim… perdemos gerações com esses limites.

(Marilene Corrêa. Foto: Divulgação)

E agora, você acha que tudo seguirá seu rito natural, nas universidades federais?

MARILENE CORRÊA – Penso que não. A desconfiança na gestão do conhecimento é perigosa, não gera apenas retraimento da esfera de interlocução científica entre todos os campos científicos, razão de sua riqueza e compartilhamento cultural. Gera radicalidades de todos os níveis, desde a sabotagem intelectual a um promissor projeto de expansão do conhecimento até o impedimento do acesso universal ao conhecimento por aqueles que se habilitam a adquiri-lo. Desconstrói esforços do ensino fundamental e médio e, por antecipação, destrói projetos de carreira que nascem nestes níveis pensando no acesso à Universidade; dilui as esperanças de termos aumento percentual da população universitária no conjunto da população brasileira. Retrocesso enfim. O ministério está em mãos de estranho à comunidade acadêmica o que não quer dizer em mãos de desconhecidos, mais de uma frente destruidora da inteligência nacional que pensa que o lado tecnocrático da universidade, apenas este lado, pode se aliar ao projeto de governo atual e conduzir o conjunto do estudantes a agir como se o processo de construção do conhecimento das humanidades nunca tivesse existido.

Para onde caminham as universidades?
MARILENE CORRÊA – Limitando os investimentos, cerceando a informação e a circulação de opiniões sobre a relação entre a universidade e a sociedade, entre o pensamento e a ação social, entre o poder do Estado e as escolhas sociais acredita-se que a universidade trilhará por um caminho mais pragmático. Só que ela não será mais universidade, no máximo um instituto tecnológico de qualidade duvidável que ensinará por encomenda do que os instituidores desse ponto de vista decidirem… Pode até ser que o rito seja mantido o mesmo, mas o desconforto da desconfiança e até da suspeita, trará problemas às escolhas e aos projetos de gestão postos à eleição nas Universidades.

Qual o motivo do Ministro Abraham Weintraub ser contra a formação de filósofo, antropólogo, sociólogo?
MARILENE CORRÊA – Mistura de desconhecimento, embrutecimento ideológico e baixa capacidade de abstração de como a ciência progride, ou seja, de como o conhecimento de todas as áreas pertencem a um mesmo campo de legitimação, que é cultural, social e histórico. Daí o ódio a essas áreas que indicam no pensamento “dessa baixa extração”, como disse o prefeito Arthur Neto. O caráter retrógrado e os equívocos que a ignorância organizada institucionalmente gera na história das sociedades de do Brasil. Então é melhor não formar historiador porque ele vai registrar e provar em documentos o que eu fiz; os sociólogos vão antecipar o resultado do que foi feito; os antropólogos vão identificar a matriz de minha cultura politica com o que de pior existiu nas relações contemporâneas; então é melhor não formá-los mais… Esses profissionais vão desconfiar do quero fazer e, amanhã, e vão mostrar para as próximas gerações o prejuízo que dei para a humanidade. Então desapareçam com eles. As interrupções de nosso progresso por falta de democracia não são vistas só por nós, mas por todo o mundo que avalia o ritmo e a direção das mudanças impressas por governos desse tipo. Uma área, ou campo de conhecimento, ou mesmo um exercício profissional não desaparecem mesmo sendo eliminadas por decretos ou outras medidas autoritárias. Às vezes até ressurgem com mais vigor! Esperamos!

MARILENE CORRÊA DA SILVA FREITAS
É graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas (1975), Mestrado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1989) e Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1997), Pós-Doutoramento na Université de CAEN e na UNESCO (2001-2002). Atualmente Professor Associado III da Universidade Federal do Amazonas. Presidente da AFIRSE – seção Brasileira de (2007-2011); Secretária de Estado de Ciência e Tecnologia do Amazonas (2003-2007); Reitora da Universidade do Estado do Amazonas (maio de 2007- março de 2010). Membro do Conselho Nacional do FNMA (2009-2011); Membro por notório saber do Instituto de Desenvolvimento Susutentável Mamirauá (MCT); Membro do Conselho Diretor da Fundação Oswaldo Cruz; Membro do Conselho Editorial da Jornal Ciência Hoje, publicação da SBPC desde janeiro de 2013), Membro Eleito do Conselho da SBPC, Área A, Região Norte, período 2011-2015 . Professora, pesquisadora e orientadora dos Programas de Pós Graduação Doutorados e Mestrado Sociedade e Cultura na Amazônia,Mestrado em Sociologia da Universidade Federal do Amazonas e Agricultura no Trópico Úmido do INPA. Atividades culturais do IGHA e membro da Academia Amazonense de Letras. Secretária de Ciência e Tecnologia (2003-2007), tendo implantado essa pasta. Reitora da UEA (2007-2010).

* O conteúdo do texto é de inteira responsabilidade do(a) autor(a) e não reflete, necessariamente, a posição do Portal Amazônia.

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