Há 92 anos, um grupo de imigrantes vindo do Japão praticamente transformou um pedaço da Amazônia que mais tarde passou a ser denominado de Tomé-Açu,na Região de Integração do Rio Capim, e que durante muitos anos foi associado à monocultura da pimenta-do-reino. O tempo passou e a cidade se transformou na maior produtora da famosa especiaria do Brasil, mas aos poucos passou a ganhar o mundo também por conta da prática sustentável de cultivos, tornando-se referência na produção da fruticultura.
Essas e outras conquistas têm em comum a marca das mãos da comunidade japonesa, que nesta terça-feira (14), completa 92 anos de imigração no Pará, mais precisamente no município de Tomé-Açu. De 1929 até aqui muita coisa mudou no município, mas, permanece a sagacidade da comunidade japonesa em fazer bem o diferente.
Um exemplo da força de trabalho japonesa é a adoção do chamado Sistema Agroflorestal de Tomé-Açu (Safta). Um método de cultivo que une o desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente, com a peculiaridade de culturas agrícolas frutíferas e espécies florestais na mesma área. Essa prática ecológica não surgiu por um acaso.
Depois da grave crise da pimenta-do-reino, no final dos anos 60 – quando milhares de pés da especiaria foram dizimados pela fusariose – as famílias japonesas, a essa altura, já formada por filhos e netos nascidos, em Tomé-Açu, se reinventaram.
Os agricultores observaram que ao invés de focar só a especiaria, deveriam se inspirar nos nativos espalhados pelas margens do rio Acará – uma das nascentes fica em Tomé-Açu – e introduzir junto aos pimentais outras espécies, em especial frutíferas como o açaí, cupuaçu, mandioca, citrus, além de espécies, como andiroba e mogno, por exemplo, entre outros.
O experimento deu certo e logo agricultura de Tomé-Açu estava reerguida, ou melhor, estava solidificado um modelo agroflorestal que serviu de exemplo para outras cidades e até para outros estados brasileiros.
Incentivo
A Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap) acompanha e estimula o método agroecológico adotado pelos produtores de Tomé-Açu para a produção mais sustentável. A engenheira agrônoma, Márcia Tagore, que é membro da secretaria no Fórum de Indicação Geográfica e Marcas Coletivas, diz que o Safta é um exemplo a ser seguido. Em recente visita a Tomé-Açu para tratar sobre os desdobramentos da Indicação Geográfica da amêndoa de cacau do município – conquista essa obtida em janeiro de 2019 – a engenheira agrônoma visitou algumas das propriedades que trabalham com a Safta.
O sistema, ressalta a especialista, busca o equilíbrio natural com utilização de espécies agrícolas e florestais, trazendo benefícios sociais, ambientais e econômicos. “Com aumento da biodiversidade ocorre a melhoria da fertilidade do solo e os ambientes se tornam mais saudáveis, além de permitir receitas permanentes a partir de diferentes produtos e safras”, salienta Márcia Tagore.
Uma das áreas que adotou o Safta e foi visitada pela especialista foi a do produtor, Alyson Inada, cuja fazenda de 130 hectares fica no bairro do Breu, na PA- 451. Ele diz que praticamente todos os descendentes de japoneses produtores de Tomé-Açu aderiram ao Safta, ainda nos anos 70. “Você começa com a pimenta-do-reino e maracujá, no segundo ou terceiro ano começa a colocar o cacau e o açaí no meio e árvores de grande porte tanto frutífera quanto madeira”, orienta o produtor.
Apontando para a fileira de mogno africano que faz a diferença na paisagem local, Alyson Inada apresenta o resultado desse investimento. “Tudo tem o seu tempo, mas no final é isso que acaba se formando: castanheira, mogno africano, andiroba, açaí de porte médio e o cacau embaixo; no caso específico do cacau, é necessário sombra. Aí forma essa cadeia”, descreve.
Além do Sistema Agroflorestal, a propriedade do produtor chama atenção logo na entrada por conta dos três lagos onde ele cria algumas espécies, como por exemplo, o pirarucu. É nesse ambiente que Inada costuma receber os visitantes, formado não apenas pelos amigos mais próximos, como pelos interessados em conhecer um pouco da sua produção.
Chama atenção também os pés a perder de vista da pitaya, uma fruta ainda não tão consumida em Belém, mas já vista cada vez mais nas feiras e supermercados. Inada diz que exporta a fruta e também lembra que o legado foi deixado pelos antepassados.
Da pimenta à mini floresta
Quem visita a propriedade do descendente de imigrantes japonses, Jorge Itó, na comunidade Breu, por um momento pensa que está em um pedacinho da densa floresta amazônica: além das gigantes como a castanheira e a andiroba, há diversas espécies frutíferas, como, cupuaçu, cacau, açaí, citrus, e como não poderia deixar de ser, a pimenta-do-reino.
Jorge Itó ressalta que, especificamente, na área de 10 hectares onde há o Safta, predominam as espécies florestais, como mogno, a castanha-do-Pará, andiroba, cedro, seringa, piquiá, copaíba, jaqueira, eritrina, paricá e diferentes tipos de ipês – nativos da Amazônia e também de São Paulo. “Esse terreno existe desde 1954, mas como Safta meu pai começou a plantar entre 1974 e 1975. Ele veio inserindo aos poucos outros tipos de árvores”, explica o produtor nipo-brasileiro.
