O trabalho doméstico remunerado, historicamente marcado no Brasil pelas desigualdades de gênero, classe e raça, é um dos focos de estudos do grupo de pesquisa.
O Grupo de Pesquisa Comunicação, Política e Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA) lança o livro Comunicação, Gênero e Trabalho Doméstico: das reiterações coloniais à invenção de outros possíveis. O trabalho doméstico remunerado, historicamente marcado no Brasil pelas desigualdades de gênero, classe e raça, é um dos focos de estudos do grupo de pesquisa. A publicação é destinada ao público com interesse na reflexão sobre processos comunicacionais em um contexto de desigualdades interseccionais, feminismos, racismo, decolonialidade e trabalho doméstico.
A obra conta com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio do Projeto de pesquisa “Mídia, debate público e negociação de sentidos sobre o trabalho doméstico”.
A publicação surge em meio ao sombrio cenário da pandemia do novo coronavírus, que repercutiu de modo decisivo nas condições de vida de trabalhadoras domésticas, em sua maioria mulheres negras e pobres. Segundo o IPEA, a primeira morte por Covid-19 no Rio de Janeiro foi de uma trabalhadora doméstica, contaminada pela empregadora, que havia recém-chegado da Itália. “Um aspecto muito relevante do livro é a sua atualidade, pois ele traz um balanço do trabalho doméstico sob o contexto da pandemia, com textos que discutem de maneira particular o impacto que ele trouxe. Outro grande mérito da obra é discutir as configurações do trabalho doméstico na Amazônia”, explica uma das organizadoras da obra, Rosaly Brito.
Para as autoras, o tema evidencia, por um lado, as chamadas reiterações coloniais, que demarcam posições sociais e hierarquias valorativas que remontam ao passado escravagista colonial do Brasil, e, por outro, a luta política das trabalhadoras e as pautas dos feminismos negros. Segundo a presidente da Federação das Trabalhadoras Domésticas da Amazônia, Lucileide Mafra, o livro traz visibilidade para as lutas da categoria. “Ele traz um olhar diferente para a categoria das trabalhadoras, é muito bom pra gente, gratificante. Ele reconhece o trabalho doméstico, reconhece lideranças, vem coroar a visibilidade do trabalho doméstico e a necessidade de ser respeitado, de ser cumprida a legislação, principalmente sobre o trabalho infantil doméstico, que continua acontecendo, principalmente na Região Norte”, pontua Lucileide.
São 14 capítulos, sendo três deles com a participação das próprias trabalhadoras domésticas. “Consideramos a participação das trabalhadoras domésticas uma inovação importante, de inspiração decolonial e com influência nos processos de produção do conhecimento. Por fim, ao analisar as práticas midiáticas em torno do trabalho doméstico e publicizar essa crítica, o livro contribui para tensioná-las e abre caminho para renová-las à luz de processos que considerem os atravessamentos interseccionais”, afirma Danila Cal.
Além dos integrantes do projeto de pesquisa (pesquisadores e trabalhadoras domésticas), também são autores parceiros de pesquisa da área de Antropologia da UFPA e também do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da UFPR.
O livro quer, se não desatar o nó dessa ferida colonial, ao menos deslocar olhares e promover tensionamentos que sejam capazes de incidir para transformar uma realidade com a qual já não é mais possível compactuar. Nesse contexto, discute-se também a comunicação midiática como uma esfera simbólica alargada, em que se produz e faz circular, ampla e decisivamente, sentidos que, na maior parte das vezes, contribuem para reafirmar preconceitos e estigmas em torno do trabalho e das trabalhadoras domésticas.
Trabalho doméstico
Exercido majoritariamente por mulheres (92% do total) pobres, em sua maioria negras e com baixa escolaridade, o trabalho doméstico radicaliza a divisão sexual do trabalho e a lógica de opressões. No interior das unidades domésticas, essas trabalhadoras assumem as práticas de cuidado com a casa e com os filhos de famílias mais abastadas. Ao mesmo tempo, viabilizam, com o seu trabalho, que as mulheres que as empregam, em sua maioria brancas e com mais recursos, possam exercer suas atividades profissionais, enquanto os homens seguem liberados para o mesmo fim.
“A terceirização do trabalho doméstico cria, portanto, uma oposição de classe e raça entre as próprias mulheres, ao mesmo tempo que se configura em uma solução privada para um problema público, sendo, portanto, acessível apenas àquelas famílias com mais renda”, diz a nota técnica do IPEA, publicada em junho de 2020, sobre as vulnerabilidades das trabalhadoras domésticas no contexto da pandemia da Covid-19 no Brasil.
A obra está disponível para download gratuito no site do PPGCom UFPA.