Brasil, fracionado, refém de si mesmo

“Em termos práticos, o mesmo quadro conjuntural de instabilidade política, entra regime sai regime, entre governo sai governo, renovam-se os parlamentos e mesmo assim nada muda”, afirma Osíris Silva.

Ao que seguidamente observo, na maioria das vezes, incrédulo, ao nível de intransigência, radicalismos e ódios potencializados, só resta ao Brasil uma alternativa: chamar o Nero para atear fogo e começar tudo de novo. Sim, porque desde 1889 vivemos as mesmas contradições, divergências, insanas polarização e incongruências. Em termos práticos, o mesmo quadro conjuntural de instabilidade política, entra regime sai regime, entre governo sai governo, renovam-se os parlamentos e mesmo assim nada muda. A mesma patifaria grudada ao tempo que se prologa ad infinitum.

A maioria dos brasileiros, todavia, não luta de verdade para mudar, pouco contribui com ideias e propostas construtivas; não estuda nem tem coragem de pegar em armas contra bandidos tipo Renan Calheiros, Omar Aziz e outras biscas. Ao contrário, grupos corporativos, cartoriais, se estruturam, coesos, uns defendendo, por exemplo, a CPI do mal, o Fundo partidário, outros contra; uns endeusando o corrupto Lula, a maior fraude política jamais antes surgida na história deste país, outros trucidando-o, desejando que seja mandado para os quintos dos infernos.

A bola da vez é o presidente Jair Bolsonaro (antes foi Dilma), mais atrás FHC, Jânio Quadros, Getúlio ou Floriano Peixoto, cujo governo faz parte do período da história brasileira conhecido como República da Espada. A tal ponto se agrava o cenário político quando se debita ao atual mandatário a origem primeira de todos os males que aprisionam o Brasil ao atraso, à intransigência, à imprudência, à falta de convicção e determinação políticas. Como se o saque da Petrobras protagonizado pelas empreiteiras e políticos da base dos governos do PT tivesse sido perpetrado na gestão em curso.

Tais correntes pouco se dão conta de um simples detalhe: na base, no imo, no âmago da questão está o próprio brasileiro, que, como afirmou (1970) o à época espinafrado Pelé, ainda não aprendeu a escolher seus representantes, a ter consciência de que deputados e vereadores não foram eleitos para dar sandálias ou dentaduras, pagar IPTU atrasado ou conta de luz vencida de eleitor. Nem comandar quadrilhas de assalto ao patrimônio público.

O eleitor, por seu turno, finge desconhecer que a maioria desses parlamentares não merece ganhar mais de 30 mil reais por mês, fora verbas de gabinete e mordomias. Em Manaus um vereador custa ao município cerca de R$ 100 mil/mês (e são 47!), mas mesmo assim são eleitos e reeleitos a cada pleito. Jovens edis assumem prometendo piamente lutar por mudanças, mas logo são sugados pela máquina trituradora defensora do status quo, relacionado ao estado dos fatos, das situações e das coisas, predominante sobre as organizações republicanas do país.

Ao fim e ao cabo, contudo, a máquina corrompida do atraso é mais forte. E assim segue o baile. A situação é tão grave no relacionamento entre opositores que, ao menor comentário desfavorável a uma corrente política, logo faíscas voam para todos os lados. Quem era amigo ou parente afasta-se como o diabo da cruz, muitas vezes rompendo laços de amizade estabelecidos desde a infância, o colégio, a faculdade, a bancada de trabalho. Muitas e díspares opiniões também afundam o barco, no dizer dos gregos.

Era assim antes do ódio disseminado pelas esquerdas radicais, que a ferro e fogo tentou impingir ao Brasil o tal socialismo bolivariano que quebrou a Venezuela chavista? Ao que me consta, a mim que viveu os tumultuados anos 60 e 70, não. Discutia-se política a maioria das vezes civilizadamente, sem a força acusatória irreconciliável, destrutiva e a ânsia assassina de hoje.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Desigualdade e desarmonia entre os poderes

Assisti, terça-feira passada (2), a uma entrevista do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, destacando o “desgaste internacional do Brasil na questão ambiental”. O Brasil, afirmou, precisa fazer um “mea-culpa” e reconhecer que o desmatamento ilegal “alarma o mundo” e gera uma crise de imagem do país perante a comunidade internacional.

“O problema maior é o desmatamento ilegal, que alarma o mundo e constitui uma narrativa consistente e forte em relação ao Brasil, o que faz com que tenhamos uma crise de imagem”, avaliou Pacheco ao participar do evento ‘O futuro verde está no Brasil’, promovido pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 26).

Ora, Pacheco não fez referência ao descaso do Congresso em relação à pauta das reformas fiscal, tributária, da administração pública, do Imposto de Renda, sobre as privatizações, postergadas em favor de praxes legislativas equivocadas e, ironia das ironias, distantes dos interesses da sociedade. Não interessa se a medida é do mais alto interesse nacional, como o Bolsa Brasil ou o parcelamento dos Precatórios.

