Bioeconomia tem potencial de melhorar a qualidade de vida de 750 mil famílias na Amazônia

Somente no Pará, 30 produtos da sociobiodiversidade geraram 224 mil empregos, 84% deles em estruturas produtivas de base familiar.

A Amazônia, por sua heterogeneidade cultural, ambiental, social e econômica, exige diferentes estratégias de bioeconomia. Na foto, a flor do cupuaçu, fruto típico do bioma. Foto: Ronaldo Rosa/Embrapa

Ações voltadas à bioeconomia inclusiva são capazes de melhorar a vida de 750 mil famílias entre agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais que habitam a Amazônia brasileira. Essas populações e os seus conhecimentos têm papel fundamental no desenvolvimento sustentável da região. São conclusões obtidas de uma série de dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Embrapa e outras instituições, apontando que é possível o desenvolvimento social e ambiental da Amazônia de uma forma inclusiva.

Um dos estudos sobre o potencial da bioeconomia foi publicado este mês: ‘Visões sobre bioeconomia na Amazônia: Oportunidades e desafios para a atuação da Embrapa‘, elaborado por oito especialistas da Empresa (veja quadro abaixo). O documento ressalta que o bioma exige diferentes estratégias de bioeconomia, uma vez que ele é heterogêneo em suas características sociais, econômicas, ambientais e culturais, reunindo realidades distintas.

“Um entendimento do que é, e do que pode se tornar, a bioeconomia no contexto amazônico é o ponto de partida para a atuação de instituições de ciência e tecnologia nos ecossistemas de inovação da região. Essa foi a premissa do trabalho”,

conta Daniela Lopes, coordenadora do estudo da Embrapa, o qual contou ainda com consultas a outros profissionais da Empresa e traz referências a documentos externos.

Voltado a subsidiar as ações da Embrapa no bioma, o estudo reuniu informações que demonstram que a bioeconomia é geradora potencial de benefícios sociais, ambientais e econômicos para a Amazônia. 

“Esse pode ser o caminho para se reverter o grande paradoxo da região Amazônica, marcada pela riqueza e abundância de recursos naturais e pela extrema pobreza das populações e comunidades locais”, frisa o pesquisador Judson Valentim, responsável pelo Portfólio Amazônia, conjunto de projetos de pesquisa da Embrapa relacionados ao bioma.

O que é bioeconomia na Amazônia? 

Uma economia sustentável, focada no uso de recursos da biodiversidade, considerando conhecimentos tradicionais e aliada aos avanços tecnológicos em processos químicos, industriais e de engenharia genética. Tem como objetivo a valorização das práticas regenerativas na região amazônica de modo a assegurar a inclusão social, a qualidade de vida, além da conservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.

O que é sociobiodiversidade?

O conceito expressa a inter-relação entre a diversidade biológica e a de sistemas socioculturais. Os produtos da sociobiodiversidade são bens e serviços (produtos finais, matérias-primas ou benefícios) gerados a partir de recursos da biodiversidade, voltados à formação de cadeias produtivas de interesse dos povos e comunidades tradicionais e de agricultores familiares, que promovam a manutenção e valorização de suas práticas e saberes, e assegurem os direitos decorrentes, gerando renda e contribuindo para a melhoria de sua qualidade de vida e do ambiente em que vivem.

O Código Florestal determina que entre 50% e 80% da área desse bioma deve ser mantida com vegetação nativa. “Para que esses recursos florestais se traduzam em desenvolvimento econômico e social para a população, é preciso investir na geração de tecnologias de bases sustentáveis”, defende Valentim.

Foto: Guilherme Noronha

Ciência e conhecimento tradicionais para manter a floresta

Para a pesquisadora Ana Euler, diretora-executiva de Negócios da Embrapa e coautora do estudo, a bioeconomia da sociobiodiversidade deve orientar o desenvolvimento na região. Ela diz ser necessário estruturar as cadeias de valor com investimentos em infraestrutura, formação de capital humano e tecnologias (sociais, digitais, biotecnológicas).

“A agregação de valor aos produtos florestais tem o potencial de beneficiar povos indígenas, comunidades tradicionais e produtores rurais que vivem na região. Integrar o conhecimento ancestral desses povos com a ciência é o principal caminho para manter a floresta em pé e promover o bem-estar humano e o desenvolvimento sustentável na Amazônia,” ressalta a diretora. 

