Você sabe qual cidade acreana já foi ‘Brasília’?

Cidade na fronteira do Brasil com a Bolívia, Brasiléia tem história multicultural. Professora escreveu livro para contar história do município que completa 114 anos em 2024.

Seringal Carmem, Alto Acre, Vila Brasília, Brasília, muitos nomes que revelam uma constante na história da cidade acreana que ao longo dos anos já teve de se reinventar e se reconstruir múltiplas vezes, como em 2024, quando enfrentou a maior enchente de sua história. Brasiléia, umas das cidades mais antigas do estado, completa 114 anos em 3 de julho.

A região que viria a ser Brasiléia era ocupada até o final do século 19 por dois povos indígenas os Catianas e os Maitenecas. Como ocorreu em todo o Acre, porém, a região passou a ser colonizada a partir de 1879 por imigrantes em busca de riquezas prometidas através da extração de látex. Era o início do 1º Ciclo de Borracha.

“Ela foi povoada primeiro por nordestinos que vieram de longe na época da borracha para tentar ganhar dinheiro e depois voltar às suas cidades natais. Muitos, porém, não conseguiram voltar”, conta a professora Gislene Salvatierra da Silva, mestra em Ciências do Ensino Superior pela Universidade de Pando.

Cidade se chamava Brasília. Foto: Reprodução/Acervo Digital do Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural (FEM)

Nascida e criada em Brasiléia, a professora de 80 anos sentia falta de um guia sobre a história da cidade e resolveu fazer um por conta própria. “Amo meu município, ele não tinha história registrada, por isso iniciei uma pesquisa e escrevi o livro: Brasiléia nas páginas de nossa historia”, conta.

Segundo ela, durante os primeiros 30 anos de ocupação não havia uma cidade organizada, mas vários seringais que dividiam o espaço. Entre os maiores estavam o Seringal Carmem, Nazaré, Vermont, Canindé e Baturité.

De Brasília a Brasiléia

“Foi em um domingo, 3 de julho de 1910 que foi fundada Brasília. Foi escolhida uma faixa de terra do Seringal Carmem em frente a cidade boliviana de Cobija. O local era ocupado apenas por uma estrada de seringa onde trabalhavam vários brasileiros”, explica.

Uma curiosidade sobre a fundação da cidade é que ela foi fundada para abrigar o 3º Termo Judiciário da Comarca de Xapuri.

Apenas o Rio Acre separa Brasiléia de Cobija. Foto: Argemiro Lima/Acervo Digital do Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural (FEM)

“Não havia sequer um lugar para que a Justiça pudesse guardar os documentos, eles eram transportados em jamaxis, uns paneiros carregados nas costas. O pessoal ria e dizia que a Justiça brasileira andava jamaxi”, afirma.

Os próprios seringalistas e seringueiros que viviam na região ajudaram a construir a cidade, com investimentos financeiros e mão de obra.

Originalmente um distrito, a localidade fazia parte do Departamento do Alto Acre, que tinha como capital Rio Branco. Nesse período o território do Acre era dividido em quatro departamentos, cada um com uma capital.

Em 1912 foi incorporado ao município de Xapuri, criado naquele ano e assim ficou até dezembro de 1938, quando foi , enfim, elevado a categoria de município.

Centro comercial de Brasiléia no começo do século 20. Foto: Argemiro Lima/Acervo Digital do Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural (FEM)

Um mito acreano difundido há anos conta que o nome da cidade foi alterado de Brasília para Brasiléia após a criação da capital federal. A história, entretanto, não é verdadeira.

Segundo Gislene, a mudança ocorreu em 1943, 17 anos antes da fundação do Distrito Federal, mas ainda assim foi para evitar confusões com o nome de outra localidade.

“Ela mudou de nome por causa de uma cidade mineira mais antiga com nome de Brasília”, explica.

Professora Gislene Salvatierra Silva escreveu livro contando a história da cidade. Foto: Arquivo pessoal

“Sentia que não havia fronteiras”

Uma pecualiridade da cidade é que apenas 150 metros a separa da Bolívia, algo que na opinião da professora fez com que o local se tornasse uma zona multicultural onde os limites da geopolítica não são tão evidentes.

“Eu sentia que não havia fronteiras, por exemplo, meu pai é boliviano e minha mãe brasileira, descendente de nordestinos. Então convivi lá [na Bolívia] e aqui no Brasil. Meu avó brasileiro veio recém-casado, como aqui já era muito povoado, ele foi morar em Cobija e teve 14 filhos que casaram com japoneses, italianos, americanos e sírio-libaneses. Então a gente tem tantos parentes que vivem lá e cá que se sente assim”, conta.

A octogenária diz ainda que apesar dos conflitos entre acreanos e bolivianos durante a Revolução de 1902, uma vez que a situação foi resolvida, ao menos para as comunidades da fronteira, a paz se estabeleceu.

“Eles ganharam um pouco da nossa cultura e nós também ganhamos um pouco da deles. Principalmente na alimentação e costumes. Depois do Tratado de Petrópolis nós convivemos em paz, irmamente”, finaliza.

*Por Yuri Marcel, da Rede Amazônica AC

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