Abdução alienígena, sociedade secreta, golpe de marketing: relembre a história do Menino do Acre

Diversas teorias fizeram parte da saga de Bruno Borges, jovem acreano que desapareceu deixando 14 livros escritos em paredes, mensagens criptografadas e muitas dúvidas. 

Quem acompanhou as notícias em meados de 2017 certamente se lembra de uma confusa e inusitada história envolvendo um estudante de psicologia, manuscritos indecifráveis, desaparecimento e até hipótese de envolvimento com ETs. Essa é a história do acreano Bruno de Melo Silva Borges, que tinha 25 nos na época, protagonista de um enredo cheio de códigos que parece até roteiro de filme.

Em março daquele ano, a capital do Acre, Rio Branco, transformou-se no centro das atenções de todo o Brasil por conta do desaparecimento do estudante, visto pela última vez no dia 27 do citado mês. No entanto, não foi especificamente o seu desaparecimento que atraiu tantos olhares, mas os vestígios deixados em seu quarto: chão, paredes e teto tomados por manuscritos com códigos e símbolos desconhecidos. 

As imagens rodaram o país e, assim como a assustada família, repórteres, pesquisadores e investigadores ficaram impressionados com as obras e começaram uma busca por respostas ou indícios que levassem ao encontro do jovem.

A Polícia Civil do Acre inclusive tentou descobrir o paradeiro de Bruno por meio das escrituras, mas “zero respostas” foram obtidas. Então começou a divulgação das imagens do quarto, o que mobilizou curiosos e estudiosos em busca de decodificar as mensagens e assim Bruno passou a ser chamado de ‘O Menino do Acre’.

Foto: Reprodução/Acervo Rede Amazônia AC

O quarto

No primeiro mês de desaparecimento, a família de Bruno, mesmo assustada com tudo, conduziu uma investigação minuciosa no quarto. Teto, paredes e chão estavam cheios de mensagens criptografadas que formavam 14 livros escritos à mão; uma estátua em tamanho real do filósofo italiano Giordano Bruno (1548-1600), comprada por Bruno do artista plástico Jorge Rivasplata; e uma pintura de um homem (que seria o próprio Bruno) ao lado de um alienígena, adornavam o quarto do desaparecido.

A Polícia Civil trabalhava nas buscas e em abril, quando divulgaram as primeiras informações sobre o quarto, centenas de pessoas passaram a trabalhar também na identificação dos cinco tipos diferentes de criptografias, das mais simples às mais complexas, usadas por Bruno nos manuscritos, e a relação com os demais elementos.

As investigações apontaram ainda que o investimento na produção do quarto foi de, pelo menos, R$ 20 mil, e feita com ajuda de dois amigos e um primo dele. Além de hipóteses como sociedades secretas em função do uso de códigos, a relação de possível interferência alienígena foi levantada por conta da uma pintura do ET.

Reaparecimento

A família permanecia perplexa com a situação, trabalhando no material deixado por Bruno, enquanto a polícia e internautas investigavam o desaparecimento. Mas cinco meses depois, em 11 de agosto de 2017, com o aguardado retorno do jovem, a investigação da PC foi encerrada com a justificativa que o sumiço foi “voluntário”, após declaração realizada por Bruno durante os esclarecimentos do caso.


Na época, Bruno declarou à imprensa que o quarto “é uma obra de arte” e que trabalhou arduamente para concretizar o trabalho, inclusive fazendo jejuns e retiros. Mas nunca explicou o motivo de seu desaparecimento.

Em matéria publicada pelo g1 Acre oito dias após voltar para casa, o estudante afirmou que queria se reencontrar em uma “viagem mística da alma”. 

“Perguntem a si mesmos: Será que é fácil abandonar as pessoas que amo, arriscando minha vida e integridade com o intuito de despertar uma sociedade adoecida e de encontrar algo maior em mim mesmo?” Eu não costumo dizer os problemas que passei, pois: “E conhecereis pelas obras””, 

respondeu à época.

Paredes tornam-se livros: golpe de marketing?

Foi em função dessas primeiras declarações e da falta de explicação sobre o tempo de ausência, que o público interessado no caso começou a especular que na verdade se tratava de um golpe de marketing para chamar atenção à obra de Bruno, que sempre negou tal hipótese.

O jovem nunca explicou onde esteve de fato, mas alegou que passou cinco anos se preparando para tal feito e imergiu em uma jornada “de autoconhecimento” com suprimentos suficientes para sua sobrevivência, livros de filosofia e muita concentração para meditar diariamente. Bruno defendeu o ato como uma forma de reconexão com “o verdadeiro eu”, de entendimento sobre seu papel no mundo e que expressou como foi necessário e possível.

Porém, o livro ‘TAC: Teoria da Absorção do Conhecimento’, resultado dos esforços em entender o material deixado, foi publicado durante o retiro de Bruno, em junho de 2017, com tiragem de 20 mil exemplares – somente 2 mil foram vendidos. 

Outro ponto que reforçou a ideia de estratégia para divulgação dos livros foi que, durante a investigação policial, descobriram que Bruno assinou um contrato com os amigos para a realização do “projeto”. No contrato constava que parte da venda dos livros seria dividida com eles e na falta do cumprimento, o jovem acreano foi processado por um dos amigos, Marcio Gaiote. 

Foto: Reprodução/Acervo Rede Amazônia AC

Em uma entrevista concedida em 2019 à BBC News Brasil sobre a publicação de seus livros, considerados por muitos como o resultado de um golpe de marketing bem arquitetado, Bruno Borges afirmou que “queria ser uma pessoa que incentiva todos a filosofarem e também dar o exemplo”, de modo que ajudasse as pessoas à despertarem da inércia social. E, por conta da confusão com os amigos, o jovem decidiu que a publicação dos livros passaria a ser gratuita.

Mas com erros diversos de grafia, ideias remodeladas de outras filosofias e ainda a defesa de abstenções como não comer carne, não manter relações sexuais ou até mesmo dormir pouco, fizeram da obra um fracasso literário. Tanto, que ironicamente tornou-se prêmio. A coluna ‘Página Cinco’, do site UOL, escrita pelo jornalista especialista em Jornalismo Literário Rodrigo Casarin, condecora as piores obras literárias desde 2018 com o ‘Prêmio Menino do Acre’.

Para Bruno, o problema é que na ânsia de decodificar seu trabalho e mostrar ao mundo como um grande desafio, muitos erros foram cometidos, até mesmo de interpretação. “As pessoas não entenderam o livro, assim como eu também não entendi, porque estava diferente do original”, declarou na entrevista de 2019.

Depois de todo o ocorrido, Bruno disponibilizou suas obras em um site oficial. O endereço eletrônico é parte da biografia de Bruno Borges em seu perfil no Instagram.

Visitas guiadas

Para ele, na época seu trabalho foi tratado pela mídia sem preocupação em averiguar a versão original o que gerou, no universo online, muitos julgamentos e acusações por parte do público em geral.

No entanto, ainda que a vida na internet tenha se tornado desproporcional à realidade proposta por Bruno Borges, ele aproveitou para defender seu propósito e, em 2019, o quarto foi aberto para visitação ao público, com uma tour completa pelos escritos, estátua, quadros. A produção de um site oficial também auxiliou esse propósito. 

A ideia era que, desta forma, os curiosos pudessem conhecer de perto a obra e tirar suas próprias conclusões depois de conhecerem pessoalmente tanto a criação quanto o criador. As notícias mais recentes informam que até 2022 o quarto ainda permanecia intacto e aberto ao público.

*Com informações do g1 Acre, BBC News Brasil e o site oficial Bruno Escritor. 

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