“Criar oportunidades para as pessoas que moram na Amazônia é a melhor maneira de enfrentar os atuais problemas da região”, 

defende Euler.

Valentim conta que há vários resultados de sucesso na pesquisa que nasceram da união entre os conhecimentos tradicional e científico das populações amazônicas. Entre eles, destacam-se os que comprovam o potencial de microrganismos do guaranazeiro para a agricultura e a saúde humana e o do óleo de uma planta amazônica conhecida como pimenta-de-macaco (Piper aduncum) para controlar pragas, além de inúmeros outros exemplos.

Economia da sociobiodiversidade

Um estudo da The Nature Conservancy (TNC Brasil) estimou que, em 2019, somente no estado do Pará, 30 produtos de cadeias da chamada sociobiodiversidade responderam por uma renda de cerca de 5,4 bilhões de reais, gerando 224 mil empregos, 84% deles em estruturas produtivas de base familiar.

“A oportunidade é contribuirmos, com conhecimento técnico-científico, para que modelos sustentáveis de bioeconomia apoiem o desenvolvimento regional, gerando prosperidade para as comunidades amazônidas”, pontua Lopes.

Em uma consulta a especialistas da própria Embrapa, os autores perguntaram quais seriam os temas mais importantes associados à bioeconomia na Amazônia. Na percepção dos entrevistados, os dois temas considerados mais relevantes foram: “tecnologias sociais e agregação de valor às cadeias produtivas da sociobiodiversidade” e “desenvolvimento de bioprodutos e bioativos, a partir da biodiversidade amazônica”. Para os entrevistados, essas pautas devem nortear boa parte dos esforços da pesquisa científica na região.

Os autores contam que o desenvolvimento de ações de pesquisa, desenvolvimento e inovação em prol da bioeconomia na Amazônia é uma prioridade da Embrapa desde 2014. Em 2023, a Empresa deu início a um projeto para diagnóstico e elaboração de um plano estratégico a fim de fortalecer essa nova economia na região. Para isso, a ideia é desenvolver soluções tecnológicas voltadas às cadeias da sociobiodiversidade, que priorizem a sustentabilidade e a inclusão das populações e comunidades locais. Para isso, a Empresa conta com investimentos da ordem de 20,5 milhões de reais, nove centros de pesquisa na Amazônia Legal, além de outros que apoiam o bioma desenvolvendo soluções em suas respectivas áreas. São mais de 300 pesquisadores e 140 projetos de pesquisa em andamento na região.

Um dos objetivos é ampliar os esforços em rede com instituições no Brasil e exterior para captar recursos e fortalecer a presença do País nos fóruns internacionais de biodiversidade e clima. Além disso, a Embrapa pretende reforçar a sua participação na elaboração e articulação de políticas públicas que estimulem a produção sustentável na Amazônia.

Principais soluções para o bioma 

Foto: Ronaldo Rosa

O ecossistema de inovação da Embrapa na Amazônia Legal tem gerado soluções tecnológicas e sociais para os setores agropecuário, florestal e agroindustrial com foco, entre outros temas, em sistemas que integram lavoura e pecuária (ILP) e lavoura-pecuária e floresta (ILPF), manejo florestal sustentável (produtos madeireiros e não madeireiros), sistemas agroflorestais, sistemas de produção de pecuária de carne e leite, aquicultura, fruticultura e grãos.

Dos 34 portfólios (agrupamentos) de projetos dedicados a temas estratégicos para a agricultura brasileira, um é voltado exclusivamente à Amazônia, com o objetivo de apoiar políticas públicas integradas para o desenvolvimento competitivo dessa região, com foco em bioeconomia.

O portfólio Amazônia conta com oito desafios para inovação alinhados a 28 políticas públicas. Entre esses desafios, três se destacam em relação à bioeconomia.

O primeiro é voltado à agregação de valor a produtos da biodiversidade amazônica, como plantas alimentícias não convencionais (Pancs), óleos, resinas, extratos, essências, gorduras vegetais, frutas, plantas medicinais, raízes e tubérculos, fibras, madeira e meliponídeos, considerando a multifuncionalidade do espaço rural nas áreas de produção familiar, de comunidades tradicionais e de povos indígenas. 

