O idioma natural das comunidades surdas é a Língua Brasileira de Sinais (Libras). Ela é a segunda língua oficial do país. Embora não tenha a mesma visibilidade do português, o assunto foi tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano e repercutiu de norte a sul do Brasil.
O tema “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”, no qual os candidatos teriam que escrever um texto dissertativo-argumentativo, levantou as discussões sobre o ensino das pessoas surdas em nível nacional.
“Essa discussão foi crucial. Os olhares do Brasil se voltaram por algumas horas para a educação de surdos, porque tivemos avanços, mas a grande maioria da população brasileira ainda não conhece a Libras”, destaca Socorro Rodrigues, coordenadora do Centro de Apoio ao Surdo (CAS) do Acre.
O CAS, em 12 anos de funcionamento, já atendeu mais de seis mil pessoas com formação e capacitação. “Oferecemos cursos, formações e oficinas que beneficiam não só os surdos, mas também a comunidade de ouvintes”, explica a coordenadora do local.
O órgão pertence à Secretaria de Estado de Educação e Esporte (SEE) e funciona no Centro de Referências e Inovações Educacionais (Crie), localizado no antigo Mira Shopping, Rua Rui Barbosa, centro de Rio Branco.
Na instituição são oferecidos diversos serviços, com o objetivo de apoiar o ensino dos surdos na rede pública no estado. No estabelecimento são disponibilizados cursos de Libras, de intérprete de nível básico e intermediário.
Além disso, o estabelecimento trabalha com a formação continuada dos intérpretes que atuam nas escolas da rede. Atualmente há 105 atendendo os alunos das escolas estaduais acreanas. Só na capital são 80.
Outra capacitação da instituição é a direcionada aos profissionais que trabalham nas Salas de Recursos Multifuncionais, que funciona nas escolas onde há surdos e que trabalham o português como segunda língua.
Inclusão de ouvintes
Nas escolas onde existem estudantes com surdez matriculados, os ouvintes recebem também oficinas de Libras. “Os profissionais aplicam essas oficinas onde há alunos surdos para disseminar a língua de sinais aos demais estudantes, para que se estabeleça uma interação entre surdo e ouvinte e ele não fique isolado dos demais”, explica Socorro Rodrigues.
Somado a tudo isso, há ainda o curso de Metodologia para o Ensino de Libras, que tem como público alvo apenas pessoas surdas ou com deficiência auditiva. Essa formação tem a carga horária de 300 horas.
De acordo com a coordenadora do CAS, a demanda é grande. “Quando a gente abre inscrições, muitas pessoas dormem de um dia para o outro aqui, para fazer a inscrição no dia seguinte”, conta.
Avanços educacionais
Ainda segundo Socorro Rodrigues, quando a instituição começou atender em 2005, procurou pessoas para fazer os cursos, porque havia pouca procura. “Hoje, quando abrimos vagas, são mais de 600 pessoas procurando por uma vaga”, diz.
Ela explica ainda que as pessoas procuram o setor por diferentes razões. “Algumas porque querem ingressar no mercado de trabalho, outras porque desejam se comunicar em língua de sinais. Isso é muito importante para que os surdos não fiquem isolados e tenham com quem interagir.”
Exemplo
Apesar da disciplina de Libras ainda não fazer parte da grade curricular, já existe um trabalho na educação básica com intérpretes em todas as escolas onde há estudantes com necessidades especiais matriculados.
Na rede pública estadual existem atualmente 225 alunos surdos matriculados. Só em Rio Branco são 111 estudantes. Na Escola Rodrigues Leite, localizada na capital acreana, é onde tem mais estudantes com essa condição, são nove com surdez.
Para atender e incluir esses estudantes, a instituição conta com uma sala de Recursos Multifuncionais, que oferece apoio educacional nos contraturnos. Além disso, os alunos podem contar com quatro intérpretes, durante as aulas e um professor surdo.
Meirijane Silva, docente da Sala de Recursos, explica que no espaço os alunos “estudam no contraturno e participam de atividades como oficinas de libras, além de ter o acompanhamento de um docente também surdo”.
A professora Francinete de Oliveira é surda e trabalha na instituição. Ela conta que o trabalho é importante, porque dá um “amparo linguístico para o estudante”, além de ser uma forma de inclusão social tanto do docente quanto do discente.
Eduardo Rocha é um dos alunos da escola e conta que se sente incluído com as políticas de inclusão do ensino do Acre. “Tenho um intérprete que fica me acompanhado durante as aulas e quando termina tem ainda a sala de recursos com outras coisas e também a professora” conta.
Simulado do Enem em Vídeo-Libras
A Rodrigues Leite é tão empenhada com o aprendizado de seus alunos que foi a primeira escola do Acre a criar um simulado do Enem em formato de vídeo, para que caso os estudantes optassem por fazer a prova eletrônica, já estivessem familiarizado com o sistema. Aliás, a videoprova foi a novidade do Enem deste ano.
“É um simulado em vídeo-libras, eletrônico, onde o aluno pode ver a questão em português e a questão traduzida para a língua dele, para que ele possa ser de fato incluído no Enem. Porque um dos papéis do exame é a inclusão”, explica Jonas Barros, intérprete e criador do simulado.