Na mini floresta, a cada caminhar, entre as tão bem distribuídas árvores e plantas típicas da Amazônia, predomina o barulho das folhas secas espalhadas por todo o terreno. “Começamos com cacau e o sombreamento com eritrina e paliteira e depois vieram a andiroba e o freijó”, descreve o produtor, citando cada uma das espécies que se adaptaram bem ao local.
Assim como ocorreu com o vizinho Alyson Inada, o experiente produtor aprendeu com os antepassados a preservar a floresta. Conta que os pais chegaram a Tomé-Açu em 1954 e trabalharam dois anos como “patrão”, denominação que era dada aos imigrantes pioneiros que recebiam outros que chegavam do Japão para dar apoio. “Eles trabalharam dois anos e depois compraram este terreno aqui e se mudaram. No começo, meus pais moraram em barracas feitas de parede de barro, coberta de palha”, recorda Itó. Os pais, como lembra, começaram plantando 300 pés de pimenta-do-reino e trabalharam bastante até chegar a contabilizar 18 mil pés.
A área mantida por ele é 100% produtiva, segundo garante. A tônica é a produção sustentável. Para isso, houve necessidade de mudanças. A velha prática de lavar a pimenta-do-reino no pequeno igarapé existente dentro do terreno, por exemplo, foi substituída. “Agora a gente utiliza os tanques para essa fase da produção. Assim, estamos fazendo com o que o igarapé volte a ter no mínimo 70 metros, a contar da beira do rio”, anuncia.
Fruticultura
Um dos destaques da economia de Tomé-Açu é a fruticultura, também herança dos imigrantes japoneses. O presidente da Cooperativa Mista de Tomé-Açu (Camta), Alberto Oppata, diz que o legado deixado pelos antepassados foi muito bem mantido e desenvolvido pelos descendentes e precisa ser levado a conhecimento de um número cada vez maior de interessados.
Uma das sugestões apresentadas para isso, assegura Oppata, é a criação de uma rota da imigração japonesa. “O que esperamos que a Indicação Geográfica traga, de fato, virá através da criação de uma rota da imigração japonesa aqui em Tomé-Açu, acredito que junto com o estado e com o município; com isso acreditamos que possamos agregar mais valores para o nosso município”, ressalta otimista.
Ele explicou que em função do uso do Safta – patenteado pela Camta – está proporcionando a exportação das amêndoas de cacau. “Quando nosso produto vai ao mercado de externo, é exigido que seja oriundo do sistema florestal de Tomé-Açu; o nosso selo está aí para comprovar que é de um sistema sustentável econômico e social e ao mesmo tempo ecologicamente”, destaca o presidente da Camta.
Uma fruta talvez pouco conhecida do grande público e que pode ser encontrada nas propriedades de alguns dos nipo-brasileiros é o zabão, parente da laranja e de outros cítricos, mas de espécie diferente. Um dos cultivadores da fruta é Walter Oppata que não vende em larga escala e produz mais para consumo próprio, embora também comercialize em alguns pontos do município.
Oppata conta que a fruta foi introduzida na área de plantio pelos pais. Aos poucos vai ganhando o paladar de um número maior de consumidores. “Quem consome tem gostado da fruta. Ela é igual uma laranja, mas tem um pouco de amargo nela”, explica o produtor, apresentando a fruta, que é grande e esférica, com uma casca grossa. Ao todo, há 10 árvores de zabão na propriedade de Walter Oppata.
Mulheres e Nova Geração
O legado deixado pelas 43 famílias que chegaram a Tomé-Açu, naquele ano de 1929, será mantido no município, se depender da novíssima geração. Um exemplo é a estudante Nicole Sayuri Gomes, de 14 anos. Ela, com outras mulheres, participa de um curso de fabricação de chocolate artesanal com o a orientação da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac).
A adolescente diz que o pai é produtor de cacau e quer continuar seguindo a mesma atividade. “Para poder cuidar da plantação que temos em casa e também porque quero aprender para poder ajudar. Já aprendi a fazer iogurte natural, doce de sibirra (uma das partes do cacau que não era aproveitada) e chocolate”, garante Nicole Gomes.
A estudante revela que tem vontade de conhecer o país berço dos seus antepassados e que conhece e gosta muito da cultura japonesa. Junto com a irmã mais nova pretende manter a tradição familiar.
Nicole faz parte do grupo de mulheres que pretendem expandir o seu conhecimento. Lina Oppata, coordenadora do departamento feminino da Camta, diz que a ideia do curso foi proporcionar o aproveitamento e, consequentemente, uma renda extra para as mulheres das comunidades de Tomé-Açu, com produtos que são o carro-chefe do município, como o cacau.
“Temos 120 mulheres cooperadas, mas em função da pandemia, estamos no momento com 20 fazendo o curso; a ideia é formar novas turmas. Queremos mostrar que o nosso produto é sustentável”, destaca.
A sede da Camta, assim como o prédio da Associação Cultura de Tomé-Açu (ACTA), são alguns dos exemplos de arquitetura japonesa que podem ser apreciados por quem chega ao município. No prédio da ACTA está instalado um museu que conta toda a história da chegada dos japoneses ao Pará há 92 anos. Os dois prédios ficam no distrito de Quatro Bocas, pertencente a Tomé-Açu.