O segundo visa ampliar a inserção de bioativos da Amazônia como insumo para produtos convencionais e bioprodutos de indústrias de bioeconomia, com foco nos setores agroquímico, cosmético, de alimentos e de medicamentos. O terceiro desafio tem como objetivo aumentar a escala, qualidade, regularidade e logística de matérias-primas da diversidade da Amazônia para o desenvolvimento de soluções tecnológicas voltadas às indústrias agroalimentares, agroquímicas, e de energias renováveis, entre outras.

Tecnologias geradas

Algumas das tecnologias geradas pela Embrapa com foco em bioeconomia inclusiva na Amazônia:

– Manejo de açaizais nativos na Amazônia Oriental.
– Boas práticas para produção de castanha-da-Amazônia em florestas naturais.
– Boas práticas de processamento pós-colheita de açaí.
– Manejo de abelhas nativas para a meliponicultura na Amazônia.
– Novas cultivares de açaí, guaraná e cupuaçu.
– Sistema de criação de tambaqui.
– Modelos de sistemas agroflorestais para recuperação de áreas degradadas de produtores familiares, comunidades tradicionais e populações indígenas.

Essas tecnologias já são adotadas em mais de 140 mil hectares com impacto econômico superior a 160 milhões de reais e impacto social comprovado, com a geração de aproximadamente 3 mil empregos.

As expectativas apontam potenciais para avanços técnico-científicos em temas como: domesticação de espécies nativas, principalmente plantas, agricultura de baixo carbono, restauração florestal e recuperação do passivo ambiental de forma econômica, piscicultura, pecuária sustentável, aproveitamento da biodiversidade local, benefícios decorrentes da manutenção da floresta em pé, inclusão das populações locais em circuitos curtos de comercialização, sistemas agroflorestais e aprimoramento de técnicas silviculturais com espécies nativas.

Foto: Ronaldo Rosa

Quanto valem as cadeias produtivas da sociobiodiversidade

O estudo da Embrapa traz ainda informações sobre os produtos florestais não madeireiros (PFNM) com maior valor de produção, entre os quais destacam-se: o fruto do açaizeiro; a castanha do Brasil e as amêndoas da palmeira babaçu. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a soma do valor da produção nacional de açaí e cacau e dos demais PFNM obtidos pelo extrativismo na região supera 10,5 bilhões de reais. Embora represente apenas cerca de 0,12% do Produto Interno Bruto (PIB) do País, essa receita é significativa para as famílias de baixa renda na Amazônia, se comparada aos 2,9 bilhões de reais oriundos da extração de madeira em toras.

Hoje existem 94 espécies nativas de valor alimentício para fins de comercialização in natura ou derivados. Para os pesquisadores, a agregação de valor a esses produtos por processamento agroindustrial tem enorme capacidade de expansão. O açaí, por exemplo, tem sido explorado para a produção de medicamentos, cosméticos e vários outros produtos.

Em 2019, a Embrapa disponibilizou tecnologia para a produção de produtos alimentícios à base de frutas da Amazônia. Eles são resultados de uma pesquisa que desenvolveu balas de gelatina de açaí, blends (sucos mistos) com misturas de frutas nativas do bioma, snacks (salgadinhos) à base de farinha de pupunha e mandioca e barrinhas multifuncionais de tapioca, castanha e açaí.

Assinam o estudo ‘Visões sobre bioeconomia na Amazônia: Oportunidades e desafios para a atuação da Embrapa‘, os pesquisadores da Embrapa: Daniela Biaggioni Lopes (Superintendência de Estratégia), que coordenou o trabalho; Ana Euler (diretora-executiva de Negócios); Joice Ferreira (Embrapa Amazônia Oriental), Judson Valentim (Embrapa Acre), Lucia Wadt (Embrapa Rondônia), Milton Kanashiro (Embrapa Amazônia Oriental), Roberto Porro (Embrapa Amazônia Oriental) e Susana Góis (Diretoria de Pesquisa e Inovação).

*O conteúdo foi originalmente publicado pela Embrapa

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