Com 40 anos, o popularmente conhecido Bar do Zé do Branco desabou por conta da localização, em um dos bairros mais afetados de Rio Branco pela cheia em 2023.
O Jiquitaia’s bar, popularmente conhecido como Bar Zé do Branco, fica localizado no bairro do Base, em Rio Branco, no Acre. O local, frequentado por políticos, celebridades e clientes de diversas regiões da capital, leva o nome do aposentado José Antônio Veras, de 65 anos, mais conhecido por Zé do Branco e segundo dono do estabelecimento.
O bar, há mais de 40 anos, fez história na rua Barbosa Lima. O Portal Amazônia conversou com a filha de José, Vanusa Veras, que contou sobre a importância do estabelecimento.
“Meu pai era funcionário público, mas o salário não dava para suprir as necessidades da nossa família e comprou o bar pra ter uma segunda renda. Hoje meu pai é aposentado e por receber um salário mínimo não dá pra se manter, porque ele é o único que ajuda a família”, explica Vanusa.
Com seus filhos e o sobrinho, Vanusa ajuda o pai no funcionamento do bar, que fica às margens do rio Acre.
José Antônio Veras nasceu no seringal Novo Andirá, em Boca do Acre, no Amazonas. Ele chegou ao Acre em 1970 com os pais e mais 11 irmãos dentro de um barco do tipo batelão em uma viagem que durou três dias pelo rio Acre. Segundo Vanusa, em 1975 ele começou a trabalhar no Serviço de Transporte Fluvial do Deracre e com isso ajudou a dar assistência durante muito tempo aos ribeirinhos que chegavam à cidade e se hospedavam no flutuante do governo. Desde que assumiu o bar, Zé do Branco já recepcionou diversas figuras importantes do Estado.
Desmoronamento
Apesar da localização com vista para o rio, foi exatamente esta característica que gerou problemas. No dia 14 de abril, parte da estrutura do bar foi levada pelo rio Acre, devido a enchente que afetou o bairro.
Por estar na margem do rio, o estabelecimento foi atingido pelas enchentes ao longo dos anos. O bairro da Base é um dos primeiros a ser afetado pelas águas do Rio Acre durante o inverno.
“Por volta das 15h, com a enchente do rio Acre, o barranco quebrou e houve um desmoronamento de terra. Meu pai estava lá quando aconteceu, ele viu tudo desabando. O bar não caiu todo, apenas uma parte, mas por conta do buraco que se abriu, não tem como trabalhar, ficou arriscado”
explica Vanusa.
O Rio Acre está registrando a maior enchente dos últimos oito anos. O nível do rio chegou a 17,72 metros no dia 2 de abril. Mais de 75 mil pessoas foram atingidas pela enchente. Vanusa conta que seu pai se sente arrasado com a perda de parte do bar e que eles terão que se instalar em outro lugar e recomeçar.
“Ele ‘tá’ sem chão, depressivo, sem saber o que fazer. A associação de moradores da Base cedeu um espaço para gente refazer o bar, mas precisando realizar uma reforma”, disse
Para arcar com os custos, uma vaquinha solidária está sendo realizada para levantar recursos para a reforma. “Queria pedir ajuda, estamos sem chão, sem saber o que fazer, precisamos urgente começar a trabalhar porque já estamos com quase um mês parados”, conta Vanusa.
Veja o antes e o depois do que aconteceu:
Processos erosivos às margens do rio Acre
Segundo um artigo realizado por Frank Oliveira Arcos, Waldemir Lima dos Santos e Kelma Dayan de J. Vieira Lima, da Universidade Federal do Acre (Ufac), intitulado ‘Processos erosivos às margens do Rio Acre: o caso área central do município de Rio Branco, Acre, Brasil‘, aponta que com o processo de urbanização, ocupação e uso do solo, a vegetação natural, às margens do rio Acre foram desaparecendo e cedendo lugar às construções e moradias irregulares, porém consentidas pelo poder público.
Com a retirada da vegetação o solo ficou exposto e diante da alta pluviosidade na região, iniciou-se um processo de erosão na área, além da instabilidade provocada pelo movimento de massa que já danificou a rua principal da área de estudo, rede de esgoto, água potável, rede elétrica na região central.
“A bacia do rio Acre, tem uma dinâmica geomorfológica muito comum, o deslizamento das suas margens, que está relacionado às variações de regime fluvial de cheias e vazantes. Este fenômeno ocorre no período das enchentes, quando as águas começam a baixar, a pressão hidrostática diminui e a água anteriormente retida nas margens é liberada. Com isso, o deslizamento que ocorre nas suas margens configura patamares desmoronados”, explica.
Ainda de acordo com o artigo, “erosão e os desbarrancamentos são amplificados pelo fato do rio Acre ser do tipo meândrico e drenar uma planície sedimentar, fazendo com que seu curso tende a se modificar com frequência por conta da constante erosão natural de suas margens”.
O que acontececu?
O Portal Amazônia entrou em contato com o doutorando e professor do departamento de Geografia na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Thiago Oliveira, para saber qual fenômeno ocasionou o desabamento. Com base nas imagens apresentadas do desabamento, Thiago comenta que seja possivelmente uma margem de erosão.
“Boa parte dos rios da Amazônia, como o rio Purus, Madeira e os seus afluentes, que vai até o Acre ou Rondônia, são rios que estão em leito, que não foram escavados como o rio Negro. Então, o leito do canal, conforme os anos, vai mudando e esse processo de mudança gera dois elementos peculiares: de uma margem do rio você vai ter uma intensa deposição e na margem oposta você terá um intenso processo de erosão. Neste caso do bar, o que aconteceu? Ele estava localizado na margem de erosão. Ela corresponde justamente a uma margem de rio de intensa erosão, porque pela forma do canal a gente consegue identificar, se é uma margem que está tendo erosão, tendo a predominância de erosão ou de deposição. Possivelmente onde esse bar desabou, predomina a erosão fluvial”, analisa Thiago.
Mas como solucionar a continuidade dessa erosão? Segundo Thiago, uma solução pode ser encontrada: a implantação de ‘Defensa Ribereña La Pastora’, parecidos com espigões gigantes, para tentar barrar a energia do rio, como visto pelo próprio professor, em Puerto Maldonado, no Rio Madre de Joe, localizado no Peru.
“Quando eu fui em Puerto Maldonado, eles colocaram estruturas metálicas, parecendo uns espigões gigantescos para tentar barrar a energia do Rio, ou seja, reduzir a velocidade do rio nas margens, para não desbarrancar uma área onde passa a principal rodovia que liga o Brasil ao Peru, a Carretera Interoceánica sur“, exemplifica.
Construída em 2016 pela empresa brasileira Odebrecht, a obra conta com 12 estruturas metálicas que partem da margem para o rio, protegendo cerca de 1500 metros da margem. Cada uma dessas estruturas está constituída por dezenas de colunas de ferro com o objetivo de reduzir a da água sobre a vertente e ao mesmo tempo criar um desvio dessas águas para amenizar o processo erosivo.
As estruturas chamam a atenção daqueles que se aproximam ou transitam pelo rio, pois as estruturas metálicas com mais de 50 metros de compressão adentram o rio e criam uma barreira capaz de dissipar parte da energia da correnteza e consequentemente refletir os processos de descida das margens.