O quadro da estiagem instalada no Amazonas é bastante representativo dessa discrepância, da desarmonia entre problemas e soluções que demandam esforços sobre-humanos coordenados pela União e o concurso de estados e municípios.
A Cúpula da Amazônia, realizada na capital do estado do Pará nos dias 8 e 9 de agosto passado, divulgou a Declaração de Belém, assinado pelos presidentes dos 8 países que participaram da Cimeira. O documento se resume a 11 tópicos comuns à realidade geopolítica da Pan-Amazônia. Um dos temas mais polêmicos ali tratados diz respeito ao “desmatamento zero”, sobre o qual a Declaração não apresentou metas ou prazos isolados ou comuns a todos os países. Possível ganho no longo prazo, estabeleceu a “Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento” voltada à cooperação regional, “reconhecendo e promovendo o cumprimento das metas nacionais, inclusive as de desmatamento zero”. Termos de ajustes que, todavia, não evoluem, a despeito da existência da tímida OTCA – Organização do Tratado de Cooperação Amazônica.
Desde então não mais se ouviu uma palavra do governo federal sobre medidas de políticas públicas dirigidas à correção das desigualdades regionais; incentivo à bioeconomia, a exploração sustentável dos recursos da biodiversidade amazônica e ao fortalecimento de nossos centros de pesquisa e da universidade, sobretudo em relação à formação de recursos humanos de alto nível, sem os quais nossa caminhada rumo ao desenvolvimento implacavelmente se frustrará. Intervenções de tal magnitude propostas e não viabilizadas no Plano Desenvolvimento Regional Integrado – PDRI, aprovado pelo CONDEL/SUDAM em maio de 2019. Quando um país, observe-se, consegue reduzir os processos de desequilíbrios regionais de desenvolvimento, convergindo condições de vida das regiões mais pobres para as condições de vida das regiões mais ricas, é preciso que consolide, sustente e reinvente políticas públicas adequadas de sorte a evitar a reversão desses processos ao longo do tempo. Fundamental a constatação segundo a qual novos problemas, novas oportunidades e insights inovadores emergem quando transformados os contextos históricos que parametrizam políticas públicas.
O quadro da estiagem instalada no Amazonas é bastante representativo dessa discrepância, da desarmonia entre problemas e soluções que demandam esforços sobre-humanos coordenados pela União e o concurso de estados e municípios. A geografia oficial aponta que 70% da superfície da Terra é constituída de água, porém sua maior parte é oceânica (salgada); apenas 3% é de água doce, que, em sua maior parte, se encontra em forma de calotas polares e glaciares. Talvez menos de 1% seja de fato água doce superficial, facilmente acessível em lagos, rios e a pouca profundidade do solo para uso de todos os habitantes da Terra. O Brasil detém 12% da água doce do mundo, ou 0,0000012% do total. Realidade inexorável, a seca e a consequente escassez da água escancara o quão vulnerável é o bioma amazônico. Os níveis de desolação são de tal ordem que populações ribeirinhas – pasme-se! – não dispõem de água para beber.
Na verdade, a falta de água potável é uma dura realidade em vários países. Menos no Brasil, supunha-se. De acordo com a ONU, em torno de 800 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada e 2,5 bilhões não dispõem de condições sanitárias adequadas. Outro agravante é que a população humana só aumenta, assim como as atividades de consumo que utilizam o recurso hídrico, como a produção extensiva de alimentos.
Exemplo: produzir 1 kg de queijo demanda, em média, gasto de 5.060 litros de água, considerando-se todo o ciclo operacional desde o manejo dos rebanhos, tratos higiênicos de currais e animais até o laticínio, o estágio final da cadeia. Estudos da ONU confirmam: em 2030 a população global irá necessitar de 35% a mais de alimento, 40% a mais de água e 50% a mais de energia para sobreviver em condições adequadas.
Há que se observar, no Brasil, uma realidade irrefutável sobre a generalizada poluição hídrica e o desperdício do uso de água. Mesmo considerada crime ambiental, a ignorância da população e das autoridades em relação à gravidade do problema tolhe soluções pragmáticas, como adotadas em países desenvolvidos. Os crimes, todavia, são cometidos aberta e coletivamente a cada segundo do dia, da semana, do mês, do ano. Salta aos olhos o quadro dantesco revelado pelas zonas ribeirinhas da capital e da zona rural amazonense (capital e interior), ocupadas por lixões a céu aberto. A única chance de corrigir tal distorção é por meio de amplo e abrangente programa educacional que conscientize a sociedade e os próprios governos municipais quanto à importância de uma coleta eficiente do lixo e a necessidade de proteção dos mananciais e seus cursos.
Em relação às vias fluviais, precisamos urgentemente negociar recursos com o governo federal para o desassoreamento de nossos principais calhas, como Madeira, Solimões e Negro. Há projetos antigos nesse sentido. Oportuno observar que o nível de bom atendimento das residências de água encanada e rede de esgoto é garantia de boa saúde para a população. Dados da OMS/ONU comprovam que a cada dólar investido em saneamento economiza-se quatro dólares em saúde pública. Informação que precisa ser incutida nos corações e mentes de cada um dos nossos habitantes.
Sobre o autor
Osíris M. Araújo da Silva é economista, escritor, membro do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas (IGHA), da Academia de Letras, Ciências e Artes do Amazonas (ALCEAR), do Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (GEEA/INPA) e do Conselho Regional de Economia do Amazonas (CORECON-AM).
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