Como cura de Yanomami atacado por onça contribuiu para canonização de padre em Roraima

O padre italiano José Allamano foi canonizado pelo Papa Francisco no dia 20 de outubro. O indígena Sorino Yanomami, à época com cerca de 40 anos, foi atacado por uma onça, perdeu parte do cérebro, mas se recuperou sem sequelas.


Missionária Felicita Muthoni, com Sorino Yanomami, recuperado após ataque de onça em 1996. Foto: Reprodução/Diocese de Roraima

O que era para ser uma caçada comum na região do Catrimani, na Terra Yanomami, em fevereiro de 1996, ficou marcada na vida de Sorino Yanomami, então com cerca de 40 anos. Ele foi atacado por uma onça, que lhe arrancou parte da cabeça. Desacreditado pela equipe médica, sobreviveu após ser cuidado por missionárias, que pediram sua recuperação em orações ao padre José Allamano.

Sorino, hoje com cerca de 68 anos (o povo Yanomami não costuma contar idades e anos), vive sem sequelas do ataque e a recuperação foi reconhecida pela Igreja Católica como um milagre atribuído ao padre.

O padre Allamano foi canonizado pelo Papa Francisco no dia 20 de outubro por conta do reconhecimento deste milagre. Ele é fundador da congregação dos Missionários da Consolata, grupo que socorreu o indígena e o transportou para o Hospital de Boa Vista.

Ataque da onça

De acordo com a Diocese de Roraima, Sorino caçava na floresta quando se deparou com uma onça que estava com filhotes. O ataque aconteceu por trás, arrancou o couro cabeludo e abriu o crânio do indígena expondo “grande parte do cérebro”, segundo testemunhas.

O grupo de caçadores Yanomami tentou socorrê-lo e, devido à gravidade dos ferimentos, pediu ajuda às religiosas que viviam nas proximidades. Sorino foi socorrido pelas enfermeiras Felicita Muthoni, de origem do Quênia, Maria Silva e Rosáuria, que faziam parte da congregação de Missionários da Consolata, onde eram conhecidas como Irmãs Missionárias da Consolata.

Felicita notou que Sorino estava com parte da massa cerebral fora da cabeça – desprendida do restante. Ela chegou a lavar a parte que estava para fora e empurrou para dentro da cabeça novamente e enrolou com uma camisa.

Após os primeiros socorros, as enfermeiras ligaram solicitando ajuda e pedindo para levar o indígena ao hospital em Boa Vista, mas a Terra Yanomami é um local que só pode ser acessado de avião. O veículo foi enviado na tarde daquele dia.

Já em Boa Vista, o indígena foi atendido pela equipe médica, que chegou a avaliar não haver chances de sobrevivência sem graves sequelas devido ao dano no cérebro causado pelo ataque. Até disseram, segundo testemunhas, que a morte do paciente era iminente.

Sorino Yanomami, hoje com cerca de 68 anos, acompanhado de missionárias da Consolata em Boa Vista. Foto: Divulgação/Diocese de Roraima

De acordo com a diocese, em meio ao desespero, as missionárias pediram a intercessão de José Allamano por meio de preces e orações, acreditando que “apenas um milagre poderia proporcionar esperança”.

Sorino vive sem sequelas na comunidade Catrimani. Ele recebe até hoje visita das missionárias da Consolata que o ajudaram, principalmente de Maria Silva, que ainda atua na missão dentro da Terra Yanomami.

Para o médico neurocirurgião Mario Santacruz, que atendeu Sorino, não há explicação científica para esta recuperação do indígena.

“Considerando a perda da substância cerebral, ele teria um déficit muito grande com danos motores, paralisia e problemas intelectuais. Fizemos todos os exames e constatamos que ele voltou ao normal, sem sequelas”, disse o médico Mario Santacruz.

Canonização de José Allamano

O papa Francisco proclamou 14 novos santos no dia 20 de outubro, durante a Missa na Praça de São Pedro. Entre eles, está o italiano José Allamano. Nascido em 21 de janeiro de 1851 em Castelnuovo D’Asti, Itália, foi um notável sacerdote católico que dedicou a vida ao serviço religioso e à expansão do trabalho missionário.

Allamano era reconhecido pelo trabalho missionário e fundou o Instituto Missões Consolata dos padres e irmãos em 1900, seguido pelo Instituto das Irmãs Missionárias da Consolata em 1910. Essas iniciativas expandiram o trabalho para várias regiões africanas e outros países ao redor do mundo – como o território Yanomami. Allamano morreu em fevereiro de 1926.

Na apresentação da canonização de José Allamano no dia 19, na sala de imprensa do Vaticano, também estava presente Júlio Ye’kwana, presidente da Associação Wanasseduume Ye’kwana (Seduunme) e líder indígena do território Yanomami em Roraima.

Imagem do padre José Allamano, canonizado pela igreja católica. Foto: Divulgação/Diocese de Roraima

Missão na Terra Yanomami

A Missão Catrimani com os missionários de Consolata na Terra Yanomami, que leva o nome do rio brasileiro ao oeste do estado de Roraima, foi criada pelo Concílio Vaticano II durante a década de 1960.

O bispo de Roraima e presidente da rede Eclesial Pan-Amazônica, dom Evaristo Spengler — que está em Roma para acompanhar a canonização de Allamano — destacou a importância da missão na crise sanitária vivida pelos Yanomami causada pela invasão do garimpo ilegal.

“Especificamente na Terra Yanomami, a missão não é de anúncio explícito do evangelho. Foi criada para o diálogo, valorização da cultura e do respeito à forma religiosa que o povo indígena vive, sem fazer proselitismo”, afirmou.

Crise Yanomami sem precedentes

Com 9,6 milhões de hectares, a Terra Yanomami é o maior território indígena do Brasil em extensão territorial e enfrenta uma crise de saúde devido ao avanço do garimpo ilegal, com casos graves de indígenas com malária e desnutrição severa.

A Terra Yanomami está em emergência de saúde desde janeiro de 2023, quando o governo federal começou a criar ações para atender os indígenas, como o envio de profissionais de saúde e cestas básicas. Além de enviar forças de segurança a região para frear a atuação de garimpeiros.

Apesar das atividades de combate ao garimpo na região deflagradas em fevereiro de 2023, os invasores continuam em atividade. O Ministério dos Povos Indígenas estimou em março deste ano que 7 mil garimpeiros permanecem na região.

*Por Caíque Rodrigues, da Rede Amazônica RR

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