Novo arcabouço fundiário para a Amazônia

Algo não está certo e a situação fundiária do país precisa ser urgentemente revista.

Quase um quarto da Amazônia brasileira, ou 118 milhões de hectares, são terras públicas ainda sem destinação definida e, portanto, vulneráveis à ocupação irregular. Mais de 50 milhões de hectares já foram ocupados, enquanto a postura omissa e vagarosa do Estado – que não encaminha a destinação – alimenta o velho ciclo de avanço sobre a floresta: primeiro a terra é ocupada, depois desmatada e, anos depois, parte acaba sendo regularizada a preço de banana. Algo não está certo e a situação fundiária do país precisa ser urgentemente revista. É o que propõe a publicação “Mesmo jogo, novas regras: uma solução fundiária para a Amazônia”, lançada no último dia 21/08 pelo Instituto Escolhas, de S. Paulo, e realizada em parceria com o Grupo de Políticas Públicas da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ/USP).

“O Estado brasileiro falha quando não destina suas terras nem para a conservação ambiental, nem para outros usos. E o que fazer agora que boa parte da área já foi ocupada? Objetivamente, estamos falando de um acordo político para lidar com essa realidade se quisermos ter alguma chance real de manter em pé o que ainda temos de floresta”, explica Larissa Rodrigues, gerente de portfólio do Instituto Escolhas e responsável pela pesquisa que deu origem à publicação. “Nossa proposta é conceder de um lado, regularizando as ocupações que já aconteceram, mas seguindo novos parâmetros. Enquanto isso, do outro lado, vamos garantir uma proteção definitiva, criando Unidades de Conservação nas áreas ainda não ocupadas, acabando com a atual indefinição”, afirma.

Operação contra desmatamento e queimadas em Rondônia. Foto: Vinícius Mendonça/Ibama

Para Rodrigues, o Estado mantém um estoque de terras na manga, que vai sendo distribuído conforme as necessidades e interesses do dia. “O problema é que são terras públicas e não podemos deixar que as florestas sejam moeda de troca. Tanto o meio ambiente como quem precisa da terra regularizada para produzir saem perdendo”, alerta. Segundo o estudo há 59,4 milhões de hectares de terras públicas sem destinação e ainda não ocupadas na Amazônia. Essas áreas devem ser imediatamente destinadas à conservação ambiental. Para os outros 56,4 milhões de hectares, já ocupados, a regularização fundiária deve ser avaliada. “Caso contrário, o ciclo ‘ocupar, desmatar e regularizar’ nunca terá fim”. Assim procedida a destinação a Amazônia teria 231 milhões de hectares protegidos, entre Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Territórios Quilombolas. Hoje, são 171 milhões, conclui.

Em relação aos 56,4 milhões de hectares destinados à regularização fundiária, os proprietários dos novos imóveis, em cumprimento ao Código Florestal Brasileiro, ficariam responsáveis pela proteção de 39,7 milhões de hectares de vegetação – entre Reserva Legal e Área de Preservação Permanente (APP) – além de arcar com os eventuais passivos ambientais, isto é, com a recuperação do que foi desmatado além do previsto em lei. A proposta do Escolhas é que a regularização considere o valor real das terras no mercado, gerando uma arrecadação de R$ 470 bilhões para os cofres públicos, que seriam direcionados para um fundo voltado à criação de novas Unidades de Conservação e sua efetiva proteção.

“Estamos falando de uma área muito extensa de terras públicas que já estão ocupadas. É uma evidência de que as regras não estão sendo seguidas, mesmo com os esforços de fiscalização. Precisamos lidar com o problema a partir de novas estratégias. Quando falamos de um novo arcabouço fundiário, estamos falando também de punir os agentes públicos que não atuam de acordo com as obrigações de proteção e de uso econômico definidas. Hoje, a punição recai somente sobre quem ocupa as terras públicas, mas é preciso punir também quem permite que a ocupação irregular aconteça”, afirma Rodrigues.

Do que se conclui, por outro lado, que leis temos, não temos políticas públicas adequadas à conservação das assimetrias geopolíticas, antropológicas e ambientais da região. 

Sobre o autor

Osíris M. Araújo da Silva é economista, escritor, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas (ALCEAR), do Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (GEEA/INPA) e do Conselho Regional de Economia do Amazonas (CORECON-AM).

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista

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