ZFM, engessada, sofre fortes perdas de competitividade com a Reforma Tributária

A Reforma Tributária, que agora entra na fase de regulamentação, impõe pesadas e praticamente irreversíveis perdas à Zona Franca de Manaus (ZFM).

A Reforma Tributária, que agora entra na fase de regulamentação, impõe pesadas e praticamente irreversíveis perdas à Zona Franca de Manaus (ZFM). A matriz econômica instituída pelo DL 288/67 passa a restringir-se, no horizonte 2073, às cadeias produtivas incentivadas até 2023. Qualquer outro empreendimento aprovado fora desse prazo estará sujeito à mesma tributação do resto do Brasil. Entendo, todavia, que talvez ainda esteja na hora de o governo do Estado, aliado à forças parlamentares e empresariais, conseguir, no Congresso, ajustes voltados à construção de novo modelo econômico estruturado na integração PIM/Bioeconomia. Projeto que supostamente poderá ser viabilizado por meio da aplicação de recursos dos fundos de Desenvolvimento Regional (FDR) e o de compensação de benefícios fiscais. Ocorre que, a respeito, o Unafisco Nacional expressa forte preocupação em relação à forma como os recursos serão destinados a estados e municípios. A previsão de R$ 630 bilhões para o Fundo de Desenvolvimento Regional e R$ 160 bilhões para compensação de benefícios fiscais levanta questionamentos sobre a origem desses recursos. A União promete promover os aportes, sem especificar, contudo, fontes claras dos recursos. Cheques sem fundo.

Para o melhor clareza das amarras em que a ZFM passa a ser submetida, atente-se à estrutura do Projeto de Lei Complementar (PLP) que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS) enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional na quarta-feira (24/4). O projeto – considerado como Lei Geral do IBS, da CBS e do Imposto Seletivo – contém a maior parte das regras que regulamentam a Emenda Constitucional (EC) 132, promulgada em dezembro de 2023 pelo Congresso e que promove a Reforma Tributária do consumo. Um segundo PLP, envolvendo aspectos específicos de gestão e fiscalização do IBS, será entregue ao Parlamento nos próximos dias. A CBS e o IBS compõem o Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) Dual, coração da Reforma Tributária do consumo, e serão, respectivamente, geridos pela União e por Estados, Distrito Federal e Municípios. O IS, de natureza extrafiscal, visa desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Zona Franca de Manaus. Foto: Divulgação/Secom AM

Quanto ao novo sistema tributário nacional, de minha parte, nada a contestar. A Reforma, ao que me parece, é boa e pode ser duradoura se não desmoralizada ante interesses subalternos ainda na fase regulatória. O Brasil, efetivamente, precisa desconstruir o atual sistema tributário, considerado por especialistas o mais complexo, burocrático e complicado do mundo. Contudo, no que respeita à Zona Franca de Manaus não observei avanço de porte sobre a estrutura da política de incentivos instituída no DL 288/67. De fato, o LIVRO III (Das Demais Disposições), por meio do Art. 424, assegura “os benefícios relativos à Zona Franca de Manaus estabelecidos neste Capítulo até a data estabelecida pelo art. 92-A do ADCT”, isto é, 2073. O esperado. Entretanto, o Art. 425, item IV, alíneas “e” e “f”, exclui, do bojo dos incentivos fiscais e) petróleo, lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo; e f) produtos de perfumaria ou de toucador, preparados e preparações cosméticas, salvo se produzidos com utilização de matérias-primas da fauna e da flora regionais.

Paralelamente a essas limitações, o PLP vai mais além. Engessa a ZFM ao estabelecer no TÍTULO II – DA REDUÇÃO A ZERO DA ALÍQUOTA DO IPI EM 2027 ao determinar que, art. 450, a partir de 1º de janeiro desse ano, ficam reduzidas a zero as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados que não tenham sido efetivamente industrializados na ZFM no ano de 2023, nos termos do art. 126, III, “a” do ADCT. O § 1º do dispositivo prevê que o Poder Executivo da União divulgará: I – a lista (atente-se ao detalhe) dos produtos efetivamente industrializados na Zona Franca de Manaus em 2023, discriminando entre, ipsis litteris: a) os produtos cuja alíquota do IPI não será reduzida a zero; e b) os produtos cuja alíquota será reduzida a zero em função do disposto no art. 436; e II – a lista dos produtos para os quais a alíquota do IPI será reduzida a zero nos termos do caput deste artigo. Segundo o § 2º, na hipótese de bens – sem similar nacional – cuja produção possa vir a ser instalada na ZFM, fica o chefe do Poder Executivo da União autorizado a fixar alíquota do IPI em percentual superior a zero, nos termos do inciso II do art. 437 do PLP. Grave e limitante engessamento ao qual o Polo Industrial de Manaus, limitado às cadeias produtivas incentivadas até 2023, sem possibilidade de expandir-se, queda-se irreversivelmente indefesa.

Quanto à ZFM, a RT, ao fim e ao cabo, nos termos em que foi aprovada, consolida a perpetuação da dependência da região a Brasília, a oficialização do “pires na mão” em troca de uma política autóctone de desenvolvimento alicerçada nas potencialidades de nossa bioeconomia. Ignorada, portanto, a hipótese de expansão do modelo ZFM na direção da incorporação de cadeias produtivas derivadas da exploração dos recursos da biodiversidade (grãos, hortifrutis, carnes e peixes), recursos minerais, ecoturismo, polo óleo-gás-energia, manejo florestal sustentável e ampliação das relações comerciais com os países vizinhos da Pan-Amazônia. Setores que induziriam o ajuste do modelo de substituição de importações à economia de mercado global padrão 4.0, incluída a introdução de plataforma de exportação ao nível da competitividade mundial. Efetivamente, a única forma de, integrada ao PIM, assegurar a definitiva perenização da ZFM, independentemente de incentivos fiscais, em regime de mercado aberto.

Sobre o autor

Osíris M. Araújo da Silva é economista, escritor, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas (ALC EAR), do Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (GEEA/INPA) e do Conselho Regional de Economia do Amazonas (CORECON-AM).

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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