Primeiro cemitério indígena urbano do Brasil é inaugurado em Manaus

“Yane Ambiratá Rendáwa Bara Upé”, a “Casa de Retorno”, foi entregue nesta terça-feira, 19 de abril, quando se celebra o Dia do Índio.

“Yane Ambiratá Rendáwa Bara Upé”, a “Casa de Retorno”, é o primeiro cemitério indígena urbano do Brasil e foi inaugurado nesta terça-feira (19), data em que se celebra o “Dia do Índio”. O cemitério fica localizado no bairro Tarumã, Zona Oeste de Manaus, no Amazonas, e representa mais que um espaço dedicado a rituais e cerimônias de passagem aos mais de 20 mil indígenas que vivem na cidade e seus arredores, mas o reconhecimento da pluralidade dos povos.

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O cemitério indígena foi criado em estrutura vertical e conta com 216 gavetas em cada um dos cinco módulos, totalizando 1.080 espaços no campo-santo, além de um portal de entrada e da oca ritualística para velório e dança de acordo com o costume de cada etnia. A decoração em grafismo indígena foi produzida por 15 artistas dos povos Kokama, Tukano, Tikuna, Mura e Sateré.

“353 anos de indiferença e esquecimento, e hoje estamos entregando esse cemitério indígena, que é o primeiro do Brasil, para que essa memória ancestral possa ser celebrada e cultuada. Nós queremos tratar a questão indígena de forma clara, de forma digna, e reconhecendo os donos dessa terra. Aqui está o meu reconhecimento, pelo trabalho, pela ancestralidade, pela importância de cada um. Manaus tem suas origens, nós somos herança dessa ancestralidade”, ressaltou o prefeito David Almeida.

Foto: Nathalie Brasil/Divulgação

Acompanhando de perto os trabalhos no local, o presidente do Conselho Municipal de Cultura (Concultura), Tenório Telles, relembrou que as movimentações em torno do cemitério indígena de Manaus surgiram no início da atual gestão municipal, em janeiro de 2021, ocasião em que ele foi procurado por um grupo de indígenas que apresentaram suas pautas e reinvindicações. “Entre elas, estava o anseio por um reconhecimento e acolhimento da memória das populações indígenas que vivem na cidade de Manaus”, contou.

Memória

Para a coordenadora dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno (Copime), Marcivana Saterê-Maué, o cemitério indígena tem um significado importante. Ela também ressaltou que os antepassados deixaram vestígios para a cidade. Agora nós temos a possibilidade, por meio do cemitério, de trazermos essa memória, uma memória presente, o cemitério estará presente para nós e ficará para as gerações futuras”, disse.

Filósofo e doutor em antropologia, João Paulo Lima Barreto, integrante do povo Tukano em Manaus, explica que, nos últimos anos, representantes dos povos indígenas têm conseguido estreitar mais a relação com o poder público para a discussão de propostas que possam manter viva a memória de cada povo indígena.

“Manaus foi fundada em cima de um grande cemitério indígena, de nossos antepassados, e precisamos ter o devido respeito aos nossos povos originais que merecem o resgate da memória e importância histórica pelo que significam no nosso processo civilizatório”, relatou o indígena.

Uma das artistas que trabalhou com o grafitismo no cemitério é Chermie Ferreira, de 35 anos, do povo Kokama. Ela retratou uma mulher sendo abraçada pelos seus ancestrais no “Mundo dos Encantados”. Para ela, o cemitério é um “divisor de águas” na história cultural da cidade:

“Com a pandemia, tivemos um cenário doloroso. Muitos dos indígenas não tinham dinheiro para enterrar seus parentes em suas terras de origem e tinham que enterrá-los em Manaus. O cemitério é uma grande conquista dos povos originários para este momento delicado, de perder alguém que você ama. Fazer parte desse momento histórico vai muito além de criar um mural sobre o meu povo, que é o povo Kokama. Torço para que a população entenda a importância desse espaço. É um marco”,

frisou Chermie Ferreira.

Foto: Nathalie Brasil/Divulgação

Cerimônias de passagem

A noção de morte não existe na cultura indígena. Na verdade, o momento da morte é uma passagem para outra forma de existência humana. Resumidamente, acredita-se que, quando uma pessoa morre, ela vai para uma casa ou território onde se reencontra com seus ancestrais.

Por esse motivo, um cemitério pode ser chamado de “Casa de Retorno” ou “Casa de Repouso” pelos indígenas. Enquanto esse reencontro metafísico acontece em outro plano, aqui na Terra o corpo se transforma nos elementos da natureza: ar, água, solo, flora e fauna.

O antropólogo Lima Barreto explica que é comum entre os povos do Alto Rio Negro, região localizada no Amazonas a 990 quilômetros de Manaus, práticas como o choro coletivo e o benzimento, para que a alma do indígena retorne ao território dos antepassados em segurança.

“O fato de termos um espaço exclusivo não fala sobre separação. Fala sobre a pluralidade. Mostra que no Brasil temos conhecimentos e práticas diferentes de enterrar os mortos, noções diferentes de conceber vida e morte. Construir novas relações a partir disso é o grande desafio”, comentou.

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