Em 2018, Lília foi escolhida a melhor professora do Brasil, na categoria ensino médio.
“A minha relação com a professora Lília é muito forte. Ela esteve e está em momentos muito importantes na minha formação acadêmica e pessoal, momentos felizes. Mas, principalmente está comigo em meio a guerras e lutas. Ela me acolheu, e eu de aluna passei a ser sua afilhada. Sinto um carinho muito especial por ela, porque afilhada é um ser humano gerado no coração como filha”.
Esse é o reconhecimento da universitária Natasha Angel, de 18 anos, que foi aluna da professora Lília Melo, desde os 12, na Escola Estadual Brigadeiro Fontenelle, no bairro da Terra Firme, um dos mais violentos da periferia de Belém, no Pará.
Lília Melo é paraense e tem 42 anos. Em 2018 recebeu o reconhecimento de melhor professora do Brasil, na categoria Ensino Médio, do Prêmio Professores do Brasil, organizado pelo Ministério da Educação (MEC), e acaba de ser anunciada como uma das 50 finalistas do The Global Teacher Prize 2020, considerado o “nobel da educação”.
O projeto
O prêmio de melhor professora do Brasil veio em função do trabalho desenvolvido na Escola Brigadeiro Fontenelle, com o projeto social “Terra-Firme: juventude negra periférica, do extermínio ao protagonismo (Cine Clube TF)“, que surgiu após a professora ter vivenciado uma chacina em novembro de 2014, quando alunos seus estavam entre as vítimas.
O trabalho é uma ação que nasce no cotidiano dos estudantes, que produzem conteúdos culturais e audiovisuais da realidade onde estão inseridos, levando esperança, valorizando a identidade afro, indígena, ribeirinha, além da aprendizagem e reconhecimento deles, desconstruindo a ideia de que a juventude da periferia é sempre alvo do crime.
O reconhecimento de melhor professora do Brasil
Após o reconhecimento, Lília incrementou o projeto, aperfeiçoou as formas de produção de conteúdo e consolidou o Cine Clube TF.
“Teve a repercussão do projeto e a credibilidade em que se dá o trabalho. Algumas pessoas ainda julgam essa metodologia inovadora, que permite com que o jovem, pelo menos em sala da aula, seja protagonista e o professor apenas mediador. Depois do prêmio compramos câmeras e passamos a trabalhar com audiovisual e oficinas para poder fazer, promover e garantir a formação midiática, e estender para além da arte cinematográfica e construção da produção artista periférica, um produto que possa ser disponibilizado nas plataformas virtuais”, disse Lília.
Educação Inovadora
Para a professora Lília, pensar, propor e executar uma educação inovadora é lutar contra um sistema de ensino hegemônico, que prioriza o mérito, e dentro da periferia não coloca o aluno como protagonista de sua história.
“Nossa comunidade escolar apresenta todos os conflitos que qualquer outra escola publica tenha. Existe ainda parte do corpo docente que acredita em uma concepção tradicional de ensino, que vai verificar o coeficiente de rendimento desse aluno, que vai validar a nota dez, que vai super-valorizar a conduta padrão, mas existe já uma vertente de professores que já trabalha com um metodologia ativa e que percebe o educador enquanto mediador de um processo e que o jovem precisa protagonizar a partir de suas linguagens”, pondera.
Um dos passos para um ensino inovador, garante Lília, é formar o aluno para a vida, e isso vai além de um ensino escolarizado, como ressalta a professora.
“Falar da Escola Brigadeiro Fontenelle é entender como se dá a produção de um conhecimento hegemônico, que a gente diz ser o escolarizado. Mas quando se fala do projeto, a gente percebe que existe uma formação que vai para além da escola, que está no viés da preparação da vida para o mundo. Então, morar e trabalhar em uma periferia e conviver com os jovens periféricos, que tem toda uma produção artística que precisa ser potencializada, é entender que essa comunidade, embora não tenha o privilégio de estar, em sua maioria, dentro da escola, garante um conhecimento que é artístico, que o faz sujeito de cultura”, disse a professora.
A professora
Perguntada sobre quem é a professora Lília Melo e onde quer chegar, ela é enfática ao ressaltar suas origens e o desejo se promover a mudança a partir da educação.
“A professora Lília Melo é uma mulher afro, indígena, ribeirinha, amazônida que está e é da periferia, que acredita nos seus sonhos e que faz da educação um instrumento de transformação social e que contribuir através da sua profissão, para dias melhores e um mundo melhor”, disse.
Ainda segundo, ela, o fortalecimento da transformação está com os mais novos, sem esquecer os mais velhos.
“Fortalecendo a ancestralidade de que a mudança, e a transformação está nas mãos dos mais novos, mas vem através dos mais velhos, então, eu acredito que a juventude negra e periférica pode mudar o curso da história e da humanidade se nós, mais velhos, potencializarmos o que há de melhor neles e nelas”, completa.
Indicação ao “Nobel da Educação”
Conhecido como o “Nobel de Educação”, o Global Teacher Prize busca reconhecer e celebrar o melhor professor do mundo. Além da Lília, outros dois brasileiros estão na disputa, a professora de educação especial e Língua Portuguesa Daoni Berntan, de São Paulo e o professor de história Francisco Celso, de Santa Catarina.
No total, disputam 50 professores de 37 países. Em junho, o comitê do prêmio seleciona dez que seguem para a final, que será anunciada em outubro, em Londres.
Quem comemora a indicação é a professora, também de Língua Portuguesa, Débora Ferreira. Amiga de Lília a mais de 10 anos, a professora fica orgulhosa em ver o reconhecimento do trabalho desenvolvido por ela.
“Fico muito feliz e orgulhosa de ver o merecido coroamento de todo trabalho realizado pela Lília ao longo destes anos. Desde os tempos da nossa atuação na rede privada, ela já demonstrava um grande potencial em relação ao desenvolvimento de grandes e efetivos projetos didáticos de ensino-aprendizagem do Português na educação básica”, conta.
Tese de doutorado
Débora enfatiza Lília como uma inspiração e escolheu estudar o trabalho desempenhado pela amiga na construção de sua tese de doutorado.
“Ela é uma inspiração pessoal, acadêmica e didática para todos nós professores da educação básica. Não é à toa que escolhi acompanhar durante um ano o seu trabalho para construir minha tese de doutorado, onde abordei as práticas de ensino de Língua Portuguesa da Lília. Defendi em agosto de 2019, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)”, enfatiza a doutora Débora.
Confira alguns registros fotográficos da defesa da tese de Débora:
Baixe aqui, a tese completa da doutora Débora, sobre o trabalho de Lília: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/335174?mode=full
The Global Teacher Prize 2020
O Global Teacher Prize é um prêmio de 1 milhão em dólares, que reconhece anualmente um professor excepcional que fez uma excelente contribuição para a profissão. Conhecido como o “Nobel de Educação”, o prêmio busca reconhecer e celebrar o impacto que os professores tem em todo mundo, não somente aos alunos, mas também nas comunidades.