Em cerimônia no Palácio do Planalto, Governo Federal anuncia a primeira Universidade Indígena do Brasil. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
A Universidade Indígena (UNIND) foi lançada em uma cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília, no dia 27. Marcada pela assinatura do Projeto de Lei (PL) a ser encaminhado ao Congresso Nacional que cria a instituição de ensino, a solenidade contou com a presença do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, do ministro da Educação, Camilo Santana, e do ministro do Esporte, André Fufuca. Na mesma ocasião, o presidente também assinou o PL que institui a primeira Universidade Pública das Américas dedicada ao esporte.
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De acordo com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, a Universidade Federal Indígena representa mais do que uma nova instituição de ensino superior, ela concretiza uma reparação histórica e apresenta para o Brasil e para o mundo uma proposta de pensamento e produção de conhecimento que rompe com a lógica colonial.
“Apresentamos hoje uma universidade que terá os povos indígenas como protagonistas na sua gestão administrativa e pedagógica, e que servirá a toda a sociedade brasileira como espaço de produção do saber plural, inclusivo, consciente e conectado aos desafios contemporâneos. Uma universidade gerida e liderada pelos povos indígenas vem combater o apagamento da memória, revitalizar as línguas e reconhecer o valor das medicinas, filosofias e ecologias indígenas, validando e valorizando nossos saberes”, afirmou Sonia Guajajara.
O ministro da Educação, Camilo Santana, destacou o compromisso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a educação: “Hoje é um dia histórico para os povos indígenas, para o esporte do Brasil, um país apaixonado pelo esporte. Eu queria, mais uma vez, agradecer ao presidente da educação, Luiz Inácio Lula da Silva, pelo seu compromisso. Nós vamos construir juntos, com todos os ministérios, com a Casa Civil, com os ministérios da Gestão, do Esporte, dos Povos Indígenas, para garantir o sucesso dessas duas novas universidades que o presidente Lula anuncia hoje para o país”.
Após a assinatura dos projetos, o Presidente da República falou sobre a importância da criação das universidades para a dignidade dos povos indígenas e a valorização do esporte nacional. “Eu não tive oportunidade de fazer um curso superior e, justamente por isso, tenho consciência do que representa um diploma universitário”. Lula ainda completou que “quem tem que fazer o trabalho para ajudar as pessoas é o Estado, é a União, e é isso que estamos fazendo quando criamos novas universidades”.
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Processo de construção da Universidade Indígena
Segundo o Censo do IBGE, a presença de indígenas nas universidades saltou de 9 mil em 2011 para 46 mil em 2022, um aumento de aproximadamente 36 mil estudantes. A conquista das cotas como política afirmativa foi um grande passo, e agora, com a criação da Universidade Indígena, damos um salto ainda maior.
O processo de construção do Projeto de Lei promoveu a escuta de educadores, estudantes, lideranças e representantes de 236 povos indígenas diferentes, ao longo de 20 seminários regionais em todo o país. Participaram desses encontros 3.479 pessoas, em todos os biomas, em todas as regiões, ao longo de 2024.
Após a escuta, o MEC estabeleceu um Grupo de Trabalho com a participação de organizações indígenas especializadas em educação, como o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI) e o Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena (CNEEI), a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), além da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e do MPI, para preparar a criação da UNIND, que já conta com estudo de impacto orçamentário e com um modelo inovador de universidade multicêntrica e em rede.

Estrutura da UNIND
Conforme Edilson Baniwa, coordenador-geral de Articulação de Políticas Educacionais Indígenas da Secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (SEART) do MPI, a Universidade Federal Indígena terá um campus-sede, no Distrito Federal, e se valerá de uma rede de Institutos de Formação Indígena de universidades federais, em locais e Territórios Etnoeducacionais a serem especificados.
“Estes institutos serão criados a partir de regras específicas com mediação e integral apoio logístico e material do Ministério da Educação, que garantirá que os campi da universidade sejam plenamente equipados de maneira a dinamizar, de diferentes maneiras, os distintos processos de formação no nível da educação superior”, disse.
Com a oferta inicial de 10 cursos e previsão de oferecer até 48 cursos de graduação, a UNIND atenderá aproximadamente 2.800 estudantes indígenas, nos primeiros quatro anos de implantação.
Os cursos de graduação e de pós-graduação a serem ofertados na UNIND serão voltados às áreas de interesse dos povos indígenas, com ênfase em gestão ambiental e territorial, gestão de políticas públicas, sustentabilidade socioambiental, promoção das línguas indígenas, saúde, direito, agroecologia, engenharias e tecnologias, formação de professores e demais áreas consideradas estratégicas para o fortalecimento da autonomia dos povos indígenas, a atuação profissional nos territórios e a inserção profissional indígena em diferentes setores do mercado de trabalho.
A Universidade terá processos seletivos próprios, que visam ampliar o ingresso de candidatos indígenas e considerem a diversidade linguística e cultural.