O que conta – repetindo a história – é desgastar o governo em troca de ganhos políticos dos legisladores. Autêntico “nonsense”, falta de decoro parlamentar, aceito pacífica e convenientemente pelo sistema politico. Além do “toma lá dá cá”, marca de ação parlamentar predominante no Congresso Nacional, pela qual mesquinhos interesses partidários sobrepõem-se às expectativas e conveniências sociais e econômicas da nacionalidade. Conforme o dito popular, Mateus primeiro os meus, depois os teus. Ou ainda, primeiro as obrigações, depois as devoções.

Nessa lógica bandida o Parlamento, como de hábito, fecha o cerco sobre o Executivo, empurra-o contra a parede e o chantageia. De tal sorte que, se quiser aprovar matérias do interesse da sociedade tem de pagar pedágio: fundo partidário, emendas parlamentares, viagens internacionais. Ou é isso, ou nada.

Foto: Gadini/Pixabay

A crise é mundial

Nos últimos 150 anos, segundo levantamento da BBC News, o mundo sofreu 14 recessões — e a causada pelo novo Coronavírus deve ser a quarta pior, prevê o Banco Mundial. Segundo a instituição, a turbulência econômica decorrente da pandemia de covid-19 só seria superada pelas crises ocorridas no início da 1ª Guerra Mundial, em 1914, na Grande Depressão, em 1930-32, e após a desmobilização de tropas após a 2ª Guerra Mundial, em 1945-46.

O Banco Mundial prevê que o PIB per capita global encolha 6,2% neste ano, mais do que o dobro do registrado na crise financeira de 2008. Os preços aos consumidores nos Estados Unidos subiram 6,2% de novembro de 2020 a outubro de 2021, ritmo mais elevado dos últimos 31 anos. A disparada da inflação é reflexo, principalmente, da alta dos combustíveis e cos alimentos.

Na China, o Índice de Preços ao Produtor (PPI, na sigla em inglês), que mede os preços dos produtos na porta de entrada das fábricas, disparou em outubro. O PPI atingiu 13,5% na comparação ao mesmo mês de 2020, segundo dados divulgados pelo Escritório Nacional de Estatísticas da China nesta quarta-feira, 10, em Pequim. O resultado de outubro é agora a maior taxa registrada na série de dados desde o seu início, em 1996.

Pacto de Moncloa

Impossível, em tal cenário, deixar de refletir sobre o Pacto de Moncloa, de outubro de 1977, que passou a viger na Espanha despedaçada pela Guerra Civil (anos 1930) e a ditadura sanguinária de Franco que se seguiu até sua morte em 1975. O ódio então predominante junto aos espanhóis , em termos de massa, era umas 100 mil toneladas superior ao prevalente no Brasil de hoje.

Muitas nações tomam o Pacto de Moncloa como modelo para a solução de crises graves, amplas, agudas, como a que o Brasil hoje atravessa, e que se agrava a níveis assombrosos. Embora de origem conservadora, Moncloa logo recebeu o respaldo dos partidos comunista e socialista, permitindo ao país sair da profunda crise em que se encontrava e a transformar-se em bem-sucedida experiência de administração da transição do ciclo autoritário para a democracia.

Espanhóis, com amor à pátria, renúncia, racionalidade e pragmatismo político superaram e criaram um novo país. Rico, civilizado e politicamente estável. Hoje, a Espanha é uma das economias mais prósperas da Europa. Seu povo desfruta de um admirável padrão de vida em níveis social, educacional e culturalmente. No Brasil com a morte de Tancredo Neves, não tivemos essa transição. O país saiu da ditadura indiretamente para o governo Sarney, que aguçou vícios políticos e práticas pouco republicanas que passaram a se tornar rotineiras daí em diante. Se, contudo, os espanhóis conseguiram, por que não os brasileiros?

Não se pode, todavia, em nome do futuro desta nação, menosprezar notáveis conquistas da sociedade, como o controle da inflação do Plano Real, ao qual as oposições raivosas recusaram-se ferozmente a referendar, como contrárias foram à Constituição de 88, ao PROER (reforma do sistema financeiro), à Lei de Responsabilidade Fiscal, às privatizações.

Vale a pena recordar, a propósito, as palavras do jornalista Joelmir Beting, saudando o sucesso do Plano Real, em sua coluna: “Aqui jaz a moeda que acumulou, de julho de 1965 a junho de 1994, uma inflação de 1,1 quatrilhão por cento, algo como 1.100.000.000.000%. Sim, inflação de 16 dígitos, em três décadas. Um descarte de 12 dígitos no período. Caso único no mundo, desde a hiperinflação alemã dos anos 1920”. 

*O conteúdo é de responsabilidade do colunista 

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