Pensada para responder às desigualdades históricas de acesso à educação superior, a UNIND tem como pilares a autonomia dos povos indígenas, com a promoção de ensino, pesquisa e extensão sob uma perspectiva intercultural; a valorização de seus saberes, línguas e tradições; a produção de conhecimento científico em diálogo com práticas ancestrais; o fortalecimento da sustentabilidade socioambiental; e a formação de quadros técnicos capazes de atuar em áreas estratégicas para o desenvolvimento dos territórios indígenas.
GT UNIND
Em abril de 2024, o Ministério da Educação lançou a Portaria n° 350/2024, que estabeleceu o Grupo de Trabalho (GT) para subsidiar a criação e a implementação da Universidade Indígena. O GT foi criado dez anos após a Portaria n°52/2014 que criava um GT semelhante, mas que não conseguiu efetivar a criação da Universidade.
O Grupo de Trabalho foi composto por membros do Conselho Nacional de Educação Escolar Indígena, do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, da Secretaria de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas e da Secretaria de Educação Superior, com o objetivo de construir o conceito da Universidade.
Seminários
O Departamento de Línguas e Memórias Indígenas (DELING) do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) foi responsável por conduzir a série de 20 Seminários Regionais de Consulta sobre a Universidade Indígena em diversas regiões do país. O objetivo foi elaborar, junto aos povos indígenas do Brasil, um projeto para criar a instituição de ensino.
“A minuta, que será enviada ao Congresso Nacional após a assinatura de Lula, é o resultado final de 20 seminários de consulta prévia, livre e informada realizados em territórios indígenas ao longo do ano passado. O documento foi elaborado por um Grupo de Trabalho com participação de diversos órgãos, incluindo o MPI”, relatou a coordenadora de Promoção de Políticas Linguísticas da Secretaria de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (SEART) do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Altaci Kokama.
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De acordo com o diretor do DELING, Eliel Benites, a UNIND é uma demanda antiga que busca utilizar a universidade como meio de resistência e luta para formar jovens lideranças indígenas. A demanda foi originalmente apresentada pelo movimento indígena na Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena (CONEEI), em 2009, e no Seminário Educação Superior de Indígenas no Brasil, em 2013.
“A Universidade tem uma característica, uma estrutura que incorpora saberes, línguas e conhecimentos tradicionais dos povos, e aprofunda o processo de fortalecimento da perspectiva de diversidade dos povos indígenas no Brasil”, disse Benites.
Outro importante papel do GT foi analisar a viabilidade técnica e orçamentária da instituição até o início de outubro, quando irá apresentar o resultado da escuta feita junto aos povos indígenas.
“A proposta foi se construindo diante da importância de legitimar o processo da estruturação da Universidade, uma vez que há 391 povos diferentes, com línguas e culturas diversas aqui no Brasil. Nesse GT, foi estabelecido um cronograma de consulta de seminários regionais para informar e também ouvir o que cada povo pensa sobre a Universidade Indígena e, a partir dali, pensar uma proposta que abarque toda essa diversidade”, acrescentou Giovana Mandulão, secretária de Articulação e Promoçao de Direitos Indígenas do MPI.
Protagonismo indígena
Segundo Gersen Baniwa, coordenador do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI)´, o anúncio marca o início de uma fase de “pré-universidade”, enquanto o Projeto de Lei sobre a instituição tramita no Congresso Nacional.
A futura universidade será gerida majoritariamente por protagonismo indígena, contando com um corpo de intelectuais e professores indígenas já qualificados, fruto de políticas de ação afirmativa e esforços individuais para acesso ao ensino superior. Baniwa detalhou que a futura universidade tem três objetivos centrais.
“O primeiro é garantir espaço para os conhecimentos e ciências indígenas, historicamente excluídos do ambiente universitário tradicional. O segundo é articular esses saberes com os conhecimentos não indígenas de forma complementar, promovendo uma ciência no plural que some e não se anule. O terceiro objetivo é avançar na autonomia dos povos indígenas, formando uma nova geração de lideranças não colonizadas para fortalecer a autonomia intelectual, territorial e étnica”, disse.
O coordenador afirmou que, uma vez enviado ao Congresso, o movimento indígena se mobilizará pela aprovação do projeto de lei com uma atuação “corpo a corpo”, em uma estratégia comparada à mobilização durante a Constituinte de 1988.
FNEEI
O Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI) coordena uma rede de mais de 3.000 escolas indígenas e atua em conjunto com mais de 20 universidades federais, estaduais e comunitárias em todo o país. A rede também inclui mais de 200 professores indígenas em sala de aula e gestores em secretarias de educação e no Ministério da Educação.
O FNEEI foi criado em 2014 e começou a se reunir anualmente a partir de 2015. A executiva nacional do Fórum é composta por quatro coordenadores, com representações regionais e estaduais, abrangendo uma base de mais de 800 pessoas, incluindo escolas, universidades, estudantes, professores indígenas e não indígenas que atuam na educação escolar indígena.
*Com informações do MPI
